Trânsito mata 27 vezes mais do que as quedas de avião no Brasil, mas choca menos. Por quê?
Mesmo diante dessa constatação, por que as quedas e colisões aéreas chocam e comovem mais a sociedade do que os sinistros de trânsito?
Embora a sociedade ainda não se importe como deveria, o trânsito brasileiro é uma arma de matança e mutilação impressionante e custosa para o País. Mata e mutila muito mais do que as quedas e colisões de aviões, que ainda chocam e comovem muito mais as pessoas - relembre a comoção nacional com a recente tragédia aérea envolvendo o voo 2283, da Voepass, que caiu em Vinhedos (São Paulo), matando 62 pessoas, no dia 9 de agosto.
Levantamento realizado pela Associação Brasileira de Medicina do Tráfego do Rio Grande do Sul (Abramet/RS) mostra que, em 2024, o Brasil já registrou 135 ocorrências de sinistros aéreos, com 110 óbitos (incluindo as vítimas da Voepass). Por outro lado, somente nos seis primeiros meses do ano, quase três mil pessoas morreram apenas nas rodovias federais que cortam o Brasil.
Foram 2.908 mortes decorrentes de 35.166 sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define, segundo a ABNT), que também deixaram mais de 40 mil feridos.
O levantamento da Abramet/RS tem como base dados da Rede de Segurança da Aviação (ASN), da Flight Safety Foundation - uma organização internacional dedicada à segurança da aviação -, e os dados abertos da Polícia Rodoviária Federal (PRF). É importante destacar que a comparação foi feita apenas com as mortes registradas nas BRs.
Em todas as vias do País, são mais de 33 mil mortos por ano - número que pode ultrapassar os 40 mil considerando as subnotificações. Se a comparação for feita em relação a todas as mortes no trânsito em 2023, por exemplo, os números impressionam ainda mais: seria o equivalente a dizer que, no ano passado, o trânsito matou 458 vezes mais do que os aviões. Isso porque as vítimas fatais do transporte aéreo chegaram a 72 em 2023.
MORTES NO TRÂNSITO EQUIVALEM À QUEDA DE UM AVIÃO POR DIA
Os números do estrago promovido no trânsito brasileiro equivalem a uma morte a cada 15 minutos e um ferido e um sequelado a cada dois minutos. Numa comparação com os acidentes aéreos, é como se caísse um avião a cada dia - compara a Abramet/RS.
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A leitura de quem vivencia a segurança viária é de que parece que as vítimas do trânsito não têm voz. A prevenção dos sinistros aéreos é maior, mais cuidadosa, com investimentos e pesquisas. É um processo muito mais valorizado. No trânsito isso não ocorre.
Para a Abramet/RS, seja no transporte aéreo ou no transporte terrestre, nenhuma morte é aceitável. No entanto, o que se percebe é que as mortes no trânsito se tornaram quase que habituais no inconsciente coletivo, banalizadas por acontecerem diariamente, como mostram as estatísticas.
“Não podemos mais banalizar e tratar com normalidade as vidas que são perdidas no trânsito, aceitando que tantas pessoas no auge da sua vida e da sua produtividade tenham suas histórias interrompidas todos os dias por situações evitáveis”, alerta o presidente da Abramet/RS, o médico Ricardo Hegele.