Histórias para todas as idades

No Recife para lançar "A velhinha e o porco", a escritora e narradora luso-brasileira Clara Haddad conta um pouco de sua trajetória em entrevista

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Cadastrado por

Fábio Lucas

Publicado em 26/01/2024 às 15:19
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Nascida em São Paulo, mas vivendo na cidade do Porto, em Portugal, há quase 20 anos, a narradora de histórias, escritora, editora e biblioterapeuta Clara Haddad está no Recife. Depois de participar, nesta sexta, da celebração do aniversário de 123 anos da Academia Pernambucana de Letras – APL – Clara Haddad faz no sábado o lançamento do livro “A velhinha e o porco”, em adaptação de clássico conto inglês. A obra é publicada pela Telos, e ilustrada pelo colombiano Harold Canizales.
Fundadora da Escola de Narração Itinerante, em Portugal, em 2006, Clara foi eleita em 2015 a melhor narradora em língua portuguesa na Europa. Editora independente com a Fábrica das Histórias, criou no ano passado a Confraria da Palavra, clube online de storytelling e literatura.
O evento de lançamento será na Livraria Jaqueira do Recife Antigo, neste sábado, a partir das 4 da tarde. Em entrevista à Literária, Clara Haddad conta um pouco de sua própria história, que ganha uma virada quando conhece a escritora pernambucana Lenice Gomes. E defende uma maior integração literária entre o Brasil e Portugal. “Autores incríveis de literatura infantil e juvenil, tanto brasileiros quanto portugueses, ainda não são amplamente reconhecidos em ambos os países. Há espaço para mais intercâmbio e descobertas literárias”.

Saiba mais sobre a escritora em www.clarahaddad.com


JC - Como a narração de histórias e a escrita de livros se juntam em sua trajetória?

Clara Haddad - Estão intimamente relacionadas. Mas a narração veio primeiro. Quando criança, ouvia minha avó contar histórias e cresci neste ambiente afetivo e acolhedor. Mais tarde, quando já estava formada em Artes Cênicas e trabalhando como atriz, produtora cultural, coreógrafa, numa viagem de trabalho vi um cartaz anunciando um encontro internacional de contadores de histórias, e aí tudo mudou! A emoção e a nostalgia das histórias tomaram conta de mim, voltei para casa com a ideia fixa que só iria contar histórias e deixei as outras atividades que fazia na época.

JC – Qual a participação da escritora Lenice Gomes nessa história?

Clara Haddad - A escrita estava muito presente na minha vida, mas nunca mostrava a ninguém, até que conheci pessoalmente a escritora Lenice Gomes. A partir daí, não parei mais de escrever e mostrar o que eu escrevia, sem medo. Sou muito grata a ela pelo olhar e generosidade. Sem isso, talvez, continuasse apenas com histórias escritas e guardadas dentro de cadernos esperando a “casa livro” para morar.

JC - Quais as principais características de uma boa narração de histórias? O narrador deve criar um estilo de contar?

Clara Haddad - Definitivamente, a autenticidade ao narrar é crucial. Ter uma marca pessoal faz toda a diferença. No entanto, ser um bom contador de histórias vai além de falar bem; é preciso desenvolver a escuta, a atenção aos outros e a si mesmo. A beleza da narração reside na diversidade de estilos pessoais, e é essencial ser um leitor do mundo, da vida e das pessoas para compartilhar histórias significativas.

JC - Com sua experiência em Portugal, qual sua avaliação do potencial de autores e demais profissionais brasileiros do mercado editorial por lá? O público é acolhedor?

Clara Haddad - Acredito que há ainda um caminho a percorrer numa maior integração literária entre Brasil e Portugal. Autores incríveis de literatura infantil e juvenil, tanto brasileiros quanto portugueses, ainda não são amplamente reconhecidos em ambos os países. Há espaço para mais intercâmbio e descobertas literárias, pois o público português é extraordinário e muito acolhedor.

JC - O que é a Confraria da Palavra? E como se encaixa no atual cenário de criação e circulação global da literatura e da narração de histórias?

Clara Haddad - A Confraria da Palavra foi uma ideia que surgiu durante a pandemia, mas só coloquei em prática no final do ano passado. É uma mentoria coletiva que auxilia narradores, artistas da palavra, mediadores de leitura a compreenderem sua “marca pessoal” para construir e promover seus trabalhos com coerência e cuidado. Além disso, a mentoria oferece espaço para troca de experiências entre os participantes, e atualizações sobre literatura infantil e técnicas de narração, alinhando-se ao cenário global da criação e circulação literária.

Divulgação
Capa do livro publicado pela Telos - Divulgação

 

JC - Seu novo livro trata de um tema nem sempre fácil, a solidão na velhice. Como surgiu a ideia de tratar do assunto? A leitura é para todas as idades?

Clara Haddad - Na minha infância, fui cativada pela história "The Old Woman and Her Pig" de Joseph Jacobs, parte de uma antiga coleção chamada "Mundo da Criança". A magia do conto acumulativo e sua sonoridade ficaram gravadas em mim. No verão de 2023, em Portugal, resgatei vários livros da minha infância para uma releitura nostálgica. Após me perder novamente naquelas páginas, senti a inspiração necessária para finalmente criar minha própria interpretação do conto que adorava na infância. Ao deixar minhas palavras fluírem, percebi que temas profundos emergiam naturalmente no texto. A reflexão sobre a solidão na velhice, o amor na terceira idade, a solidariedade e a empatia tornaram-se intrínsecos à trama. Apesar da seriedade desses temas, busquei manter a leveza e o humor característicos da minha escrita. Acredito que a literatura é para todas as idades, permitindo que cada leitor encontre sua própria interpretação e conexão com a história.

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