Seguimos na mesma. A mobilidade urbana ideal está nos discursos de gestores e políticos, mas na prática pouca coisa mudou e o transporte individual segue tendo prioridade. Foto: Brenda Alcântara/JC Imagem
A mobilidade urbana permaneceu à margem das políticas públicas em 2019. Houve avanços, principalmente na mobilidade ativa, com a ampliação da infraestrutura para as bicicletas em mais de 100 quilômetros e o projeto Calçada Legal, que já ultrapassou os 100 quilômetros de calçadas e passeios públicos. Mas não passou disso. O transporte coletivo – com destaque para o Metrô do Recife e o BRT – acumulou problemas e viu as mazelas históricas serem ainda mais potencializadas.
METRÔ
Sucateamento do Metrô do Recife
O Metrô do Recife roubou a cena em 2019. E por méritos vergonhosos. O sucateamento do sistema metroferroviário que atende 400 mil pessoas diariamente na região metropolitana da capital pernambucana ficou ainda mais evidente. Os ambulantes se multiplicaram nas estações e trens e, com eles, a sujeira que os acompanha. Como se não bastasse, embora a tarifa tenha tido um reajuste de 90% após seis anos sem aumento, as quebras e panes do metrô se tornaram ainda mais frequentes. Até novembro, tinham sido 104 ocorrências. Muitas delas ainda provocadas por atos de vandalismo, mas a maioria por fadiga dos equipamentos – o resultado mais visível da ausência de investimento.
Tudo isso no ano em que o governo do presidente Jair Bolsonaro anunciou e iniciou o processo de concessão dos sistemas da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) (o Metrô do Recife é um dos cinco geridos pela companhia) e da Trensurb à iniciativa privada. E não é à toa que concessões públicas do setor metroferroviário estão virando tendência no País. A difícil reação econômica-financeira da maioria dos metrôs públicos a alimenta. Foram 11,5 bilhões de subsídios nos últimos dez anos. O Metrô do Recife, por exemplo, depende quase que plenamente do subsídio da União. A receita obtida com a tarifa cobre apenas 20% do custo de operação. O sistema precisa de, no mínimo, R$ 120 milhões só para o custeio anual –, sem considerar os investimentos fundamentais para a expansão e prestação de um serviço melhor. Não teve um único quilômetro de trilhos expandido desde 2009, quando a Linha Sul – que liga o Centro do Recife ao Sul da Região Metropolitana pelo litoral – entrou totalmente em operação. É um sistema que parou no tempo. Em 2020, inclusive, a situação deve piorar.
BRT
O ano da canibalização do BRT
No ano em que completou cinco anos de operação, o já combalido sistema de BRT da Região Metropolitana do Recife – batizado de Via Livre – enfrentou ainda mais abandono e destruição. Como se não bastasse o quase intrafegável pavimento do Corredor Norte-Sul (que liga, por 33 quilômetros, o Recife ao município de Igarassu), o calor e o abandono das estações, que renderam a definição de estações-monstro, o sistema começou a ser canibalizado nas madrugadas do segundo semestre de 2019. Com a ausência da vigilância – retirada pelo governo de Pernambuco para reduzir gastos com o transporte público –, viciados começaram a se aproveitar e a depenar as estruturas, cuja operação custa, por mês, R$ 32 mil. Do piso ao teto, tudo começou a ser roubado. Constrangido pela repercussão, o Estado fez um convênio com o setor empresarial e passou a lançar PMs de folga para fazer o policiamento nas estações. O que tem dado certo, pelo menos por enquanto. O convênio prevê um investimento diário de R$ 17 mil, o que equivale a aproximadamente R$ 527 mil por mês e permite ofertar mais de 80 policiais por dia, entre praças e oficiais. Desse total, R$ 377 mil são bancados pelo Estado, R$ 100 mil pelo Consórcio Conorte e R$ 50 mil pela MobiPE, empresas que operam os sistemas BRT.
