Mais de 80% do território do Recife é afetado por regras que inibem construção de apartamentos econômicos
Percentual diz respeito às áreas da cidade que possuem limitador considerado excessivo por construtores, restringindo empreendimentos como do MCMV
Altamente adensado e com pouca extensão territorial, o Recife virou uma cidade extremamente complexa quando o assunto é construção de empreendimentos residenciais econômicos, que garantam a remuneração necessária às empresas que os constroem e caibam no bolso da população que precisa e pode acessar moradias comercializadas a menores preços, como as integrantes do programa Minha Casa Minha Vida. Para além das questões geográficas da cidade, regras como o coeficiente de aproveitamento, gabarito para altura dos prédios, remembramento e desmembramento de lotes e exigências de recuos construtivos são pontos que têm afastado esses tipos de empreendimentos da capital pernambucana.
O descompasso entre essas regras urbanísticas da cidade tem gerado um escoamento das construções residenciais que poderiam atender boa parcela da população que atualmente está incluída no déficit habitacional, sobretudo em relação à questão qualitativa, quando se engloba também quem mora em casas com algum tipo de inadequação ou compromete mais de 30% de sua renda com o pagamento mensal de aluguel.
O novo Plano Diretor do Recife, conjunto de regras para regular aspectos estruturais, econômicos, sustentáveis e sociais da cidade ao longo de 10 anos, foi sancionado pela prefeitura no ano de 2020 (com atraso). Sua nova reformulação poderá ser revista em 2028, mas já tem suscitado debates por conta da possibilidade de atualizar alguns desses regramentos por meio da Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS).
“É fundamental que a nova LUOS não preserve os parâmetros previstos na Lei dos 12 bairros, sobretudo restrição de gabarito. Em São Paulo houve uma lei que criou um incentivo à habitação de interesse social (17.975/2023), expandindo o Coeficiente de Aproveitamento dos terrenos para empreendimentos de interesse social, facilitando o adensamento e permitindo às construtoras oferecer habitação acessível”, diz o presidente da Ademi-PE, Rafael Simões.
A Lei dos 12 Bairros limita o tamanho dos prédios em áreas como o Derby, Graças, Espinheiro, Aflitos, Jaqueira, parte da Tamarineira, Parnamirim, Santana, Casa Forte, Poço da Panela, Monteiro e Apipucos, respeitando os aspectos culturais e ambientais dessas regiões. Mas também tem sido vista como um fator impeditivo para a capacidade de lançamento de novos empreendimentos na cidade.
DÉFICIT HABITACIONAL E REGRAS DE OCUPAÇÃO
Não só nos 12 bairros, para os construtores, 80% do território recifense sofre com inadequações de legislações que poderiam ser revistas para ajudar a destravar a questão do déficit habitacional, sendo afetadas principalmente pela regulação do Coeficiente Construtivo. Dentro dessa grande fatia da cidade, outro apontamento são as chamadas Zonas de Desenvolvimento Sustentável (ZDS), que atualmente contemplam um coeficiente para construção de no máximo duas vezes o total da área do terreno, ou seja, limitam o aproveitamento dos terrenos, fazendo parte de 34,84% da cidade.
As Zonas de Desenvolvimento Sustentável correspondem aos territórios de influência ao redor dos rios que perpassam o espaço urbano do Recife. Por conta desse zoneamento, as construções precisam respeitar o limitador de edificações equivalente a duas vezes a área total do terreno. Isso significa empreendimentos de menor porte, que atendem menos pessoas e, na conta da construção, simbolizam alto custo e alto preço para o consumidor final.
As ZDS estão divididas entre Capibaribe, Beberibe, Centro e Tejipió, englobando áreas de bairros como Recife, Santo Amaro, Soledade, Coelhos, Cabanga, Boa Viagem, Barro, Várzea, Arruda, Campina do Barreto, Beberibe, Porto da Madeira, Fundão, Apipucos, Casa Forte, Macaxeira e tantos outros em todas as regiões da cidade. As duas maiores são a ZDS Tejipió, que engloba quase toda a Zona Sul, indo do Curado até o Aeroporto e áreas do antigo aeroclube e do bairro de Brasília Teimosa; e a ZDS Capibaribe, que contempla boa parte da Zona Norte, inclusive as regiões atendidas pela Lei dos 12 Bairros.
MUDANÇAS NA LEGISLAÇÃO
Diante dessas dificuldades, embora reconheça a importância dos instrumentos de preservação e ocupação da cidade, o setor construtivo alerta que é preciso aumentar o Coeficiente de aproveitamento nas regiões que mais têm vocação para receber unidades residenciais (onde há mobilidade urbana); reduzir as restrições de altura da cidade; acabar com recuo progressivo (que aumenta o recuo à medida que o prédio sobe em número de andares - impedindo construções em terrenos pequenos); ajustar a Taxa de solo Natural (mantendo-a abaixo de 25%) e possibilitar o maior parcelamento (remembramento/desmembramento) de locais que não se pode remembrar lote (impedimento padrão nas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), que ocupam 10% do território da cidade). Só assim, novos empreendimentos que atendam a população com renda intermediária poderão estar concentrados também dentro da capital pernambucana, não só em municípios que compõem a RMR.