Uma eleição que mexe com todos na Região Metropolitana do Recife

Publicado em 09/09/2019 às 12:25 | Atualizado em 10/05/2020 às 17:24
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No próximo dia 22 e 23 de setembro acontece a eleição para presidência do Sindicato dos Rodoviários, a segunda após 33 anos de mandatos consecutivos de Patrício Magalhães. Fotos: Guga Matos/Acervo JC Imagem  

Uma eleição que mexe com todos. A escolha da nova diretoria do Sindicato dos Rodoviários de Pernambuco, entidade que representa os motoristas, cobradores e fiscais de ônibus da Região Metropolitana do Recife, diz respeito à população em geral. Principalmente àquelas pessoas que usam o transporte público por ônibus. Mas também as que andam de automóvel porque, quando a categoria protesta – pouco importa a razão –, a cidade ou parte dela para e todos sofrem. Quem está no conforto do carro também. Feche os olhos e relembre quantos protestos já não impactaram em sua rotina, estando ou não no ônibus. E por ser um sindicato extremamente poderoso – mexe diretamente com a vida de 1,8 milhão de passageiros diários e 15 mil profissionais – tem peso político e está, historicamente falando, contaminado pela política. Excluindo as greves oficiais da categoria, realizadas em sua grande maioria por questões salariais, os protestos realizados por rodoviários quase sempre tiveram conotação política. Retratavam a disputa de poder entre direção e oposição.

Tenho muito a comemorar. Em três das cinco convenções, elevamos o piso salarial da categoria em 28% e o tíquete em mais de 50%, que passou de R$ 188 para R$ 288. E não está em R$ 404 porque tivemos a judicialização em 2015 e 2016”, Benilson Custódio, atual presidente e candidato à reeleição

 

A política faz parte da vida do Sindicato dos Rodoviários, almejado e utilizado, muitas vezes, como trampolim político, principalmente para as eleições proporcionais (especialmente vereadores e deputados estaduais). Na semana passada, por exemplo, um protesto motivado pela disputa política entre rodoviários parou o Centro do Recife – o que é relativamente fácil e não exige muita força política, é preciso dizer. Basta colocar dois ônibus em cada uma das pistas da Ponte Duarte Coelho – ligação entre dois dos mais importantes corredores de ônibus da RMR: as Avenidas Conde da Boa Vista e Guararapes. A manifestação é mais um reflexo da disputa para eleger a nova direção do sindicato, prevista para acontecer nos próximos dias 22 e 23 de setembro. A briga interna já é tão grande que a eleição terá cinco chapas na disputa e está cercada de questionamentos. Foi parar, inclusive, no Ministério Público do Trabalho (MPT).

O MPT está atuando como mediador para que os cinco candidatos se entendam em relação à realização da eleição porque são muitas as divergências e acusações mútuas. Candidatos à presidência das chapas já foram impugnados e a confusão em volta do pleito prossegue. Por isso, não será surpresa se novos protestos acontecerem pela cidade. Nesta segunda-feira (9/9), por exemplo, uma nova audiência acontecerá mediada pelo MPT para garantir a lisura da eleição. De um lado, a atual gestão, tendo à frente Benilson Custódio, que passou cinco anos no poder e tem o mérito de vencer a hegemonia de Patrício Magalhães, que comandou a entidade por 33 anos ininterruptos, até ser derrotado e ficar em terceiro luga na disputa de 2014. Patrício Magalhães, inclusive, faleceu em novembro de 2016. Benilson Custódio é candidato à reeleição pela Chapa 1.

Nossa carta programa é a mesma que Benilson rasgou após ser eleito, em 2014. Somos contra a retirada dos cobradores, a dupla função de motoristas e defendemos que o sindicato seja um instrumento de luta da categoria e, não, um reduto de privilégios com altos salários", Aldo Lima, cabeça da Chapa 5

E tanta confusão não é à toa. Além de poder, quem comanda o Sindicato dos Rodoviários recebe um salário de aproximadamente R$ 16 mil – sete vezes o salário mais alto da categoria, que é o de motorista, atualmente de R$ 2.334. Além da remuneração que recebe como rodoviário. A informação foi repassada pelos candidatos das chapas concorrentes. Segundo eles, o estatuto da categoria prevê que a direção (presidente, secretário-geral e tesoureiro) recebam valores parecidos. Os demais integrantes da diretoria teriam direito a dois salários equivalentes ao mais alto da categoria.

