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BC não tinha outra decisão senão de manter a taxa da Selic. Até para dizer ao mercado (e não a Lula) que a instituição "tem diretoria"

Ás vezes um presidente ou um colegiado é obrigado a tomar posições conservadoras quando dias antes é confrontado com uma pressão que o põe na parede.

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Fernando Castilho

Publicado em 19/06/2024 às 20:00 | Atualizado em 19/06/2024 às 22:27
Notícia

Ben Bradlee - que foi diretor do jornal The Washington Post e responsável pela investigação do “caso Watergate” - contava uma história que quando era repórter da Casa Branca soube que o presidente Dwight Eisenhower iria demitir o todo poderoso do FBI, Edgar Hoover que ficou no cargo de 1935 a 1972.

Checada informação publicou a notícia. O presidente voltou atrás e manteve Hoover na cargo. Desde então, todas as vezes que Eisenhower - que governou o país até 1961 - encontrava com Bradlee dizia: Ele ainda está lá por sua culpa.

A história serve para mostrar que às vezes um presidente ou um colegiado é obrigado a tomar posições conservadoras quando dias antes é confrontado com uma pressão que o põe na parede. Funciona como um gatilho. Não se muda nada, apenas para dizer que não se aceita pressões externas.

O gesto do presidente Lula, na sua entrevista à CBN quando, para fugir da pressão por cortes de gastos preferiu sair das cordas atacando Roberto Campos Neto, acabou obrigando o colegiado de nove diretores votar pela unanimidade na manutenção da taxa de Selic em 10,5%. Essencialmente para dizer ao presidente e ao estridente PT que o presidente pode muito mas não pode tudo.

E ainda que, certamente, na nota sobre a reunião a ata do Copom explique didaticamente por que não reduziu as taxas, o colegiado não tinha outra alternativa senão manter a taxa básica de juros (Selic) em 10,50% ao ano, após sete cortes consecutivos iniciados em agosto do ano passado, quando a taxa estava em 13,75%.

E isso vai muito além do que simplesmente bater de frente com o presidente, ou demonstrar solidariedade a Roberto Campos Neto.

Porque se, por exemplo, voltasse a subir a taxa caracterizaria um confronto direto com o chefe do Executivo dando a Lula todos os argumentos que ele precisa para acusar apenas Campos Neto, mas toda a diretoria para a qual ela já nomeou quatro diretores.

Da mesma forma que se reduzisse a taxa passaria a mensagem de que cedeu às pressões de Lula que na tarde de ontem (enquanto o BC estava reunidos em Brasília) provocou o maior movimento de jatos da FAB na rota Brasília - Rio para que todos os ministros fosse beijar a mão de Magda Chambriard que tomou posse nesta quarta (19), como presidente da Petrobras. Dando,aí sim, uma demonstração de que na Petrobras ele manda.

O problema do BC é que o presidente tem mandato garantido. E não está obrigado a ceder às pressões e atender ordens da presidente.

Como a que Dilma Rousseff, em 2011, deu a Alexandre Tombini que estava presidindo o BC iniciou um ciclo de corte de juros, que culminou com a taxa mais baixa já registrada no Brasil, de 7,25% ao ano. Dilma, como se sabe, é a responsável pelo maior desastre da história econômica recente do Brasil.

Com a autonomia do cargo, o presidente do BC, o presidente da República pode reclamar, gritar, colocar sua tropa na rua para criticar o presidente Roberto Campos Neto.

Mas a decisão do BC traz o mesmo postulado da pule do Jogo do Bicho que diz que “Vale o que está escrito”. E até hoje, a pule do Jogo do Bicho ainda é o documento de maior credibilidade do Brasil.

Mas e o que disse o BC que votou por unanimidade? Que a “A política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em patamar que consolide não apenas o processo de desinflação, como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”.

E que “diante de um processo de desinflação mais lento, da desancoragem das expectativas e do cenário global desafiador, é necessário ter serenidade e moderação na condução da política monetária.”
Pronto, está tomada a decisão, com distribuição de uma versão em inglês como vem acontecendo desde a instituição do Real em 1994 quando o Copom foi criado e que não é lida aqui, mas tem forte interesse fora do Brasil pelos investidores que a leem com atenção.

E ainda ajudou o diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, que é considerado o favorito para ser indicado pelo presidente Lula para substituir o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, a ficar mais à vontade para votar pela manutenção da taxa básica. Até porque se dizia que as posições dele mostravam como deve atuar o BC a partir do ano que vem se ele vier mesmo a ser nomeado.

E estamos vivendo um momento de disparada do dólar, que tem impactos inflacionários, e do aumento dos riscos fiscais, especialmente após a mudança da meta de 2025 e principalmente pela ausência até o momento de medidas concretas de corte de gastos.

E porque a inflação corrente medida pelo IPCA medido pelo IBGE subiu de 3,69% em 12 meses até abril para 3,93% no período encerrado em maio, contra uma meta de 3,0% neste e nos próximos anos.

Portanto, ainda que o Copom tenha uma série de textos para justificar a decisão. Mas entre os diretores a frase endereçada a Lula é a mesma de Eisenhower a Ben Bradlee, por ter antecipado a demissão de Edgar Hoover quando o decreto não estava assinado: A taxa Selic não baixou por sua causa.

E manda ainda um recado ao presidente. Lula, para elevar a importância de Campos Neto. Ele sai do cargo em dezembro e será você quem vai indicar o substituto.

 

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