Dívida do consumidor vira negócio financeiro que já domina ofertas de renegociação fora do Desenrola
A novidade é que no guarda chuva do programa, a operação que era apenas por sua conta e risco agora tem aval do governo.
No meio do negócio financeiro em que se transformou o programa Desenrola - que o presidente Lula pensou em apenas estimular um bom desconto para quem estava devendo na praça e poder voltar a comprar fiado - existe um personagem que entrou no processo, transformou o pacote de dívidas num ativo e agora está no centro do debate para da nova fase do programa que o Governo deseja renegociar R$ 160 bilhões em dívidas de brasileiros com renda até dois salários mínimos que atende pelo nome de securitizadoras.
Para quem nunca ouviu falar de securitizadora é importante dizer que se trata de uma instituição financeira que se propõe a ser responsável em transformar o que uma empresa tem de contas a receber em títulos negociáveis.
Ou seja, pega um monte de dívidas junta num título e sai procurando alguém que esteja disposto a comprar com a promessa de receber a dívida (geralmente dando um bom desconto) e rendendo uns bons juros.
Embora não se saiba exatamente quanto dos que o Governo pretende negociar esteja nas mãos das 709 empresas credoras habilitadas na plataforma do Desenrola Brasil, ou quanto elas estão dispostas a abater das dívidas para facilitar a renegociação, sabe-se que antes do governo anunciar o programa elas passaram a serem as maiores ofertadoras de proposta de renegociação no Serasa onde no mês passado colocaram a disposição dos devedores 45,83% das oportunidades de uma pessoa limpar seu nome.
A figura da securitizadora não fazia parte da plataforma do Serasa até agosto do ano passado quando quem se oferecia proposta de negociação eram os cartões de crédito (44,90%), empresas de telefonia (25,50%) empresas de luz, gás e água (11,00%) e empresas de varejo com 6%.
Em dezembro, quando o presidente Lula prometeu limpar o nome das pessoas a figura da securitizadora entrou na plataforma como dona de nada menos que 27,50% de todas as dívidas negociadas perdendo apenas para as empresas de telefonia (34,67%) e quase o dobro das administradoras de cartões de crédito (14,04%).
Essa presença como dona das maiores ofertas de renegociação faz sentido pois quanto mais elas negociam mais chances o investidor tem de recuperar sem dinheiro.
No mês passado, quando o Desenrola já estava valendo para os bancos, elas ofereceram 45,85% de todas as propostas de renegociação e fizeram 26.02% de todas as operações de limpa nome no Serasa. Os bancos que foram as primeiras instituições a participar do Desenrola só conseguiram renegociar 14,38% de tudo que foi repactuado.
Essa oferta de propostas pode aumentar com as novas regras do Desenrola porque elas poderão aumentar seus descontos e assim atrair mais pessoas para limpar o nome. A novidade é que no guarda chuva do programa, a operação que era apenas por sua conta e risco agora tem aval do governo.
O negócio de securitização atraiu os bancos para cuidar de um pacote de dívidas que eles vendiam para pequenas empresas de cobrança em média por 5% do valor de face do débito porque no balanço das instituições esses contratos eram de perda total.
Mas instituições como os bancos Itaú, Santander e Safra decidiram criar suas próprias empresas de securitização e ir atrás dessas contas. A Recovery é uma empresa do Grupo Itaú e plataforma especialista em recuperação de crédito no Brasil. Líder de mercado, a companhia possui sob sua gestão mais de R$140 bilhões de créditos inadimplidos sob sua gestão e, atualmente, mais de 34 milhões de clientes em sua base.
Para se ter uma ideia desse novo negócio, apenas no primeiro semestre de 2023 havia R$35 bilhões de crédito disponíveis para venda, contra R$32 bilhões no mesmo período do ano passado.
Esse novo negócio expandiu o mercado de ofertas de renegociação de dívidas, pois centenas de empresas que possuem carteiras de credores com débito passaram a vender essas contas ruins para as securitizadoras que são especializadas.
Esse movimento teve como conseqüência a redução drástica das ofertas de propostas de renegociação dos bancos e administradoras de cartão de crédito quem em agosto do ano passado lideram a procura de clientes para fazer algum tipo de renegociação com 48,20% e agora têm apenas 11,72% das ofertas e fizeram apenas 14,38% das renegociações.
Na verdade, todo esse movimento está a quilômetros da proposta de Lula que desejava apenas que quem estivesse devendo pudesse fazer um acordo, acerta uma prestação e pagar o débito.
Até porque quando assumiu 70 milhões de brasileiros devem R$320 bilhões em bancos, cartão de crédito, empresas de telefonia e nas securitizadoras. Em agosto último, o número subiu para R$ 71 milhões e o total da dívida subiu para R$ 355 bilhões.
Ou seja, os brasileiros continuam devendo muito, mas as securitizadoras descobriram que cobrar dívidas de quem está negativado é um bom negócio. Inclusive para os bancos.