Benilson Custódia, entretanto, contesta a informação e garante que recebe quatro vezes o salário mais alto da categoria, como também é previsto no estatuto quando não há recursos suficientes para pagar a primeira remuneração. “É pé no bucho e mão na cara”. A frase, dita por um rodoviário, resume bem o clima da atual eleição.

 

 

As chapas que disputam a presidência do Sindicato dos Rodoviários

Chapa 1 (Ação e Trabalho)

Intitulada Ação e Trabalho, a chapa tem como cabeça Benilson Custódio, o atual presidente do Sindicato dos Rodoviários. Para quem não sabe, Benilson era parceiro do seu maior opositor atualmente – Aldo Lima. Juntos, conseguiram, depois de duas tentativas, destituir Patrício Magalhães, que presidiu a entidade por 33 anos. Em 2014, Benilson foi eleito com mais de mil votos, tendo Aldo como aliado. Com o tempo, passaram a pensar diferente e a trocar acusações nos bastidores e publicamente. Benilson defende a continuidade da gestão por entender que ela é democrática e foi boa para a categoria. “Tenho muito a comemorar. Em três das cinco convenções, elevamos o piso salarial da categoria em 28% e o tíquete em mais de 50%, que passou de R$ 188 para R$ 288. E não está em R$ 404 porque tivemos a judicialização em 2015 e 2016.”, afirma Benilson Custódio.

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Acusado de ter deixado de ser combativo e ter se aliado ao setor empresarial, permitindo que a categoria acumulasse perdas como a retirada dos cobradores das linhas de ônibus e o acúmulo de função pelos motoristas, Benilson rebate e argumenta que os anos de crise do País exigiram uma gestão mais negociadora. “Depois da Reforma Trabalhista ficou muito difícil manter as greves e ser intransigente. A questão do acúmulo de função, por exemplo, condicionamos à aceitação do motorista. E, mesmo assim, conseguimos um reajuste de 35% no valor pago, que agora é de R$ 135”, rebate. Cita, ainda, o fato de cinco chapas diferentes estarem na disputa como prova da gestão democrática que esteve à frente.

Chapa 2 (Chapa da Mudança)

Roberto Carlos, candidato à presidência do Sindicato dos Rodoviários pela Chapa da Mudança, foi quem ficou em segundo lugar na eleição de 2014. Teve 709 votos contra 325 de Patrício Magalhães, terceiro colocado. Acredita que, por esses resultados, tem muitas chances de derrotar Benilson Custódio. “Se eu assumir, no outro dia acabo com essa história de retirar cobrador das linhas e de colocar motorista para atuar com dupla função. Estou otimista porque passei os últimos cinco anos trabalhando muito, principalmente na questão social dos rodoviários, como atendimentos médicos e capacitação”, relata.

Como Benilson não teve coragem de alterar o estatuto, ele é quem escolherá a comissão de eleição, irá lacrar a urna e dormir com ela para o segundo dia do pelito. Isso está correto? Como pode, se ele é candidato também? Já deveria estar afastado do sindicato. Por isso todo o processo foi parar no Ministério Público do Trabalho” Roberto Carlos, candidato da Chapa 2

A grande dificuldade, diz Roberto Carlos, será garantir a realização da eleição sem beneficiar o atual presidente e também candidato à reeleição. “Como Benilson não teve coragem de alterar o estatuto, ele é quem escolherá a comissão de eleição, irá lacrar a urna e dormir com ela para o segundo dia do pelito. Isso está correto? Como pode, se ele é candidato também? Já deveria estar afastado do sindicato. Por isso todo o processo foi parar no Ministério Público do Trabalho” afirma.

