Estradas não servem apenas para transportar cargas, garantir a conservação de veículos, evitar acidentes, viabilizar negócios, gerar desenvolvimento. Estrada é vida. Por elas passam sonhos, desilusões. Delas dependem muitos. A escola, a educação, o médico, o hospital, o lazer, a diversão, a qualidade de vida. Sem caminhos, não vamos, não seguimos, não voltamos, não reencontramos. Sem estradas, não construímos nem conquistamos. Foi a partir dessa concepção que o Jornal do Commercio saiu pelas estradas de Pernambuco para produzir o caderno especial e o especial multimídia
Descaminhos. Durante 22 dias percorreu o Estado, um dos menores do País em extensão territorial, mas o terceiro maior do Nordeste, com 98.311 quilômetros quadrados. Rodou 10 mil quilômetros, dos 12,5 mil que compõem a malha rodoviária pernambucana, a quarta maior do Nordeste. Pelas estradas, descobriu que são muitos os descaminhos de Pernambuco.
Encontrou um Estado de rodovias ruins, as federais e principalmente as estaduais. Um Pernambuco ainda sem inúmeras ligações, que em pleno século 21 deixa parte do seu povo isolado de tudo, dependendo exclusivamente da fé do nordestino, tão presente e conformadora no interior mais distante, exatamente aquele mais isolado, mais excluído. Que possui metade de sua malha viária ainda de terra. Comprovou que a culpa não é de um governo, de um prefeito, de um governador, mas de muitos e por muito, muito tempo. A missão do caderno especial foi mapear a malha rodoviária pernambucana, formada por 10 mil quilômetros de estradas estaduais (PEs), pavimentadas ou não, e 2,5 mil quilômetros de ligações federais (BRs). No percurso, o JC passou por 100 das 142 rodovias estaduais e 11 das 13 estradas federais existentes no Estado. Embora tenha andado em praticamente toda a malha rodoviária de Pernambuco,
Descaminhos não se propõe a ser uma reportagem sobre estradas. Mas sobre as estradas na vida das pessoas. Em seus sonhos, planos, desejos e medos. É um caderno sobre os efeitos e as consequências dos caminhos e descaminhos no dia a dia das pessoas.
O JC viu rodovias completamente abandonadas e uma malha viária na qual o poder público se faz grosseiramente ausente. Seja no cuidado, na fiscalização ou na segurança. Quase nenhum policiamento foi encontrado. Ao contrário, o sentimento de solidão domina o dia a dia daqueles que precisam ir e vir. Percorreu o Sertão, o Agreste, a Zona da Mata e o Litoral para encontrar histórias tristes de gente que vive excluída pela ausência de estradas e, consequentemente, de oportunidades na vida. Gente que não tem direito a um transporte decente, uma das consequências da deficiência ou inexistência das estradas. Pessoas que se ajudam mutuamente para poder ir e vir, acostumadas a ficar à beira da estrada, de dia ou à noite, sob sol forte ou chuva, à espera de um transporte. Transporte que quase sempre não possui qualidade, já que, sem estradas, o custo de manutenção aumenta muito e, sem fiscalização, o estímulo ao cumprimento das regras de trânsito inexiste. São veículos que mais parecem carcaças, caindo aos pedaços, sem qualquer segurança, conduzidos quase sempre por motoristas despreparados, sem habilitação e sem habilidade. E, para usá-los, o povo ainda precisa pagar tarifas altas.
A reportagem vivenciou a dificuldade de deslocamento. Andou com estudantes, jovens e também crianças pequenas, em caminhões pau-de-arara, em estradas de terra batida, por 20, 30, 40 quilômetros seguidos. Visitou comunidades completamente isoladas, cidades que há anos esperam a estrada chegar com a esperança de que dias melhores virão. Encontrou uma rodovia federal ainda de terra - algo inaceitável para tempos de Ipads e TVs smart - e passou por rodovias estaduais completamente destruídas, mas utilizadas diariamente como único caminho de muitos. Cruzou estradas da morte, repletas de cruzes para simbolizar as vidas perdidas em suas curvas. E encontrou estradas sem nada ou com muito pouco: desprovidas de acostamento, sinalização vertical e horizontal, com a vegetação invadindo, em muitos casos, quase metade da pista, e tomadas por animais abandonados, que matam e morrem em violentos acidentes. Diante desse cenário, percebeu que o pernambucano se acostumou a considerar apenas o pavimento para definir a qualidade de uma rodovia. E elas são muito mais do que isso.
Também passou por estradas boas, recentemente pavimentadas, que depois de concluídas alimentam sonhos e desejos de cidades inteiras. Estradas que, quando feitas, têm impacto econômico alto e trazem qualidade de vida para a população. No caminho encontrou ainda variados exemplos de até onde o descaso do poder público pode chegar, com obras iniciadas e abandonadas ou intermináveis. Algumas, alvos de investigação dos órgãos de controle, que tentam arrumar o desarrumado, evitar o desperdício do dinheiro público, mas pouco conseguem. E, no meio disso tudo, como sempre, o povo. Sempre ele, sofrido e desesperançado.
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