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Para Brasil, novo BRICS virou capitalização de sócio fundador que não fez aporte de capital

A reunião dos BRICS aprovou a entrada da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Argentina, Egito, Irã e Etiópia no bloco de países emergentes.

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Fernando Castilho

Publicado em 24/08/2023 às 13:00 | Atualizado em 24/08/2023 às 17:03
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No final do Governo Bolsonaro, os brasileiros tomaram conhecimento do modelo de privatização da Eletrobrás, onde o dono da empresa (a União federal) aceitava a presença de novos sócios sem que precisasse vender suas ações. Pelo modelo, chamado de capitalização, os novos sócios, ao comprar novas ações, faziam a presença do Estado diminuir, de modo que junto com o aporte de capitais, os demais sócios assumiram a gestão da empresa.

Nascia o que o mercado chama de corporate, uma empresa sem um dono claramente identificado, embora o grupo de sócios possa escolher os administradores e, efetivamente, controlar a empresa sem a presença do antigo dono na gestão, no caso, a União.

O presidente Lula está saindo da África do Sul com a constatação de que o BRICS - que ajudou a fundar - virou uma corporate de 11 países, onde os seus 20% viraram 9% e que - assim como aconteceu na Eletrobrás - não lhe dá mais direito a interferir efetivamente nos destinos do bloco, embora seja politicamente reverenciado pelos antigos parceiros.

Ricardo Stuckert/PR
Lula e Xi Jinpinga na Reunião dos Brics - Ricardo Stuckert/PR

O presidente Lula decolou de Brasília certo de que a conversa prévia liderada pela China, de aceitar novos parceiros no bloco, seria um tema que só amadureceria ano que vem, em Moscou. Pelas contas do Itamaraty, o grupo formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul aceitaria a tese. Mas só definiriam os critérios de acesso e passariam um ano fazendo tratativas.

Mas ele logo percebeu, ao desembarcar, que o encontro se tornou uma armadilha em que caiu direitinho. Para começo de conversa, o presidente anfitrião, Cyril Ramaphosa, não estava no aeroporto para lhe receber. Mesmo sendo um dia de sol em Joanesburgo. Mandou a ministra das Relações Exteriores.

A reunião dos BRICS aprovou a entrada da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Argentina, Egito, Irã e Etiópia no bloco de países emergentes.   

E a certeza de que estava virando “o prato principal” e não um comensal no almoço dos BRICS, veio quando, no dia seguinte, o presidente da África do Sul ficou acordado até 23h05 de terça-feira para receber o presidente da China, Xi Jinping.

O presidente do Brasil acreditava que poderia conter a ideia de ter mais sócios no clube fundado em 2009 e que aceitou a África do Sul de Ramaphosa, em 2011. Ele e seus diplomatas, liderados pelo assessor especial Celso Amorim, viajaram com um discurso de receber apoio à ideia de uma nova moeda que permitisse os países negociarem usando as moedas do próprio clube, e de só abordar a questão dos novos sócios em 2024.

A proposta de uma moeda dos BRICS é uma dessas esquisitices que Lula e Celso Amorim vêm propondo e que pouca gente presta atenção, como a criação de um grupo para discutir a paz.

Antes da moeda dos BRICS, Lula propôs ajuda financeira à Argentina para que precisasse do FMI; propôs um Clube da Paz para atuar junto a países em conflito na África e Oriente Médio e o pagamento de bilhões de dólares pelos países do G7 ao Brasil como ajuda para conter desmatamento da Amazônia. Os seus interlocutores fizeram cara de paisagem.

Entretanto, parece claro que Lula sabia que Vladimir Putin era contra a moeda entre países dos BRICS. Ele já tinha levantado o cartão vermelho para a proposta meses antes. Mas talvez Lula e seu assessor especial achassem que a China - seu maior parceiro comercial - apoiaria a ideia. Errou de novo. Xi Jinping não quis nem analisar o tema e Lula ficou falando sozinho na reunião da África do Sul.

O presidente da China, como se viu, tinha outras prioridades: sair de Johanesburgo com, ao menos, seis novos parceiros que sabem que estão entrando no bloco a seu convite e contra a vontade de Lula. Xi Jinping quem pode ser o líder, de fato, do novo grupo, quebrou a banca e, como numa eleição americana, levou todos os delegados.

Na prática, os BRICS+6 virou uma corporate de onze nações onde o Brasil - mesmo tendo uma ação Golden Share - não é diferenciada porque os outros sócios fundadores também têm uma igual. Ou seja: não vale muito.

O BRICS+6 agora é um condomínio liderado pela China. A Índia não gosta disso, mas aceitou mirando o mercado desses novos parceiros que estão mais próximos, embora politicamente existam sérios problemas.

A Rússia de Vladimir Putin aposta na ideia de um bloco maior porque esse grupo, em tese, pode se contrapor aos Estados Unidos em relação à União Europeia. A África do Sul, como se viu, fechou com a China.

Ricardo Stuckert/PR
O presidente Lula da Silva chega à Africa do Sul para a reunião dos BRICS - Ricardo Stuckert/PR

Isso quer dizer que Lula volta ao Brasil da mesma forma que tem voltado de outras viagens internacionais. Sem obter ganhos efetivos ou ao menos visíveis. Parte disso pela confusão que faz em relação à guerra da Rússia contra a Ucrânia quando tenta nivelar o papel dos dois países no conflito. E isso já lhe custou o prestígio que tinha na União Europeia no começo do governo.

No fundo, Lula vai dizer que a China vai dar apoio à proposta de ter assento permanente no Conselho da ONU. Ele sabe que a China não vai topar isso porque, para o Brasil entrar, teria que entrar também o Japão. Imagina Xi Jinping apoiando o Japão, com quem seu país não se afina há mais de 1.000 anos?

No final, o BRICS+6 virou mesmo uma nova corporate onde o Brasil agora divide o auditório com mais nove. É ruim porque antes Lula dividia a sala principal com quatro e tinha mais voz. Mas Lula vai voltar ao Brasil dizendo, mais uma vez, que sua diplomacia saiu vencedora. Mas os seus antigos parceiros e os novatos sabem sua posição. E isso só enfraquece o Brasil, que entrou com 20% do bloco e saiu com apenas 9%.

Vamos ver o que Lula agora vai propor na ONU, na Assembleia Geral em 19 de setembro, em Nova Iorque.

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