Evento que se consolida já na segunda edição, com maior estrutura e apoios institucionais e financeiros de porte, A Feira do Livro começa hoje em São Paulo. Promovida pela Associação Quatro Cinco Um, de Paulo Werneck, que publica a revista de mesmo nome, e pela Maré Produções, de Álvaro Razuk, o evento traz este ano 144 expositores, que ocupam quase uma centena de tendas e mais de vinte bancadas, na Praça Charles Miller, em frente ao estádio Pacaembu, um dos pontos turísticos mais conhecidos da capital paulista, que também abriga o Museu do Futebol.
Com a presença de livrarias e editoras que não participaram no ano passado, A Feira do Livro expande a diversidade oferecida ao público, com o atrativo da realização em espaço aberto, a exemplo das feiras de Lisboa e Madri, na Europa, e de Porto Alegre, no Brasil. O modelo não é novidade, mas agrega ao cotidiano da maior cidade da América Latina uma oportunidade para a convivência entre os livros, reunindo leitores, autores e editores, ao ar livre, num grande evento que inclui debates, oficinas e sessões de autógrafos, além de programação voltada para as crianças.
Em entrevista ao JC, Paulo Werneck e Álvaro Razuk, que compartilham a concepção e a direção geral da feira, falaram sobre a origem do projeto, as mudanças para este ano, e a expectativa para a presença dos leitores. De acordo com Paulo Werneck, trata-se de uma proposta de intervenção urbana, numa cidade devota do automóvel, como São Paulo. “Durante alguns dias, os carros são retirados, e se colocam os livros”, diz ele. “Pensamos que a feira deveria ser na rua porque, aqui, o espaço público é reduzido. É uma cidade desenhada para privilegiar o transporte de veículos”, complementa o arquiteto Álvaro Razuk, especialista em projetos de exposições, responsável por “Amazônia” de Sebastião Salgado, entre outras.
Paulo Werneck trabalhou na Festa Literária Internacional de Paraty, no Rio de Janeiro, e fundou a revista Quatro Cinco Um. A ideia de uma feira relacionada à publicação vem desde a sua criação, e tomou corpo com o fim da pandemia de Covid. Na primeira edição, em 2022, Werneck lembra a união dos editores, autores e parceiros em torno da feira, que se tornou viável em um esquema de mutirão. “Talvez pelo caráter gratuito, e de ser de rua, parecia que todo mundo queria que aquilo existisse. Houve um sentimento de realização coletiva, todos com brilho nos olhos”, recorda. Para Álvaro Razuk, uma das razões para a grande aceitação da feira, no ano passado é que aquele lugar é o que se chama de recinto arquitetônico. “Um lugar abrigado: a fachada do prédio e os dois taludes laterais. Isso faz com que as pessoas se sintam protegidas. É uma qualidade daquele lugar”, afirma Razuk, em relação à Praça Charles Miller, em conjunto com o Estádio do Pacaembu.
Em 2023, apoios institucionais como da Prefeitura de São Paulo conferem maior visibilidade à iniciativa, que pode se tornar, adiante, parte do calendário da cidade, como outros eventos culturais. Com a Lei Rouanet, a programação de autores pôde ser expandida, e a realização ganhou mais profissionalização. Sem a cobrança de ingressos, como na primeira edição, A Feira do Livro se apresenta como um projeto cultural para a cidade. “Ocupamos o espaço, a mídia e as conversas com o assunto livro”, pontua Paulo Werneck. E ressalta que se trata de um festival do Brasil, embora seja em São Paulo. “Tem uma dimensão local, e uma nacional. Como o Carnaval do Recife, que é um evento brasileiro que acontece no Recife”.
