Por Roberta Soares, da Coluna Mobilidade
Ainda não existe data para a fiscalização dos motoristas começar, mas a regulamentação dos aplicativos de transporte privado de passageiros do Recife – como Uber e 99 – já está valendo. E, segundo a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU), a população deve optar pela utilização das empresas que estão cadastradas – por enquanto, das grandes, apenas a Uber. A 99 permanece fora. A CTTU informou que a empresa teria dado início ao processo de cadastramento, mas a 99 nega e diz estar questionando o processo desde agosto do ano passado, sem retorno. Por isso, entrou na Justiça e conseguiu uma liminar que a libera do cadastramento. De toda forma, com ou sem cadastro da 99, a recomendação da autarquia de trânsito permite que os clientes de aplicativos tenham um pouco mais de garantias nas questões segurança e qualidade do serviço.
É o caso, por exemplo, da certeza de uma frota de veículos mais nova – com no máximo oito anos. Essa é uma das mais polêmicas exigências da Lei Municipal 18.528/2018, aprovada depois de muita confusão e alterações na Câmara de Vereadores do Recife. A Uber comunicou aos “motoristas parceiros” desde o fim de 2019 que os veículos com mais de oito anos de fabricação não receberiam mais corridas no Recife. Teriam que pegar nas cidades vizinhas. Com o credenciamento do serviço junto ao município, o cidadão também pode fazer reclamações diretamente à CTTU, pelos canais de atendimento que a autarquia possui em redes sociais e por telefone, por exemplo.
Os passageiros de apps, entretanto, não devem se iludir achando que, a partir de agora, terão suas reclamações atendidas prontamente porque, como sempre faz questão de destacar Taciana Ferreira quando trata do processo de regulamentação, o controle público será efetivo sobre as plataformas de tecnologia, ou seja, a Uber, futuramente a 99 e todas as outras que se cadastrarem no município. Os motoristas estarão sujeitos às penalidades de trânsito, como regras de circulação (controladas pela fiscalização do município), do condutor e do veículo (fiscalizadas pelo Estado). As irregularidades referentes à ligação com as plataformas digitais serão cobradas das empresas, não dos motoristas.
“O condutor de aplicativo terá que responder às regras de trânsito como qualquer outro motorista. Além disso, o que vai acontecer é que, ao ser parado pela fiscalização da CTTU, será verificado em quais plataformas ele está cadastrado e atua. Essa informação terá que bater com os dados repassados pela empresa. Havendo diferença, quem responderá é a plataforma”, explica Taciana Ferreira. Lembrando que, pelo menos pela lei municipal, os aplicativos estão sujeitos à multas pecuniárias que começam em R$ 10 mil e podem chegar a R$ 90 mil, incluindo a possibilidade de suspensão de operação por seis meses. A CTTU garante que uma campanha de orientação para toda a sociedade antecederá a fiscalização do serviço na cidade. Mas nenhuma previsão de data foi repassada pela autarquia. E como estamos em ano de eleições municipais, não será surpresa se o processo atrasar ou, até mesmo, for adiado. A segunda empresa cadastrada para fazer o transporte remunerado individual de passageiros por aplicativo no Recife foi a Mobilidade Card Exploração de Transporte Privado e Serviços LTDA, que atua na área de transporte e logística.
FISCALIZAÇÃO FORÇADA
A CTTU teria tentado iniciar a fiscalização para forçar o uso apenas dos aplicativos cadastrados durante o Carnaval 2020, mas uma liminar judicial obtida pela 99 – que seria a principal prejudicada – impediu o processo. A decisão provisória foi dada pelo juiz Djalma Andrelino Nogueira Júnior, da 4ª Vara da Fazenda Pública da Capital, no dia 20 de fevereiro, às vésperas da folia. Na decisão, o magistrado proíbe a CTTU de exigir credenciamento da 99 e dos motoristas cadastrados no aplicativo para atuação na cidade e de impor qualquer tipo de obstáculo, penalidade ou sanção à empresa e aos motoristas-parceiros durante o Carnaval. E ainda determina multa diária de R$ 30 mil no caso de descumprimento da decisão.
