Na briga de banco e agências credoras, consumidores da 123milhas têm cada vez menos chances de reaver prejuízo
A empresa entrou com um pedido de Recuperação Judicial mais para ganhar tempo para definir uma estratégia para precificar o único ativo que possui, as milhas.
A suspensão pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) da Recuperação Judicial da 123milhas, a pedido do Banco do Brasil - maior credor da empresa - alegando que ela não apresentou os documentos exigidos pela Lei da Recuperação Judicial e até mesmo uma lista confiável de credores na petição inicial, mostra que as chances das pessoas que acreditaram na empresa e compraram seus pacotes de viagens é próxima de zero.
Porque aos bancos e grandes credores interessa que a falência da empresa seja decretada rapidamente e encerradas suas atividades de modo que bancos e grandes empresas credoras possam apropriar o prejuízo no balanço de 2023 e seguir em frente.
Para quem ainda tem alguma experiência de reaver, ao menos parte, do dinheiro é importante saber que, a despeito de declarações de dirigentes do Procons de vários estados, os credores individuais têm chance mínimas porque na frente deles está a ação de empresas através de advogados que procuram não receber o débito, mas resolver a questão rapidamente.
É que um processo de recuperação judicial leva anos e as empresas precisam carregar essa possibilidade nos seus balanços até que o gestor indicado dê sua missão por completada.
Em empresas que têm patrimônio, os seus proprietários têm outros negócios que possam ser relacionados e a seguir vendidos, a perspectiva de ao menos receber parte do crédito leva as empresas a apostar no administrador.
Se um supermercado, um rede de varejo ou uma indústria pede uma RJ a primeira coisa que o juiz da causa procura saber é o que a empresa tem que possa ajudá-la a sobreviver.
Bancos, instituições financeiras em geral e outras empresas autorizadas no segmento financeiro não se submetem a regimes de recuperação, nem à aplicação imediata de regimes falimentares. Eles estão sujeitos a regimes especiais de intervenção ou liquidação, incluindo o Regime de Administração Especial Temporária (RAET).
Um bom exemplo disso é a Lojas Americanas que está em recuperação judicial, mas além de marca forte tem uma rede de lojas, capacidade de ficar no mercado e patrimônio. É esse ativos que faz os bancos apostarem alto na sua recuperação. Até porque a empresa é um gigante do varejo e do e-commerce.
Esse não é o caso da 123milhas. A empresa entrou com um pedido de Recuperação Judicial mais para ganhar tempo para definir uma estratégia para precificar o único ativo que possui: um banco de milhas aéreas que comprou milhões de associados a Clubes de Fidelidade, especialmente das empresas aéreas.
A empresa não disse no seu pedido qual o tamanho desse ativo. Se é verdade que a 123milhas tem uma dívida de R$2,31 bilhões, os credores das companhias têm chances muito pequenas de receber os valores repassados à empresa nos últimos meses.
Isso porque, segundo uma cotação média de quanto o mercado paga por uma milha (R$0,021), a companhia precisará ter nos seus arquivos a quantia de quase 110 bilhões (109.047.619.047,61) de milhas para poder quitar suas dívidas.
Para completar, quando afirma que tem débitos de R$2,31 bilhões disse indiretamente que precisaria de astronômicos 110 bilhões de milhas para serem vendidas gerando caixa para pagar os credores.
Rigorosamente ninguém no setor acha que a 123milhas tem, sequer, 10% disso. Para completar, a empresa ainda sofre de um outro problema: os vencimentos das milhas em sua contabilidade.
Isso é um problema. Quando uma milha vence ela pode ser recuperada se o seu proprietário pagar a aérea, em média, R$0,05 por ela.
Por exemplo, uma pessoa que tenha 4,000 milhas vencidas numa empresa como a Azul, teria que pagar em dinheiro R$200,00 por elas. Agora imagine o dinheiro necessário que a 123milhas precisaria para recuperar essas milhas e comprar as passagens que prometeu aos seus credores?
