Romoaldo de Souza

O governo Lula padece de falta de propostas e excesso de advérbios

Leia a coluna Política em Brasília

Romoaldo de Souza
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Romoaldo de Souza
Publicado em 03/04/2023 às 21:01
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Presidente Lula reúne ministros para preparar balanço de 100 dias de governo - FOTO: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Imagine o educador pernambucano Paulo Freire (1921-1997) escrevendo uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para avaliar os cem primeiros dias de governo. “Lula, meu querido, tenho acompanhando seu retorno às tórridas temperaturas desse Planalto Central, de onde Dom Bosco (1815-1888) sonhou, cinco anos antes de sua morte, que ‘quando se vierem a escavar as minas escondidas no meio destes montes, aparecerá a terra prometida, de onde jorrará leite e mel. Será uma riqueza inconcebível’. Que admirável profecia sobre a capital erigida pelo cético Juscelino Kubitschek (1902-1976)! Que o seu novo governo, querido Lula, não se olvide de que a tarefa mais importante de uma pessoa que vem ao mundo é criar algo. Do seu conterrâneo, P. Freire”.

Ainda considerando o sentido do emprego da linguagem figurada, eu tenho dito que o atual governo, o Lula 3.0, usa e abusa de importante eletrodoméstico, o forno de micro-ondas. Não há um programa novo. O presidente ainda [importante advérbio de tempo] não disse a que veio, muito embora, ontem realizara uma reunião “subministerial” - sim, para cobrar “o quanto antes” que os ministros saiam mais de Brasília e “apresentem o que está havendo de bom nesse governo”, mesmo sem que exista um calendário pronto para as viagens e para os programas definitivos serem apresentados. Mas essa é outra história. Eu quero retomar de onde parei. O forno de micro-ondas.

Ontem à tarde, antes de minha entrada no “Balanço de Notícias” da Rádio Jornal - sempre às 17h30 -, já sabendo que Thiago Raposo abriria o quadro Café & Conversa perguntando o que harmoniza bem com café especial, eu fui até o Comitê de Imprensa do Palácio do Planalto, tirei da bolsa térmica uma pamonha salgada [embora tenha quem prefira a doce] e coloquei para [re]esquentar no micro-ondas. Café e pamonha fazem um perfeito casamento, ainda que casamento perfeito seja lá um tanto quanto duvidoso.
Horas antes, no mesmo Palácio, só que no 4º andar, o presidente fazia hercúleo esforço a fim de parecer otimista. "Você está em uma corrida de cavalo dizendo que o seu cavalo é pangaré, que o seu cavalo é não sei das quantas, que o seu cavalo está com gripe, que o seu cavalo está cansado. Ninguém vai fazer nenhuma aposta. Então o nosso papel é apostar que esse país vai dar certo e vai produzir mais do que aquilo que tem algumas esperando", afirmou. Lula precisa tomar gosto por “criar algo”, como relembra Paulo Freire, e parar de perder tempo com pacotes recriados. Somente assim, o seu governo poderá parar de patinar em avaliações que estão aquém das expectativas do petista.

Ainda nessa reunião que o Planalto chamou de ministerial, Lula reconheceu que é necessário que o seu governo aperte o passo para fazer alguma entrega à população. De preferência, nova. “Na próxima segunda-feira [10], ao fazer avaliação dos cem dias, vamos ter que anunciar o que a gente vai fazer para frente, porque os cem dias vão fazer parte do passado. A gente vai ter que discutir o que fazer do ponto de vista do investimento na área industrial agrícola, o que a gente vai fazer na área de ciência e tecnologia". Como diria a professora Thayrine Nascimento, a quem tenho recorrido para sanar dúvidas corriqueiras da língua de Camões, “o advérbio de tempo é uma das classes gramaticais mais imprescindíveis da oralidade. Ele enfatiza, precisamente, a condição do tempo do verbo". Do atual governo sente-se falta do verbo imperativo.

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