Crise da 123milhas mostra alavancagem de negócio de alto risco que vai muito além dos programas de fidelidade
O negócio da 123milhas é juntar essas milhas e comprarem passagens nas companhias (e mais recentemente em hotéis) pagando com esses pontos.
A crise da 123milhas, que suspendeu a venda e emissão de passagens da linha “Promo” nesta sexta-feira (18), que tinham datas flexíveis de viagens mostra os risco de um negócio que já fez desaparecer várias empresas de uma atividade que nasceu ancorada na comercialização de milhas de terceiros e que está muito distante do mercado de fidelização.
Essencialmente, o negócio da 123milhas é transformar, em dinheiro, milhas de programas de fidelidade de empresas aéreas entregam de graça aos seus clientes comercializando pontos que normalmente seriam perdidos pelos participantes dos clubes de fidelidade que não conseguissem uma pontuação suficiente para comprar uma passagem de avião antes que eles perdessem a validade.
O que, na prática, empresas como a 123milhas fazem é juntar essas milhas e comprarem passagens nas companhias (e mais recentemente em hotéis) pagando com esses pontos. Na outra ponta, elas vendem trechos de passagens de avião no e-commerce que podem chegar a 50% dos valores de tabelas das companhias.
Como têm milhões de pontos a vencer - que foram transferidos para ela - a companhia pode comprar uma passagem aérea com os pontos estipulados e pagar com esses pontos vendendo a passagem em dinheiro ao seu cliente.
O negócio funciona pelo volume de pontos movimentados. Por exemplo, um cliente que precisasse viajar nesta segunda-feira (20) do Recife para São Paulo pela companhia GOL precisaria de até 90 mil pontos para comprar o trecho que ficou em R$1.938,88. Na 123milhas, ele pagaria apenas R$1.545,00. Como a 123milhas tem milhões de milhas próximas a vencer, ela paga a aérea com esses pontos.
O problema começa quando o preço da passagem - devido à alta procura mesmo na baixa estação – dispara e milhares de clientes decidem usar seus pontos através da 123milhas e ele precisa - como no caso acima - pagar até 90 mil milhas por um trecho e entregar a passagem ao cliente na ponta. E, aparentemente, foi o que aconteceu com os pacotes vendidos para o período de setembro a dezembro.
Dito de uma forma bem simples: a 123milhas vendeu pacotes que exigiram milhões de milhas para comprar as passagens nas empresas. O alto preço das passagens e a exigência de mais milhas desequilibrando o negócio que trabalha no vácuo de passagens mais baratas pagas com menos milhas.
Segundo ela informou foi que Devido à persistência de circunstâncias de mercado adversas, alheias à nossa vontade, a linha PROMO foi suspensa temporariamente e não emitiremos as passagens com embarque previsto de setembro a dezembro de 2023. E que estará devolvendo integralmente os valores pagos pelos clientes, em vouchers acrescidos de correção monetária de 150% do CDI.
O problema é que o valor que ela vendeu os pacotes, mesmo como a correção, não dá para comprar outro no mercado.
É importante entender que o negócio da 123milhas não é o negócio das empresas filiadas as Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (ABAMF), fundada em 2014 pela GOL, TAM e Azul para defender os interesses desse setor e à qual se juntaram outras companhias como a Livelo, Dots e Mastercard.
A entidade não briga em público com as empresas do chamado OTA (Online Travel Agence) como a 123 Milhas e suas congêneres são classificadas. Mas os seus sócios fundadores sabem que quanto mais elas crescem, o custo de honrar os programas fica mais caro e precisa ser registrado no seu balanço.
Em 2022, as aéreas foram o destino de 87,5% dos pontos resgatados das associadas da ABEMF. No ano, foram resgatados 112,1 bilhões de milhas, que foram reunidas pelas empresas do mercado OTA de compra e venda de pontos.
As aéreas não emitiram, por exemplo, os 140 bilhões de pontos de 2022 (o Brasil fechou o ano com 194 milhões de cadastros), mas pagaram a quase totalidade dos resgates.
A questão dos cartões de fidelidade das aéreas é um negócio tão preocupante para as companhias que as brasileiras transformaram seus programas (Smiles, TudoAzul e LatamPass) em unidades de negócios dentro de seu negócio.
A GOL fechou o capital do Smiles em 2021. A TAM fez a unificação dos programas LATAM Fidelidade e Multiplus, o LATAM Pass. O LATAM Pass surgiu após a unificação dos programas LATAM Fidelidade e Multiplus.
Esse movimento é porque toda passagem que ela emite com pagamento em pontos - seja no seu site seja na 123milhas, por exemplo - entra na conta de despesa. No caso da Azul, por exemplo, isso custou R$520,2 milhões registrado no seu balanço.
E para se ter uma ideia da diferença entre o que ela contabiliza como despesa de seu programa de fidelidade e os das empresas de milhas, basta dizer que toda sua venda de pontos no site TudoAzul somou apenas R$21,917 milhões.
Com o surgimento das OTAs praticamente deixou de existir a perda de pontos que as aéreas contabilizavam. Hoje, o cliente vê os pontos nas OTAs e pegam o dinheiro para pagar parte das suas passagens de avião.
O negócio que surgiu com a venda de passagens é uma face do potencial do e-commerce brasileiros. A 123milhas é o e-commerce de turismo mais acessado do Brasil e figura entre os 10 maiores sites brasileiros de comércio eletrônico, de acordo com dados do Relatório Setores do E-commerce, divulgado em abril de 2022.
No ano passado ela obteve 24,4% de todas as buscas na internet com a palavra Turismo. No ranking de audiência na internet, a empresa teve 17,5% de todo o tráfego gerado com a busca Turismo.
Isso se deve aos algoritmos de busca que a empresa possui. Mas revela o seu potencial de engajamento. Ou seja: quando uma pessoa decide pesquisar sobre viagens, primeiro ela vai no site da 123Milhas.
Fundada em Belo Horizonte em 2014, a 123Milhas é considerada no mercado de startups uma “copycat”, empresa que clona modelo de negócio e funcionalidades desenvolvidas por outras. Ano passado, ela se transformou na maior agência online de vendas de passagens aéreas sem ter um único avião.
O negócio de compra de pontos nos programas de fidelidade de empresas aéreas para comercializar passagens com preços menores criou um gigante que este a levou a anunciar uma fusão com a concorrente MaxMilhas. As empresa estimaram que tinha R$6 bilhões em vendas no chamado OTA (Online Travel Agency).
A empresa tem como sócios Ramiro Julio Soares Madureira e Augusto Julio Soares Madureira, que são seus administradores, e Cristiane Soares Madureira do Nascimento aparece como sócia, pela empresa Novum Investimentos Participações. A 123milhas diz que já embarcou 15 milhões de clientes para destinos nacionais e internacionais desde a sua criação.