O desenho para a ocupação do lugar mudou, em comparação com o do ano passado, porque mudaram as demandas, segundo o arquiteto Álvaro Razuk. “Mas continuamos fazendo a leitura do lugar. Se a feira fosse no Vale do Anhagabaú, seria diferente, porque lá não tem escala para um evento como esse”, compara Razuk. Este ano, por causa do aumento de expositores, o formato é radial. Conjuntos de seis tendas, todos abrindo para grande taba, grande ágora, configurando o desenho central da praça. “A razão principal é que quem está dentro da feira consegue fazer a leitura de todas as ruas. Numa visada você sabe o que está acontecendo nas ruas vicinais. É um urbanismo que incorpora a possibilidade da leitura do espaço como um todo”, explica o arquiteto.
Por ser um evento na rua, “você tem tudo a favor e contra”, brinca Álvaro Razuk. “Desenhar isso no chão é um trabalho, porque se trata de uma área enorme. Não é um ambiente controlado. Por outro lado, é um ambiente de grande qualidade urbanística. No fim das contas, é muito bom estar ali”. Ele prevê um problema, em breve: a feira deve crescer, e essa percepção envolve até os visitantes. O princípio de ocupação do espaço público, com programação gratuita, será mantido. “Acho uma alegria trabalhar na rua, principalmente numa cidade como São Paulo. É trabalhoso, mas é divertido. E quando começa a montagem, a energia se renova”.
A tenda do palco da praça se manteve, sendo um pouco maior do que em 2022. O palco do auditório do Museu do Futebol, igualmente continua, como a parceria com o equipamento cultural que recebe visitantes o ano inteiro. Lá está parte da programação de conteúdo que se estende de manhã até a noite, até o domingo. Uma novidade é a área de gastronomia. Está situada em duas tendas antes da área da feira, e quem chega já vê onde estão os restaurantes. “A nova estrutura é um salto para atender melhor aos visitantes. Esperamos um público maior, porque a feira está mais conhecida”, avalia Álvaro Razuk, mencionando a boa repercussão do evento no ano passado.
O impacto econômico também é destacado. “Nos últimos anos, a atividade intelectual foi perseguida. As universidades, os artistas e as leis de incentivo foram demonizados. A gente precisa reafirmar que as atividades culturais movimentam uma quantidade expressiva de recursos. E que vai parar na ponta: no montador de feira, no revisor de livro, no tradutor, gente que vira a noite trabalhando”, realça Paulo Werneck, apontando a recente pesquisa do Itaú Cultural, segundo a qual a economia criativa no Brasil é maior do que a indústria automobilística. “Valorizar o livro como engrenagem da economia também é uma pauta nossa. O que muitas vezes é invisível. O revisor não é empregado formal, às vezes é um estudante, mas ali tem trabalho e dinheiro circulando”.
Os organizadores desejam que A Feira do Livro tenha uma atuação contínua ao longo do ano, e não apenas durante alguns dias na capital paulista. “Por que não a presença em outras cidades brasileiras? Seria um prazer levar a feira para cidades como o Recife, o Rio e outros lugares”, vislumbra Paulo Werneck. Sem problemas com os eventos que já existem, de acordo com ele. Porque o país é grande, a população é imensa. “Em São Paulo, por exemplo, sobra público. Temos uma oferta enorme de atividades culturais. Mesmo assim, um evento novo tem a adesão do público”.
O evento conta com a presença de editoras e autores de várias partes do Brasil, além de escritores de outros países. Nesse sentido, a ideia é cada vez ganhar mais diversidade. “Precisamos intensificar a relação editorial de São Paulo e Rio de Janeiro com outros estados. Pode melhorar muito. Com alternativas de logística, de divulgação, de eventos que tragam os livros de Pernambuco, da Bahia, para cá, e vice-versa. O mesmo com o Norte do país, que tem excelentes editoras, e vemos dificuldades para circular no Sudeste e no Sul”. Para Werneck, os eventos literários podem ser aproveitados para a criação de oportunidades de atuação em parceria.
