ÔNIBUS: MOTORISTAS relatam rotina dura e que ficou ainda pior com a saída dos COBRADORES, as INVASÕES e o SURF nos ÔNIBUS
Profissão que nunca foi fácil, ficou ainda mais dura atualmente. Surf nos ônibus, invasões e a retirada dos cobradores pioraram
“NÃO TEMOS APOIO DE NINGUÉM, NEM MESMO DOS PASSAGEIROS”
O motorista Márcio Magno do Rego, 51 anos e há 22 anos no transporte público, até “tapa na cara” já levou enquanto trabalhava. Criado desde menino no setor, tem orgulho de dizer que a mãe foi a profissional de registro 022 da extinta empresa de ônibus São Paulo, uma das mais antigas do Grande Recife.
Mas hoje em dia, diante da ampliação das dificuldades enfrentadas pelos motoristas de ônibus, é só lamento. Reclama que falta apoio à categoria, principalmente do passageiro, que nunca sai em defesa quando a situação aperta para os profissionais na rotina do transporte público - que só quem conhece sabe como é árdua.
Na entrevista abaixo, Márcio Magno conta os apertos que já passou e as razões para estar tão desiludido com a profissão. Confira:
JC - A primeira frase que você nos disse foi: “Nunca foi tão difícil ser motorista de ônibus”. Por quê?
MÁRCIO - De fato, nunca foi tão difícil ser motorista de ônibus. Hoje nós somos destratados, somos um ‘nada’. As pessoas não nos enxergam, não nos respeitam mais. Já cheguei a levar um ‘tapa na cara’ de uma passageira que se achou no direito de me agredir. Se eu não tivesse sido rápido, teria provocado uma colisão com o veículo. Fui pego de surpresa.
JC - Você também relatou que já passou muitos, muitos ‘apertos’ nesses 22 anos de profissão. Relata alguns deles
MÁRCIO - Já fui assaltado diversas vezes e a prática já tinha virado costume. Até que um dia eu nasci de novo. Era o dia 11 de agosto de 2016, data que nunca vou esquecer. Eu rodava na linha Barro/Cajueiro Seco, da Empresa Vera Cruz, e fui assaltado. Eram dois homens.
O que estava na parte de trás do ônibus mandou abrir a porta para eles descerem, enquanto o outro, ao meu lado, apontava a arma para mim. Eu pedi calma e expliquei que o veículo só abria a porta quando parava totalmente, que era um sistema de segurança (conhecido como anjo da guarda).
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Foi quando o de trás mandou atirar em mim: atira nele, atira nele, disse. O ladrão apontou a arma para o meu ouvido e disparou, mas pela graça de Deus o projétil não saiu. eu quase desmaiei, sai de mim, nem sabia mais o que estava fazendo. Consegui abrir a porta para eles e quando o que atirou em mim desceu a bala saiu. Ali eu nasci de novo.
JC - E o que, na sua opinião, tem contribuído para tornar a profissão de motorista ainda mais difícil?
MÁRCIO - Acho que a situação piorou muito por causa da dificuldade financeira da população. Muita gente sem emprego, o que aumenta o vandalismo. A situação está fora de controle. As pessoas acham que é normal andar no ônibus sem pagar porque não tem o dinheiro da passagem.
Acham que a tarifa é cara e, como não têm o dinheiro, pulam a catraca e acham que têm direito de fazer isso. Nem nos respeitam. Pulam na nossa frente mesmo, sem qualquer constrangimento. E se dissermos qualquer coisa somos xingados, ofendidos e até agredidos fisicamente.
JC - Você acredita que a retirada dos cobradores dos ônibus e o aumento da prática do ‘surf nos ônibus’ pioraram a situação? Embora a presença do cobrador nos veículos não seja mais tão necessária devido ao pagamento por cartão eletrônico?
MÁRCIO - A retirada do cobrador dificultou muito a nossa vida porque um cordão de duas dobras é mais difícil de torar… Sabíamos que isso iria acontecer porque o uso do cartão eletrônico reduziu muito o pagamento da passagem em dinheiro.
E que as empresas não teriam como sustentar o custo do cobrador, que ficaria nos ônibus apenas para dar bom dia, boa tarde e boa noite. Mas na minha opinião a retirada foi precoce porque muitas linhas ainda têm demanda de dinheiro e o motorista ficou sozinho para cuidar de tudo.
Já o surf no ônibus eu vejo como resultado da impunidade. A pessoa se sente no direito de fazer aquilo por pura diversão. Mesmo quando a gente abre a porta para que viaje dentro, para evitar um acidente, ele diz que não quer, que quer ir pendurado. Ou seja, por diversão. Para ter a sensação de perigo.
O que nos causa revolta é que, quando acontece algo, nós temos que responder à Justiça sem ter culpa nenhuma.