“Assim, presentes os requisitos art. 300 do CPC, concedo a tutela de urgência para determinar que a parte ré não exija o credenciamento da autora e dos motoristas cadastrados em seu aplicativo para atuação na cidade; não imponha qualquer tipo de obstáculo, penalidade ou sanção à autora e/ou a seus motoristas até o julgamento de mérito da presente demanda; bem como seja garantido à 99 e a seus usuários o mesmo acesso e tratamento dado às demais operadoras de transporte privado remunerado no que tange às ações de carnaval, incluindo acesso aos bolsões, informações sobre ruas fechadas e todos os demais benefícios negados à empresa por conta do seu não credenciamento, sob pena de multa diária de R$30.000,00 (trinta mil reais)”, diz o juiz Djalma Andrelino Nogueira Júnior.
A 99 alega que entrou na Justiça por ter diversos questionamentos ao processo de regulamentação e para evitar prejuízos aos motoristas-parceiros. Veja o posicionamento oficial da 99:
“A 99 esclarece que desde agosto do ano passado vem buscando dialogar com a Prefeitura do Recife enviando questionamentos sobre pontos inconstitucionais da legislação municipal e a necessidade de adequação à Lei Federal (13.640/2018), e ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema (*). Não obtivemos retorno. Para evitar prejuízos aos milhares de motoristas parceiros que geram renda com a atividade de transporte por aplicativos e aos moradores de escolherem como desejam se locomover pela cidade, a empresa entrou na Justiça e obteve a garantia da operação sem qualquer tipo de barreira ou obstáculo, como era feito no credenciamento local. A 99 tem um compromisso de longo prazo com a cidade, a mobilidade urbana e continuará aberta ao diálogo com poder público para a construção de uma regulação eficiente”.
(*) No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 449, ajuizada pelo Partido Social Liberal (PSL) contra a Lei 10.553/2016 de Fortaleza (CE), em maio de 2019, o STF considerou inconstitucional a proibição por lei municipal de transporte individual por aplicativos.
A CTTU, entretanto, contesta a informação. Por nota, garante que não ameaçou iniciar a fiscalização e que o processo só será iniciado após a campanha educativa. Leia a resposta na íntegra:
“A Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU) informa que não procede a informação de que a fiscalização dos veículos por aplicativo seria iniciada durante o carnaval. A festa de momo serviu como uma experiência positiva para operação de trânsito, pois, já que o serviço foi regulamentado, o órgão destacou espaços de embarque e desembarque de transportes por aplicativo, como prevê a lei 15.528/2018, em três pontos do principal polo da folia, o Bairro do Recife. Entretanto, a fiscalização será iniciada após uma vasta campanha de divulgação para informar os motoristas e passageiros sobre as empresas credenciadas”.
SEM APREENSÃO DE VEÍCULOS
O modelo de fiscalização que a CTTU escolheu – sem prever a apreensão dos veículos não cadastrados – é bem mais brando do que o praticado em algumas cidades brasileiras. Curitiba, no Paraná, é um exemplo. A cidade deu início à fiscalização dos motoristas de apps no dia 3/03 prevendo o recolhimento dos veículos que estiveram fazendo o transporte individual de passageiros por aplicativo sem constar no cadastro oficial do município, feito na Urbs (Urbanização de Curitiba S/A). A capital paranaense tem 27 mil motoristas cadastrados por enquanto. No Recife, informações extra-oficiais apontam mais de 50 mil nas duas empresas: Uber e 99.
A fiscalização curitibana faz uso do Artigo 232 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que prevê o recolhimento do veículo quando o condutor circula sem os documentos de porte obrigatório – no caso, o cadastramento no município para realizar transporte individual de passageiros por aplicativo. A Urbs já teria prorrogado o prazo para início da fiscalização, que começaria em 1º de fevereiro, para 2 de março, com o objetivo de ampliar o tempo para cadastro online.
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