BICICLETA
Um Recife mais ciclável
É inegável que, em 2019, o Recife se tornou uma cidade mais ciclável. Chegou ao fim do ano com 103 quilômetros de malha cicloviária, o que representa uma expansão de 330% em relação a 2013, no início da gestão do prefeito Geraldo Júlio (PSB), quando havia apenas 24 quilômetros. Pelo menos três novas rotas foram criadas na cidade: Setúbal, Santo Amaro e Boa Vista. Esses são os cálculos da Prefeitura do Recife e merecem aplausos. Mas é importante destacar dois aspectos dessa expansão: o município ainda não enfrentou os grandes corredores, onde os ciclistas costumam e precisam pedalar – como as Avenidas Agamenon Magalhães, Caxangá e Abdias de Carvalho, e o Viaduto Capitão Temudo, por exemplo –, e segue fazendo rotas sem conexões. Outra questão é: sete anos para alcançar 100 quilômetros de ciclofaixas e ciclorrotas (apenas uma ciclovia, a Graça Araújo, foi implantada) não é muito tempo para tão pouco?
CORREDOR
Mais dignidade na Conde da Boa Vista
O ano de 2019 marcou o enfrentamento pelo poder público de um dos maiores símbolos do abandono de equipamentos urbanos da cidade: a requalificação da Avenida Conde da Boa Vista. Apesar de custar R$ 15 milhões – R$ 1 milhão mais caro do que custou a reforma do corredor em 2008 –, o projeto tem proporcionado uma Nova Conde da Boa Vista. E mais: tem devolvido dignidade as 300 mil pessoas que diariamente circulam pela via, prioritariamente no transporte coletivo e a pé. Esperar o ônibus nos trechos que já foram requalificados e ganharam novos e modernos equipamentos virou algo revigorante. Mesmo com a pichação dos imóveis e a produção de lixo que seguem compondo o cenário do corredor. A adoção da via por uma empresa privada e a implantação de videomonitoramento para evitar a depredação também têm colaborado. É claro que o projeto ainda está em execução e somente em 2020 chegará ao trecho mais polêmico, nas imediações do Shopping Boa Vista, onde a concentração de ambulantes é descomunal. Mas o que foi feito até agora é bom para a população. Não há como negar.
CALÇADAS
Mobilidade a pé começa a ser enxergada
A mobilidade a pé começou a ser enxergada no Recife em 2019. O caminho é longo e os desafios para estimular o caminhar pela população são enormes, mas o projeto Calçada Legal, que prevê a implantação e requalificação de 134 quilômetros de calçadas e 56,3 mil metros quadrados de largos em diferentes áreas da cidade, tem conseguido reduzir o abismo histórico. Já foram construídos e recuperados 133,14 quilômetros de passeios e calçadas até agora. Isso significa, segundo a Prefeitura do Recife, 30 quilômetros de vias. O Calçada Legal tem orçamento de R$ 105 milhões, recurso obtido através de financiamento do governo federal (95%) com contrapartida do município (5%). Até o fim de 2020 a prefeitura promete requalificar 114 ruas e 12 largos da cidade, localizados em diferentes áreas, mas predominantemente em corredores de transporte com grande circulação de pedestres e na área central da capital.
REFRIGERAÇÃO
LEI DEFINE CLIMATIZAÇÃO DOS ÔNIBUS
Virou lei, sancionada pelo governador Paulo Câmara na última semana de dezembro, o Projeto de Lei 741 que estabelece metas e condições para a renovação e refrigeração da frota de ônibus da Região Metropolitana do Recife entre 2020 e 2023. A expectativa é de que os passageiros contem, já no próximo ano, com 346 ônibus novos e refrigerados. No total, 495 ônibus terão que ser renovados em 2020. Sendo que, desses, 346 terão que ser novos e refrigerados. O conforto, entretanto, já pesará no bolso dos passageiros antes mesmo de os novos ônibus climatizados começarem a rodar nas ruas. Representará um acréscimo de cinco centavos no próximo reajuste da tarifa, que deverá ser discutido em janeiro, mês escolhido desde a primeira gestão do PSB no Estado para anunciar a majoração das passagens. Isso porque a estratégia do governo para convencer o setor empresarial a fazer o investimento nos novos veículos foi antecipar o recurso.
TECNOLOGIA
ZONA AZUL DIGITAL VIRA REALIDADE
Foram anos e anos de espera, mas, enfim, em 2019 o Recife adotou a Zona Azul Digital. Apesar de apresentar alguns problemas no início e ainda exigir ajustes do aplicativo, criado pela Serttel, o sistema deixou de ser promessa e virou realidade. Além de necessária - até cidades do interior de Pernambuco tinham o modelo digital enquanto o Recife adiava a implantação -, a tecnologia permite a ampliação de vagas, a democratização do uso, redução de custos com a operação e um maior controle do sistema.