Chapa 3 (Grupo Família Rodoviária)

Elisson José Ferreira encabeça a chapa Grupo Família Rodoviária. Segundo o Sindicato dos Rodoviários, teve a candidatura impugnada por ser do transporte intermunicipal e o presidente será Diogo Hafert. Mas Elisson nega. “Sou candidato sim. É a primeira vez que disputo a eleição à presidência do sindicato e acredito que temos chances porque nossas principais bandeiras são o fim do processo de retirada dos cobradores das linhas e da dupla função dos motoristas, agora coagidos a dirigir e a receber dinheiro dos passageiros. Isso é proibido pelo Artigo 28 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB)”, diz.

Cinco chapas disputam a direção do Sindicato dos Rodoviários este ano. A Chapa 3 é uma delas. Foto: Divulgação

 

Assim como os outros candidatos, faz oposição ferrenha à atual gestão de Benilson Custódio. “Os cobradores estão sendo demitidos pelas empresas de ônibus. A Caxangá e a Empresa Metropolitana são as principais. A Pedrosa, Transcol e São Judas Tadeu vêm na sequência. E o sindicato tem sido conivente com toda essa situação. Por isso estamos na disputa”, argumenta.

É a primeira vez que disputo a eleição à presidência do sindicato e acredito que temos chances porque nossas principais bandeiras são o fim do processo de retirada dos cobradores das linhas e da dupla função dos motoristas, agora coagidos a dirigir e a receber dinheiro dos passageiros. Isso é proibido pelo Artigo 28 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB)”, Elisson Ferreira, da Chapa 3

Chapa 4 (União e Luta)

O Blog MoveCidade não consegui entrevistar Diógenes, o candidato pela chapa União e Luta. A reportagem chegou a se comunicar com ele, mas foi ignorada. Diógenes foi parceiro de Patrício Magalhães durante todos os anos em que ele comandou o sindicato. Atuava como tesoureiro.

Chapa 5 (Resistência e Luta)

É a chapa que tem como cabeça Aldo Lima, ex-parceiro de Benilson Custódio na eleição de 2014. Aldo nega, mas o sindicato e outros candidatos garantem que ele não conseguirá participar porque a sua candidatura, mais uma vez, terminou impugnada por ser ex-rodoviário (foi expulso por justa causa da empresa Caxangá). Quem será o candidato de direito é o vice, Joseval Costa. “Sou candidato sim e acredito que esse ano vamos levar a eleição. Benilson se perdeu no caminho. Passou a pensar e a agir totalmente diferente do que pensávamos. Deixou de ser combativo e virou aliado do setor patronal. Cedeu na dupla função de motorista e na retirada dos cobradores. Está ganhando R$ 16 mil, quando a nossa proposta sempre foi combater os privilégios. Não alterou o estatuto por isso”, critica Aldo Lima.  

Muitos dos protestos realizados nos últimos meses são reflexo da quebra de braço entre as chapas

 

O fim dos privilégios previstos para a direção do sindicato, inclusive, é uma das bandeiras da chapa (intitulada Oposição Rodoviária de Verdade – o Guará – Resistência e Luta). “Nossa carta programa é a mesma que Benilson rasgou após ser eleito, em 2014. Somos contra a retirada dos cobradores, a dupla função de motoristas e defendemos que o sindicato seja um instrumento de luta da categoria e, não, um reduto de privilégios com altos salários. Os cobradores estão sendo demitidos pelas empresas e ele não faz nada porque está conivente”, diz Aldo Lima. Ele aposta que sua chapa leva a eleição. “Se for uma eleição honesta, nós levamos”, diz.

Demissão de cobradores

Sobre a demissão de cobradores, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros (Urbana-PE) garantiu que a denúncia não proecede. Confira a nota oficial divulgada:

“A Urbana-PE esclarece que não houve retirada dos postos de cobradores nos últimos meses e que o processo tem ocorrido com consentimento do órgão gestor e do próprio Sindicato dos Rodoviários e com a garantia de manutenção dos postos de trabalho, conforme convenção coletiva da categoria”.

Segundo o gestor do Sistema de Transporte Público de Passageiros da RMR (STPP), 60 linhas estão em operação sem cobrador desde 2015, sendo 25 somente este ano. Na última reportagem feita pelo Blog MoveCidade, em maio deste ano, eram 58. Duas linhas perderam o profissional desde então.

 

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