Desafios do Recife: apesar dos avanços, ciclistas e pedestres seguem precisando de prioridade e segurança nas ruas do Recife
A mobilidade ativa (pedestres e ciclistas) na capital pernambucana é mais um dos desafios do futuro prefeito sob a ótica da mobilidade urbana
O futuro prefeito do Recife vai herdar uma cidade que, sem dúvidas, teve avanços na mobilidade ativa e que se tornou mais amigável com pedestres e ciclistas. Não há como negar. Mas também enfrentará inúmeros desafios para melhorar e ampliar o que foi conquistado nos últimos anos. E muitos deles impopulares, já que muitos motoristas recifenses - assim como brasileiros - seguem se irritando quando gestores públicos dão espaço aos modais ativos (sem motor) na cidade, como é o caso da ampliação da malha cicloviária e das calçadas.
Na verdade, o futuro prefeito terá que vencer o mal humor dos motoristas que se irritam com qualquer perda de espaço do carro para a bicicleta ou o pedestre. Um recente exemplo da má vontade - vamos definir assim - de alguns condutores com quem pedala, usa transporte público ou caminha mesmo foi a implantação da Ciclovia Agamenon Magalhães, em dezembro de 2023, equipamento apontado como responsável por reduzir o espaço para os carros e piorar a circulação no principal corredor viário da cidade.
Serão situações como essas que o futuro prefeito terá que lidar se decidir ampliar a malha cicloviária do Recife, que cresceu bastante nas duas primeiras gestões municipais do PSB, mas pouco nos últimos quatro anos. Ao contrário, a ciclomobilidade está devagar no Recife. Desde 2021, a cidade deu uma desacelerada na ampliação da rede - apesar do mérito da Ciclovia da Agamenon Magalhães, que inclui um equipamento no Viaduto Capitão Temudo, uma das áreas mais perigosas para quem pedala e faz conexão com a Zona Sul da cidade.
AMPLIAÇÃO DA REDE DESACELEROU NA CIDADE E PRECISA VOLTAR A CRESCER
Foram implantados menos de 50 km de estrutura para os ciclistas na cidade nos últimos três anos. Segundo dados oficiais da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), o Recife está com quase 200 km de malha cicloviária (193 km), entre ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas. Essa malha representaria um aumento de mais 600% desde 2013, quando havia 24 km.
Mas, desses 193 km de rotas cicloviárias, menos de 50 km foram implantados entre 2021 e abril de 2024. O cumprimento do Plano Diretor Cicloviário (PDC) é outro ponto bastante cobrado pelos ciclistas, que afirmam que o PDC ficou na promessa em uma década de criação e após custar R$ 3 milhões para ser elaborado, ainda no governo de Eduardo Campos (PSB).
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Segundo a Associação Metropolitana de Ciclistas do Recife (Ameciclo), após dez anos de lançamento do PDC, apenas 28% da rede que estava projetada no PDC foi implementada efetivamente. No caso do Recife, o plano previa a implantação de 265 km de estrutura cicloviária na cidade entre 2014 e 2017, mas foram implantados 193 km entre 2014 e 2024. E, mesmo assim, apenas 75 km foram dentro da rede cicloviária estudada e prevista no PDC.
“E estamos falando, basicamente, de ciclofaixas, que são estruturas que não protegem o ciclista como as ciclovias. E a maioria delas, com poucas exceções, colocadas em ruas que têm menos tráfego de veículos. Por isso que agora a nossa luta tem sido pela infraestrutura nas avenidas para facilitar o deslocamento de quem pedala”, alerta Barbara Barbosa, coordenadora da Ameciclo.
REDUÇÃO DE VELOCIDADE NAS RUAS, RELIGAMENTO DOS RADARES E DA FISCALIZAÇÃO À NOITE
Outro desafio do futuro prefeito do Recife na mobilidade ativa é ter a coragem, política e administrativa, de reduzir a velocidade nas ruas da cidade para 50 km/h, como já determinado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em documento elaborado pela Ameciclo para convencer a Justiça a rever o desligamento da fiscalização eletrônica de velocidade à noite - a capital desliga tudo das 22h às 5h -, a Ameciclo mostra que o número de sinistros com vítimas aumentou 63% de 2022 para 2023, passando de 2.485 para 4.042 na capital.
E que o aumento foi mais acentuado no segundo semestre (75%) em comparação ao primeiro (43%). E mais: que os sinistros continuam aumentando. Até maio de 2024, houve um aumento de 54% em relação a 2023 e 117% em relação a 2024. Ou seja, o Recife está mais do que dobrando os sinistros.
Outro resultado preocupante foi constatado pela entidade com a análise dos dados das velocidades registradas pelas lombadas eletrônicas e fotossensores em dezembro de 2023. Ficou evidente que, durante o período noturno, mais de 7% dos motoristas excedem os 60 km/h, e em todos os horários de desligamento, a taxa de infrações permanece acima de 1%.
CICLOFAIXAS VIRARAM PISTA PARA MOTOS NA CAPITAL
Além de ampliar a malha cicloviária do Recife, o futuro prefeito terá que torná-la mais segura. Isso porque as ciclofaixas viraram pistas de motos na capital, colocando ciclistas em perigo. Flagrantes de invasões têm sido comuns nos últimos meses na cidade, reflexo da explosão de motos em circulação, puxada pelo crescimento vertiginoso dos aplicativos de transporte, como Uber e 99 Moto.
E como quase a totalidade da rede cicloviária do Recife é estruturada em ciclofaixas, a vulnerabilidade para quem usa a bicicleta é ainda maior. Dos 193 km da rede cicloviária da cidade, mais de 90% são de ciclofaixas. As ciclovias - que têm a separação total do tráfego de veículos - são poucas. Atualmente, existem ciclovias apenas nas Avenidas Boa Viagem, Agamenon Magalhães e em um trecho da Avenida Norte. O restante são ciclofaixas - quando a separação é parcial, feita com tachões ou mini-blocos - e ciclorrotas - quando existe apenas a sinalização para compartilhamento da via.
Por isso, as reclamações de ciclistas têm aumentado, inclusive, devido ao risco de sinistros de trânsito (não é mais acidente que se define, segundo a ABNT), já que os flagrantes estão por toda a cidade. Principalmente em ruas e avenidas que têm constante registro de retenções ou congestionamentos.
Recentemente, uma ciclista que também é cicloativista, foi atropelada por um motoqueiro quando pedalava numa ciclofaixa, no Centro do Recife, sem o isolamento devido. “Um motoqueiro veio no sentido contrário ao meu, quando eu estava dentro da ciclofaixa, invadiu o equipamento e me atropelou. Sofri apenas uma queimadura leve, não estou tão machucada. Mas poderia ter acontecido algo bem pior. Temos observado que muitos motoristas e motociclistas estão invadindo a ciclofaixa porque não existe obstáculo físico e, assim, eles não precisam reduzir a velocidade e podem fazer uma curva mais fechada. Mesmo que isso signifique colocar em risco a vida do ciclista”, desabafou a ciclista Gaia Lourenço.