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Dívida do consumidor vira negócio financeiro que já domina ofertas de renegociação fora do Desenrola

A novidade é que no guarda chuva do programa, a operação que era apenas por sua conta e risco agora tem aval do governo.

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Fernando Castilho

Publicado em 28/09/2023 às 16:30
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No meio do negócio financeiro em que se transformou o programa Desenrola - que o presidente Lula pensou em apenas estimular um bom desconto para quem estava devendo na praça e poder voltar a comprar fiado - existe um personagem que entrou no processo, transformou o pacote de dívidas num ativo e agora está no centro do debate para da nova fase do programa que o Governo deseja renegociar R$ 160 bilhões em dívidas de brasileiros com renda até dois salários mínimos que atende pelo nome de securitizadoras.

Para quem nunca ouviu falar de securitizadora é importante dizer que se trata de uma instituição financeira que se propõe a ser responsável em transformar o que uma empresa tem de contas a receber em títulos negociáveis.

Ou seja, pega um monte de dívidas junta num título e sai procurando alguém que esteja disposto a comprar com a promessa de receber a dívida (geralmente dando um bom desconto) e rendendo uns bons juros.

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Governo tenta fazer Desenrola chega a quem deve a empresas - DIVULGAÇÃO

Embora não se saiba exatamente quanto dos que o Governo pretende negociar esteja nas mãos das 709 empresas credoras habilitadas na plataforma do Desenrola Brasil, ou quanto elas estão dispostas a abater das dívidas para facilitar a renegociação, sabe-se que antes do governo anunciar o programa elas passaram a serem as maiores ofertadoras de proposta de renegociação no Serasa onde no mês passado colocaram a disposição dos devedores 45,83% das oportunidades de uma pessoa limpar seu nome.

A figura da securitizadora não fazia parte da plataforma do Serasa até agosto do ano passado quando quem se oferecia proposta de negociação eram os cartões de crédito (44,90%), empresas de telefonia (25,50%) empresas de luz, gás e água (11,00%) e empresas de varejo com 6%.

Em dezembro, quando o presidente Lula prometeu limpar o nome das pessoas a figura da securitizadora entrou na plataforma como dona de nada menos que 27,50% de todas as dívidas negociadas perdendo apenas para as empresas de telefonia (34,67%) e quase o dobro das administradoras de cartões de crédito (14,04%).

Essa presença como dona das maiores ofertas de renegociação faz sentido pois quanto mais elas negociam mais chances o investidor tem de recuperar sem dinheiro.

No mês passado, quando o Desenrola já estava valendo para os bancos, elas ofereceram 45,85% de todas as propostas de renegociação e fizeram 26.02% de todas as operações de limpa nome no Serasa. Os bancos que foram as primeiras instituições a participar do Desenrola só conseguiram renegociar 14,38% de tudo que foi repactuado.

Essa oferta de propostas pode aumentar com as novas regras do Desenrola porque elas poderão aumentar seus descontos e assim atrair mais pessoas para limpar o nome. A novidade é que no guarda chuva do programa, a operação que era apenas por sua conta e risco agora tem aval do governo.

O negócio de securitização atraiu os bancos para cuidar de um pacote de dívidas que eles vendiam para pequenas empresas de cobrança em média por 5% do valor de face do débito porque no balanço das instituições esses contratos eram de perda total.

Mas instituições como os bancos Itaú, Santander e Safra decidiram criar suas próprias empresas de securitização e ir atrás dessas contas. A Recovery é uma empresa do Grupo Itaú e plataforma especialista em recuperação de crédito no Brasil. Líder de mercado, a companhia possui sob sua gestão mais de R$140 bilhões de créditos inadimplidos sob sua gestão e, atualmente, mais de 34 milhões de clientes em sua base.

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Proposta de negociação com o Serasa - DIVULGAÇÃO

Para se ter uma ideia desse novo negócio, apenas no primeiro semestre de 2023 havia R$35 bilhões de crédito disponíveis para venda, contra R$32 bilhões no mesmo período do ano passado.

Esse novo negócio expandiu o mercado de ofertas de renegociação de dívidas, pois centenas de empresas que possuem carteiras de credores com débito passaram a vender essas contas ruins para as securitizadoras que são especializadas.

Esse movimento teve como conseqüência a redução drástica das ofertas de propostas de renegociação dos bancos e administradoras de cartão de crédito quem em agosto do ano passado lideram a procura de clientes para fazer algum tipo de renegociação com 48,20% e agora têm apenas 11,72% das ofertas e fizeram apenas 14,38% das renegociações.

Na verdade, todo esse movimento está a quilômetros da proposta de Lula que desejava apenas que quem estivesse devendo pudesse fazer um acordo, acerta uma prestação e pagar o débito.

Até porque quando assumiu 70 milhões de brasileiros devem R$320 bilhões em bancos, cartão de crédito, empresas de telefonia e nas securitizadoras. Em agosto último, o número subiu para R$ 71 milhões e o total da dívida subiu para R$ 355 bilhões.

Ou seja, os brasileiros continuam devendo muito, mas as securitizadoras descobriram que cobrar dívidas de quem está negativado é um bom negócio. Inclusive para os bancos.

 

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