Novos saques do caixa do FGTS ameaçam desempenho do setor da construção imobiliária em 2025
Desde que foi criado, em 2020, até 1º de setembro de 2023, cerca de 17 milhões de trabalhadores contrataram mais de R$112,3 bilhões em empréstimos para antecipação do saque-aniversário do FGTS.
Na apresentação dos resultados de 2023 da Caixa Econômica Federal chamou atenção um alerta do presidente da instituição, Carlos Vieira sobre a necessidade de uma discussão sobre o financiamento imobiliário com recursos da poupança (SBPE). “Para 2024 o orçamento está resolvido, mas vamos ter problemas a partir de 2025. Vamos ter que abordar essa discussão”, comentou.
Carlos Vieira é um velho executivo do setor e sabe o que está falando. De forma educada ele está dizendo que, ou o governo dá uma parada geral na liberação especial de recursos do FGTS, ou a partir de 2025 o fundo criado para financiar a habitação do trabalhador de carteira assinada não vai poder cumprir sua missão principal que é, além de garantir uma indenização do trabalhador quando ele é demitido sem justa causa financiar sua casa própria.
Sempre sob ataque
O que ele está dizendo é que o velho e bom FGTS está ficando sem ativos líquidos para financiar mais imóveis. Porque desde o começo do governo Bolsonaro está sob ataque para a liberação dem cada vez maism recursos com os mais diversos argumentos. Muitos deles desonestos socialmente.
Pouca gente sabe, mas tradicionalmente os recursos dos Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) tinham saque em quatro grande eixos: o saque por demissão por justa causa que ao longo de décadas se situou na faixa de 60% como aconteceu até 2019; financiamento à habitação, que em 2019 foi de 16,34%; aposentadoria do trabalhador na faixa de 13% e outros saques que, no máximo, chegavam a 9% por ano.
Paulo Guedes
Na gestão de Paulo Guedes no ministério da Economia, começou um movimento de liberação de verbas do FGTS com argumentos discutíveis de que a liberação de dinheiro do FGTS ao trabalhador ajudaria a economia. Guedes, aliás, precisou ser contido pelo Congresso depois que anunciou o desejo de propor uma liberação de até 35% dos recursos totais do FGTS diretamente aos trabalhadores para que buscassem uma maior remuneração dos seus depósitos.
A Câmara se encarregou de fazê-lo abortar da estupidez que de um dia para outro permitiria sacar R$120 bilhões do saldo do fundo o que inviabilizaria sua manutenção. Embora, se perpetrado, o toda liquidez do fundo sairia direto para o sistema financeiro.
Estratégia de saques
O problema é que Paulo Guedes não desistiu. Ele começou a autorizar novas modalidades de saques como saque aniversário, que em 2021 já foi responsável por 15% dos depósitos, superando os saques por aposentadoria (6%).
Em 2022, ele voltou ao ataque e permitiu saques extraordinários na tentativa de melhorar o desempenho eleitoral do então candidato à reeleição Jair Bolsonaro. Com isso ele retirou do fundo nada menos que 19,5% sem que isso tivesse sido discutido com os setores esconomicos e sem que isso ajudasse ao setor da construção civil imobiliária.
O percentual de 19,5% quer dizer a liberação de aproximadamente R$30 bilhões dos saldos do FGTS que não ajudaram a financiar um único imóvel no Brasil. Foi tudo para o consumo.
Mais de rescisão
O resultado disso é que quando se soma as liberações dos saques aniversário (17,3%) com extraordinário (19,5%) se observa que se liberou mais dinheiro para as duas modalidades do que para o financiamento habitacional (12,7%) . E até mais que o motivo de criaçao do FGTS que é a liberação dos saldos para quem é demitido sem justa causa. Em 2022 ele ficou em 33,3%. Os números de 2023 do balanço do FGTS ainda não foram divulgados, mas eles não serão menores.
Isso explica as preocupações do presidente da Caixa, Carlos Vieira. Se o Governo Lula não se travar a liberação de saques fora das modalidades, o FGTS vai deixar de ter dinheiro para financiar habitação.
O problema do saque aniversário que ao ser lançado em 2020 custou 7,6% das liberações é que os bancos o transformaram num recebível de saque imediato.
Novo recebível
Em 2023, as contratações de crédito para antecipação do saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) disparou nos bancos. O volume total de empréstimos até o início de setembro superou em R$3 bilhões o volume de crédito de todo o ano de 2022. Também em 2022, o total de recursos foi de R$46,8 bilhões, e, até setembro de 2023 atingiu R$49,6 bilhões.
E desde que foi criado, em 2020, até 1º de setembro de 2023, cerca de 17 milhões de trabalhadores contrataram mais de R$112,3 bilhões em empréstimos para antecipação do saque-aniversário do FGTS. Na prática, quase metade dos 32,7 milhões que optaram pela modalidade de retirada anual de parte do fundo antecipou recursos via crédito.
A consequencia desses saques é que o dinheiro agora está fazendo falta para financiar a habitação. E quando o governo Lula começou a falar em extingui-lo a modalidade começaram a surgir notas como as associações ABCB, AB Fintechs, Abranet defendem que quanto mais opções existirem para os trabalhadores e mercado, melhor para os beneficiários e mais competitividade existirá. Elas dizem que 57% da utilização do saque são para o pagamento de dívidas em atraso, seguido de 32% para pagamento de contas.
Como crédito pessoal
A ABBC - Associação Brasileira de Bancos acredita que o Saque-Aniversário do FGTS e, consequentemente, as operações de antecipação desses direitos têm sido uma ferramenta importante para gerenciar as urgências financeiras dos trabalhadores. Como se o patrimônio do FGTS fosse funding de financeira no crédito pessoal.
O problema é que trabalhadores que optam pelo saque-aniversário ficam impedidos de fazer o resgate do valor integral do Fundo em caso de demissão sem justa causa, recebendo apenas a multa de 40% sobre o valor depositado pela empresa no período trabalhado. Ou seja: ele troca uma remuneração de 3% ao ano por uma taxa de juros da antecipação do saque-aniversário de 1,79% ao mês.
Mas o que aconteceue é o saque aniversário virou um bom negócio para o setor bancario já que a taxa de risco é próxima de zero devido às autorizações que o trabalhador dá ao banco quando faz a antecipação. O ruim desse quadro é que em 2025 o saldo em caixa do FGTS dificilmente vai atender as demandas do setor da construção civil. Tornando real a velha maxima que de onde se tira sem se por nada, um dia não se terá mais o que tirar.