É importante citar as empresas e instituições que viabilizam a segunda edição da Feira do Livro de São Paulo. A Feira do Livro 2023 é uma realização do Ministério da Cultura do Governo Federal, Associação Quatro Cinco Um e Maré Produções, com patrocínio do Itaú, da Suzano e do Uol. Com apoio do Instituto Ibirapitanga, Nescafé Gold e Livraria Dois Pontos. Apoio cultural do Museu do Futebol, instituição da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, da Allegra Pacaembu, da Associação Vaga-Lume e da BibliOn/SP Leituras. Apoio institucional do Sesc SP, Instituto Socioambiental, Embaixada da França no Brasil, Fundação Suíça para a Cultura Pro Helvetia América do Sul, Instituto Italiano de Cultura de São Paulo e Instituto Camões. Tem parceria de mídia da Folha de S.Paulo, Rádios e TV Cultura, revista piauí e jornal Rascunho.
Confira alguns destaques da programação:
Quarta-feira, 7/6
No Palco da Praça, às 19h, Davi Kopenawa Yanomami, o jornalista britânico Tom Philips, a antropóloga Hanna Limulja e o músico e jornalista Xavier Bartaburu participam da abertura da Feira do Livro 2023.
Quinta-feira, 8/6
No Palco da Praça, às 11h45, o suíço Max Lobe conversa com o francês Abdellah Taïa, dois destaques da nova geração literária em língua francesa.
Às 12h15, o historiador Luiz Antonio Simas e o crítico de arte Lorenzo Mammì fazem uma homenagem a Pelé, no Auditório Armando Nogueira.
Sexta-feira, 9/6
Na sexta-feira, às 10h, a autora italiana Ginevra Lamberti conversa no Palco da Praça com a mediação da jornalista Camila Appel sobre livros que nos ajudam a compreender a morte.
Prêmio Pulitzer e destaque da poesia norte-americana contemporânea, Jericho Brown se apresenta às 17h no Palco da Praça, em conversa com sua tradutora, a poeta Stephanie Borges.
Às 17h15 a historiadora Ynaê Lopes dos Santos aborda no Auditório Armando Nogueira o pensamento negro e o racismo no Brasil.
Sábado, 10/6
O sábado começa com uma convidada que reforça um importante eixo da programação de autores da Feira do Livro desde a primeira edição: a cultura indígena. A líder Txai Suruí conversa com o jornalista Bernardo Esteves no Palco da Praça, às 10h, sobre as perspectivas da população indígena brasileira.
Na mesa das 15h, Fernando Pessoa, um dos poetas mais amados da língua portuguesa, é o tema da conversa entre o biógrafo Richard Zenith e o também biógrafo Lira Neto, no Palco da Praça.
Às 17h15, no Auditório Armando Nogueira, os autores Fernando Romani Sales, Mariana Celano de Souza Amaral e Marina Slhessarenko Barreto falam sobre as estratégias de erosão democrática e como os governos autoritários são implantados no mundo.
Itamar Vieira Junior e Ana Maria Gonçalves, dois dos principais romancistas da atualidade, conversam com a jornalista Adriana Ferreira Silva na mesa que fecha o sábado, às 19h.
Domingo, 11/6
O último dia de atividades n’A Feira do Livro começa com a segunda mesa programada pela colunista Juliana Borges: a ensaísta Cida Bento e a pesquisadora e consultora de diversidade Winnie Bueno, às 10h no Palco da Praça.
Às 11h45, Milton Hatoum conversa no Palco da Praça sobre literatura, Amazônia e outros temas com Roberta Martinelli, estreando, ao vivo, o seu novo programa literário na Rádio Eldorado.
Às 13h30, três cantoras paulistanas fazem uma homenagem à Rita Lee no Palco da Praça.
Encerramento: A última mesa do dia, às 19h, recupera um momento marcante da Feira do Livro 2022: a foto Um Grande Dia em São Paulo, que é tema de um livro organizado pelas convidadas desta mesa, as escritoras Esmeralda Ribeiro, Natália Timerman, Paula Carvalho, e Giovana Madalosso que fará a mediação. As autoras organizam um “autografaço” do livro no domingo, em horário a ser divulgado.
Programação completa no site: www.quatrocincoum.com.br.
Veja a Live Livronews com Paulo Werneck no Instagram @livronewsnoinsta.
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