Os credores fizeram essa conta e o Banco do Brasil como outras empresas sabem que não existe como a 123milhas sair da crise e começaram a contestar a própria RJ.
Essa conversa é boa para as empresas credoras, mas é péssima para as pessoas físicas que acreditaram na 123milhas.
Primeiro, porque o tamanho de seu crédito é pequeno para contratar um advogado. Depois, mesmo que os Procons ajudassem a encaminhar ações coletivas de modo a que blocos de credores passem a ser representados numa eventual RJ, o patrimônio de milhas (o único ativo da 123milhas) não cobre o valor dos débitos.
Na verdade, o próprio tamanho da RJ com a empresa se declarando devedora de R$2,31 bilhões assustou o mercado do setor de turismo. Para que se tenha uma ideia, segundo o Ministério do Turismo todo o setor no Brasil faturou R$208 bilhões em 2022. O débito da empresa então corresponderia a 11,06% de todo o setor.
Tem mais: O débito revelado pela empresa corresponde a 14,47% dos R$15,9 bilhões de Receita Total da área Azul em 2022 que, aliás, foi recorde com um aumento de 40% em relação a 2019.
O que faz o mercado não apostar 10.000 milhas numa eventual Recuperação Judicial da 123milhas é a distância do que deve em relação ao seu patrimônio. Como se duvidasse do total de milhas que ela tem na sua contabilidade.
Outra coisa que chama a atenção é a pulverização dos seus credores. Dos R$2,31 bilhões que a empresa de viagens deve, o maior credor é o Banco do Brasil que emprestou a ela R$97,1 milhões.
Em setembro, o Instituto Brasileiro de Cidadania estimou em 700 mil o número de credores da 123 Milhas, a maioria deles formada por consumidores.
Em agosto de 2023, a 123 Milhas cancelou pacotes promocionais, vendidos antecipadamente sem uma data marcada. Os clientes não foram ressarcidos em dinheiro — eles receberam um voucher para usar em serviços da própria empresa, com o valor pago e a correção de 150% do CDI.
Uma semana depois, a companhia fez uma demissão em massa. Alguns trabalhadores se manifestaram no LinkedIn, dizendo que foram pegos de surpresa. A 123milhas confirmou o desligamento e disse que ele faz parte de um processo de reestruturação.
Ainda em agosto, a 123 Milhas entrou com um pedido de recuperação judicial, acompanhada por Art Viagens (nome oficial da Hotmilhas) e Novum (holding dona das duas).
Além do Banco do Brasil como principal credor da 123milhas (R$ 74,3 milhões) existe a dívida com sua coligada, a Maxmilhas (R$ 18,9 milhões), seguida da Europlus Viagens e Turismo (R$ 8,2 milhões), LDS Operadora Turística (R$ 7,4 milhões) e Flytour (R$ 7,3 milhões). Outros credores são o Sicoob (R$2,1 milhões), Bradesco (R$990 milhões) e Santander Brasil (R$500 mil).
Na última sexta-feira(22), a sua coligada Maxmilhas também entrou com um pedido de recuperação judicial declarando dívidas que somam R$226 milhões. Isso significa que a empresa que foi adquirida pela 123milhas no começo do ano quer deixar de pagar os credores, incluindo fornecedores, por um período que pode chegar a seis meses.
Ela declarou que ao menos 1.000 pessoas já ajuizaram ações contra ela.
Não deixa de ser uma ironia. Em janeiro, as duas empresas anunciaram a fusão das operações. Ambas as empresas são especializadas na venda on-line de passagens aéreas e serviços turísticos, utilizando a compra de milhas, vendidas pelos associados dos programas de fidelidade de empresas aéreas.
Na verdade, a 123milhas comprou a Maxmilhas. Ambas são de Belo Horizonte, protagonizaram, nos últimos anos, uma guerra de preços com players tradicionais do mercado de pacotes turísticos: ganharam espaço no segmento de consumidores de menor renda, majoritariamente da classe C. Agora, as duas estão juntas numa só crise.