Criada pela família Coelho, Codevasf foi apropriada pelo Centrão para distribuir verbas a prefeitos sem controle
Petrolina virou um complexo de produção que hoje vai de cana-açúcar e limão, acerola que teve ali sua maior pesquisa e evolução a uvas e manga.
Quando em 1974, o então presidente Ernesto Geisel, criou a Companhia do Vale do São Francisco (Codevasf) focada na bacia hidrográfica do Rio São Francisco, abrangendo 636 mil km² em 504 municípios, em seis estados: Alagoas, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco e Sergipe a proposta era uma espécie de upgrade no que já fazia o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, criado em 1909 pelo Presidente Nilo Peçanha como o primeiro órgão a estudar a problemática do semiárido.
E desde as articulações iniciais para transformar a Superintendência do Vale do São Francisco (Suvale) numa empresa que ficasse na pesquisa agrícola, na irrigação e na implantação do agronegócio da fruticultura, houve a presença marcante da família Coelho de Pernambuco descendente do então liderada pelo Coronel Clementino Coelho, o famoso Coronel Quelê, empresário de sucesso em vários negócios no sertão.
Os Coelhos de Petrolina fundaram assim, em meados do século XX, uma espécie de República Sertaneja cujo objetivo sempre foi a aposta no desenvolvimento regional com forte apoio do governo Federal que a família Coelho sempre apoiou cujo showroom era a Codevasf.
E ela sempre foi isso mesmo. Um showroom do que dá certo na agricultura moderna que ano passado exportou US$1 bilhão. Foi na Codevasf que foram testados e aplicados os melhores empreendimentos de sucesso no plantio de uva e manga espalhados a partir de Petrolina e Juazeiro onde a família Coelho exercia forte influência.
O ex-governador de Pernambuco e ex-presidente do Senado, Nilo Coelho tinha tanto prestígio que quando da construção da BR 428 pelo então DNER ele redefiniu o traçado para que margeiam as estradas próximas ao Rio São Francisco em lugar de um projeto em linha reta.
Os Coelhos sempre exerceram forte influência na Codevasf a ponto de não apenas indicar seus presidentes e dirigentes, mas de no Congresso alocar verbas para seu orçamento. Sob essa influência a empresa até os anos 2000 foi um bom exemplo do avanço da tecnologia de produção de alimentos com base na irrigação que hoje gerou uma ocupação de forte poder econômico.
Foram os Coelhos quem a partir de sua Petrolina implantaram um complexo de produção que hoje vai de cana-açúcar e limão, acerola que teve ali sua maior pesquisa e evolução a uvas e manga.
E sob a influência dos Coelhos toda a região adjacente a São Francisco o Nordeste virou a referência do agronegócio da fruticultura irrigada do Brasil.
Os problemas começaram quando começaram as articulações para ampliar o modelo de sucesso da Codevasf na bacia do Rio São Francisco para mais 18 rios, fazendo a abrangência da empresa ocupar um terço da área territorial do Brasil. E atuando em estados diferentes em relação aos biomas do Nordeste como o Amapá (no Norte) e o Tocantins (Centro Oeste).
Os objetivos de tal ampliação passaram literalmente a milhares de quilômetros entre o que a Codevasf faz no Semiárido e as demais regiões: tem a ver como se pode liberar verba para prefeito fazer asfalto e praça com a desculpa de ajudar na melhoria da logística de escoamento da produção.
E isso ficou mais forte quando o Centrão tomou o controle dos Coelhos para passar a gerenciar não apenas os gestores, mas destinar verbas para as prefeituras de 16 estados. O controle passou para Ciro Nogueira (PI) e Arthur Lira (AL).
Foi o começo da ocupação dos recursos direcionado para a Codevasf que deixou de ampliar suas áreas de irrigação para se concentrar na compra de tratores e motoniveladoras sempre em concessionárias instaladas em cidades dos estados cujos prefeitos têm ligações com líderes do Centrão.
Na verdade, a Codevasf virou um veículo para deputados indicarem verbas para seus prefeitos comprarem tratores e contratar serviço de restauração de estradas. No ano passado, as verbas da Codevasf contrataram mais quilômetros de asfaltamento que o DNIT, o órgão do Ministério dos Transportes a quem institucionalmente se reserva a missão de construir estradas.
A região ainda é um reduto dos Coelhos cujo maior líder é o ex-senador Fernando Bezerra Coelho (MDB), nome influente da política no sertão pernambucano.
Inicialmente, para se defender, as superintendências da Codevasf cuidavam apenas de repassar as verbas destinadas para as prefeituras através dela, numa espécie de tentativa de proteger de denúncias de corrupção que começaram a pulular na imprensa.
O que chama a atenção nas denúncias contra a Codevasf é o espetacular número de prefeitos que passaram a definir onde e em que vão gastar o dinheiro indicado pelos deputados e senadores. Há quase nenhuma preocupação com projetos de irrigação, contratação de serviços de tecnologia.
Em mais de 80% do dinheiro recebido pelos prefeitos vai para contratar asfalto de estradas municipais. Nesse caso porque eles próprios podem escolher as empresas que vão contratar. Isso motivou denúncias de contração de serviços de baixa qualidade pelos prefeitos.
A estatal informou que quando ela faz a contratação os serviços são cumpridos com rigor — em recente decisão, a Companhia sancionou empresa responsável por obras de pavimentação no Maranhão com multa e com a suspensão dos direitos de participar de licitação e de firmar contratos com a Instituição.
Em 2022 apenas em Pernambuco, a Codevasf atingiu a marca de 2 milhões de metros quadrados de pavimentação em municípios pernambucanos nos últimos três anos. Ao todo, 41 municípios foram beneficiados com essas obras ao longo desse período.
Entre as emendas RP-9, as chamadas emendas de relator ou Orçamento Secreto a Codevasf é disparada a preferida pelos prefeitos. Por isso não surpreende que venham acontecendo tantas denúncias de corrupção e desvios.
Quanto aos Coelhos, praticamente saíram do controle das superintendências da Codevasf. Até mesmo a de Petrolina teve os nomes indicados pelo PSB. Na verdade, eles foram cuidar de suas prefeituras e seus negócios. Ter nomes indicados por eles na Codevasf virou uma coisa tóxica e prejudicial ao passado que as famílias construíram ao longo dos anos.
Esta semana a Codevasf voltou ao noticiário com as denúncias de distribuição de caixas d’água com critérios políticos. Uma dessas denúncias é contra a atuação do deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil), um dos líderes do Centrão, em Campo Formoso, que transformou a cidade de é um fenômeno na relação com a Codevasf, estatal que vem sendo utilizada como uma espécie de "loja de políticos" nos governos Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT). As denúncias são do jornal Folha de São Paulo.
Segundo a reportagem, recursos destinados à Codevasf usados na compra de equipamentos são muitas vezes enviados a cidades menos necessitadas, enquanto outras, sem padrinhos políticos fortes, acabam ignoradas. Há até lugares com estoque de caixas-d'água compradas pelo governo federal, muitas delas já deterioradas, sob denúncia de que se trata de reserva para o período eleitoral.
Em nota a Codevasf, informou que duas investigações para apurar se houve uso político na entregas de caixas-d'água nas superintendências de Petrolina (PE) e de Juazeiro (BA). Uma ironia já que antes do controle do Centrão, a estatal entrava no noticiário pela contratação de serviços e equipamentos para grandes projetos de irrigação bem longe de itens sem ligação com serviços de asfalto ou caixas d'água.