Briga de celebridades nas redes sociais impede extinção de imposto de terrenos de marinha
Com a briga de Neymar Junior e Luana Piovani o debate sobre o fim do imposto em terreno de marinha está suspenso e proprietários continuaram a pagar 2% sobre o valor do terreno
No país cada vez mais polarizado, até projeto de extinção de imposto criado no tempo do Império acaba se inviabilizando quando celebridades brigam nas redes sociais misturando leitura apressada com posições ideológicas igualmente absurdas e sem qualquer consistência teórica.
Isso aconteceu com um projeto que, certamente, tem apoio de toda a sociedade relacionada à extinção do imposto sobre terrenos de marinha. Ele foi criado quando D. Pedro II decidiu arrecadar mais cobrando um tributo com bases no movimento das marés.
Mas a proposta foi invalidada na noite desta segunda feira (3) quando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, decidiu colocar no freezer o projeto da PEC 3/2022 depois de um debate absurdo entre o jogador Neymar Junior e a atriz Luana Piovani.
O debate entre as celebridades relacionou o projeto a um empreendimento imobiliário entre Pernambuco e Alagoas do qual o jogador é sócio e promoter.
Ideia de José Chaves
Foi assim. Em 2011, o deputado José Chaves(PTB-PE), empresário oriundo do setor da construção civil, se juntou a Jordy (PPS-PA) e Zoinho (PR-RJ) e, juntos, propuseram o fim do imposto sobre terrenos de marinha, que tem uma regra baseada na linha da preamar médio de 1831.
Essa linha serve de ponto de partida para a demarcação dos terrenos marinhos e é definida pela área inundada pela maré alta.
O projeto ficou dormindo e nunca foi analisado até que em 2011 virou uma PEC 39/2011 que evoluiu para a PEC 03/2022 que não apenas incorporou a proposta como incluiu uma série de artigos em que a União não apenas repassa os terrenos a estados, municípios e a terceiros, como prevê indenização pelas benfeitorias e permite o seu uso e ocupação.
Aí começaram os problemas. A Câmara Federal aprovou um substitutivo aprovado em dois turnos em fevereiro de 2022, do deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), que determinou que União ficará apenas com as áreas não ocupadas, aquelas abrangidas por unidades ambientais federais e as utilizadas pelo serviço público federal, inclusive para uso de concessionárias e permissionárias, como para instalações portuárias, conservação do patrimônio histórico e cultural, entre outras.
Tudo ia bem até que a PEC 39/2022 virou a PEC 3/2022 e teve como relator o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que atendeu ao pedido de uma uma audiência pública já que enfrenta resistência da base governista.
E começou a confusão. A PEC começou a ser chamada de “PEC das privatização das praias”. Não adiantou muito o relator Flávio e o senador Esperidião Amin (PP-SC) criticarem o entendimento de que a PEC poderia privatizar as praias e permitir seu cerceamento. Na audiência pública, ficou a imagem de que o texto prejudicava o acesso de imóveis adjacentes às praias.
Foi aí que o jogador Neymar Júnior entrou no debate como Pilatos entrou no Credo.
Nas suas redes sociais, ele postou: "Estou junto com a DUE na criação da 'rota Due caribe brasileiro'. Vamos transformar o litoral nordestino e trazer muito desenvolvimento social e econômico para a região. Em breve, mais novidades".
Neymar entrou no debate
O projeto da DUE prevê 28 empreendimentos imobiliários nas praias de Porto de Galinhas e Carneiros, em Pernambuco, e de Maragogi, Antunes e Japaratinga, em Alagoas.
O valor geral de venda (VGV) estimado desses empreendimentos é de aproximadamente R$7,5 bilhões. Neymar é um dos empreendedores e sua função era usar sua força com milhões de seguidores para catapultar as vendas.
Só que o jogador não contava com uma crítica da atriz Luana Piovani, que compartilhou outro post da comunicadora socioambiental Laila Zaidem em sua conta no Instagram com um desabafo: "Meu sonho é que meus filhos esqueçam Neymar. Imagina se isso é ídolo?", escreveu Piovani.
Neymar comprou a briga. “Acho que abriram as portas do hospício e soltaram uma louca que não solta o meu nome da boca... Quem trabalha no hospício em que ela tava, por favor vai atrás dela porque está complicado. Acho que ela está querendo alguma coisa comigo, não é possível. Não tira meu nome da boca, incrível", disse o jogador.
A resposta de Neymar escalou o debate e o resultado mostra como o debate na internet está difícil.
O projeto da DUE está aprovado pelas leis atuais, vai pagar o imposto por estar em terreno de marinha e não tem nada a ver com o projeto em debate no Congresso.
O governo se encarregou de pressionar e capturar popularidade. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, já afirmou que o governo é contra a proposta e vai trabalhar para suprimir esse trecho no projeto que tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. “Do jeito que está a proposta, o governo é contrário a ela”, disse.
Talvez sem Neymar e Piovani, o governo trabalhasse para que ele ficasse apenas com a extinção do imposto. Mas isso agora ficou difícil. Como a audiência escalou e terminou por levar o presidente do Senado Rodrigo Pacheco a dizer que não pretende votá-lo e que ele não é prioridade.
Na prática, isso é ruim, pois o projeto é uma oportunidade de o Brasil acabar com um imposto criado em 1831 que não tem peso na arrecadação federal, mas que trava o mercado imobiliário.
Imposto vai continuar
O imóvel que fica em um terreno da Marinha precisa pagar a taxa de ocupação (de 2% ou 5% do valor do terreno, dependendo do ano em que foi feita a inscrição do imóvel) ou o foro (0,6% do valor do terreno). Se o terreno pertence 100% à União, é cobrada a taxa de ocupação.
Como agora ele vai ficar parado por força do debate entre Neymar e Piovani, o setor imobiliário perdeu a chance de extinguir uma dessas aberrações tributárias desde o século XIX relacionado ao chamado período Regencial.
O Período Regencial teve início após D. Pedro I abdicar do trono brasileiro em 1831. Como o filho dele não poderia assumir o trono por ter apenas 5 anos, foi feita uma transição em que o país foi governado por regentes, especialmente José Bonifácio, que foi quem criou o tal terreno de marinha.