JC - O senhor reclamou da falta de humanidade e de apoio, principalmente dos passageiros, ao motorista de ônibus nos tempos atuais. É isso mesmo?
MÁRCIO - É sim. Parece que as pessoas não nos enxergam mais. Falta humanidade, apoio, principalmente dos passageiros. Nós somos culpados de tudo e por tudo. E estamos sozinhos conduzindo veículos grandes, pesados, difíceis de dirigir. E sozinhos para tudo.
Você se sente muito sozinho, sem apoio. E olha que eu sou praticamente nascido e criado no transporte público. Minha mãe foi a funcionária de número 022 da Empresa São Paulo.
A bagunça que está acontecendo no transporte público do Grande Recife é uma questão de segurança pública. As pessoas acham que devem fazer aquilo e não tem quem pare. Virou uma bagunça mesmo e só a polícia vai dar jeito.
E de quem a gente deveria receber atenção, que é a segurança pública, não recebemos. Muitas vezes passei por viaturas da polícia com pessoas penduradas no ônibus, até fazendo surf, e ninguém foi parado. A viatura passa e vai embora.
JC - E o passageiro, que deveria ajudar, não faz nada, correto?
MÁRCIO - A relação com o passageiro é difícil, muito difícil. Ele só quer chegar ao destino. Não quer saber se a gente parou o ônibus porque o passageiro está pendurado e pode cair, provocando uma morte ou ferimento, por exemplo. Ele só quer saber de chegar.
Muitas vezes, quando a gente para o ônibus e diz que não vai seguir viagem, eles ficam contra a gente. Não entendem a nossa posição. Não aceitam que aquele ato de parar a viagem é uma forma de reivindicarmos um direito. Ao contrário, se revoltam contra a gente, alegando que precisam chegar ao destino, ao médico, ao compromisso. É muito, muito difícil.
MOTORISTA DE ÔNIBUS É AGREDIDO POR PASSAGEIROS QUE INVADIRAM ÔNIBUS
Cristiano Alves, 46 anos, está há dez no transporte público, sendo quatro como cobrador e seis como motorista. Desde que entrou no setor, sonhava em conduzir ônibus. Atualmente, depois das dificuldades enfrentadas, confessa que perdeu o encanto.
E não é para menos. Além do motor quente e dianteiro dos coletivos, ao lado do seu corpo o dia inteiro, o trânsito que prolonga o percurso e dificulta o cumprimento de horários, há a violência.
O profissional foi agredido a socos por dois passageiros que invadiram o ônibus sem pagar a passagem. Pego de surpresa e sozinho no veículo, por pouco não provocou uma colisão com o ônibus.
Na entrevista abaixo, ele relata as razões da agressão e a tristeza de seguir na profissão de motorista de ônibus.
JC - Como e por que você foi agredido fisicamente por passageiros?
CRISTIANO - Tudo começou no sábado antes das Eleições 2022. Eu parei o coletivo para desembarque no TI Xambá (em Olinda) e não vi que dois passageiros subiram pela porta de trás, o que é proibido. Segui para a área de embarque e, nesse momento, um dos homens começou a me ameaçar. Eu decidi não seguir viagem e tive que fazer um registro (BO) para a empresa, explicando as ameaças e a razão de não seguir com a viagem.
Até aí tudo bem. Quando foi na terça-feira, os mesmos passageiros me esperaram no terminal de Águas Compridas, em Olinda - terminal da linha que eu operava -, e me agrediram de surpresa. Eu estava com o carro parado e tinha acabado de abrir a porta para uma passageira entrar, quando eles subiram e começaram a me dar socos.
Por pouco não aconteceu uma colisão com o ônibus, já que o freio de mão não estava acionado. Se eu tivesse desmaiado, por exemplo, o coletivo poderia ter avançado sobre as pessoas ou sobre outros veículos.
Os dois ainda ficaram pendurados no coletivo em parte do percurso até o terminal. Cheguei a abrir a porta para eles entrarem, mas não quiseram. Foram pendurados até o terminal. Ainda tirei o carro de marcha, com cuidado na vida dos dois, para ser espancado depois. Levei vários socos até conseguir me proteger. Tudo isso sozinho, completamente sozinho.
JC - Tem sido difícil ser motorista de ônibus atualmente?
CRISTIANO - Demais. E o surf é um dos principais problemas atualmente. Tem provocado tragédias. Está sufocante. A orientação das empresas é parar o veículo, mas é difícil porque você é ameaçado por passageiros, pelos invasores e ainda por aqueles que querem viajar pendurados. A gente fica exposto, sozinho no ônibus para fazer tudo. Para cobrar, dirigir, atender a um cadeirante e, ainda, ter atenção nas portas de embarque e desembarque. Fora o trânsito, que torna quase impossível cumprir os horários estabelecidos. Isso gera um stress tremendo. Chegamos no fim de um dia de trabalho com um esgotamento físico e mental.