Romoaldo de Souza

O dia em que Madonna foi banida do CD Player de um senador. Hoje só toca Madeleine Peyroux

Leia a coluna Política em Brasília

Romoaldo de Souza
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Romoaldo de Souza
Publicado em 08/04/2023 às 21:34 | Atualizado em 10/04/2023 às 22:39
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Arruda trocou Madonna por Madeleine Peyroux - FOTO: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O motorista parou o Fiat preto, Marea 2006, na porta do elevador. O motor estava ligado, o ar-condinado a 19ºC. No CD Player tocava um disco pirata comprado na Feira dos Importados - também conhecida como “Feira do Paraguai” - onde todo tipo de contrabando era vendido sem nota fiscal.

Ele desce, abre a porta do carro e recebe o senador com o olhos marejados. José Roberto Arruda (sem partido-DF) tinha feito um corpo-a-corpo pedindo para não ser cassado no Conselho de Ética.

- Bom dia, senador! Para onde vamos? Perguntou o motorista.

- Não sei. Qualquer canto. Primeiro me tira daqui. Os “abutres” estão na minha cola. Corre! Corre! disse ofegante. O senador tinha conseguido escapar de um pelotão de jornalistas que queriam ouví-lo sobre um constrangimento que acabara de passar no Plenário do Senado. Arruda se aproximou do líder do seu ex-partido, senador Sérgio Machado (PSDB-CE), pegou no braço dele e pediu para ter uma conversa reservada. “Arruda, olha os fotógrafos. Assim você me encrenca”. Naquela hora Arruda sentiu que ele é que estava encrencado.

- Tira essa música! Tira! gritou o senador.

No CD Player do Marea tocava a trilha sonora do filme “Evita”, dirigido por Alan Parker. O motorista de Arruda tinha ficado apaixonado com a cena de Madonna cantando “Don't cry for me, Argentina” ao lado de Antonio Banderas. Ela fazendo o papel de Eva Perón (1919-1952), Banderas de Che Guevara (1928-1968). “Don't cry for me, Argentina. The truth is I never left you. All through my wild days. My mad existence”, gritava Madonna, à medida que o som ia ficando cada vez mais baixo e Arruda, aos prantos, no banco traseiro. “Vamos no Piantella”, ordenou o senador. Ele se referia a um famoso restaurante, que durante anos foi ponto de encontro de boa parte dos políticos em Brasília. O motorista liga a seta, pega a Esplanada dos Ministérios, passa ao lado da Catedral, toma a Via L-2 Sul, enquanto o senador enxuga as lágrimas na manga do paletó, azul escuro.

Ao parar na porta do restaurante, Arruda foi recebido pela atriz Mariane Vicentini. Ela tinha feito sucesso nas novelas “O Mapa da Mina" e "Pátria Minha" da TV Globo. Os dois se abraçam ainda na calçada do restaurante. “Estarei sempre ao seu lado”, disse Mariane. Eles ficaram casados por dez anos.

Onze meses antes, o Distrito Federal tinha entrado para a história como a primeira unidade da Federação a ter um senador cassado. Luiz Estevão (PMDB) tinha perdido o mandato - em votação secreta - por ter mentido na CPI que investigava o superfaturamento na obra de construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

E foi justamente essa votação secreta que meteu Arruda em uma saia justa. Ele e o então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), tinham participado de um esquema que violou o painel de votação. Eles queriam saber quem votou contra e quem apoiou a cassação de Luiz Estevão.

Quando o diretor do Centro de Informática e Processamento de Dados do Senado (Prodasen), Ivar Alves Ferreira, sentou-se para prestar depoimento no Conselho de Ética, ali começava o fim do mandato de Arruda. “Ele fez um pedido, que era uma ordem. Ele pediu para que fosse retirada dos computadores uma lista com a votação”, assegurou. “Como servidor público eu cumpro ordens. Cumpri e entreguei a lista de votantes com os respectivos votos”.

Sentado na terceira fileira, o senador Carlos Wilson (1950-2009) (PPS-PE), balbuciou no ouvido do colega de partido Saturnino Braga (RJ) “pode fechar a tampa do caixão” [E disse um palavrão que não devo repetí-lo aqui]. “Mas pode ser que não seja verdade”, rebateu o senador fluminense.

“Eu entreguei o relatório a diretora do Prodasem, Regina Célia Borges. Não foi uma decisão fácil para ninguém. Eu, particularmente, senti que aquilo era uma missão. Agi assim em solidariedade à doutora Regina, em nome da relação de casamento. Ela estava fragilizada, porque havia enfrentado problemas sérios de saúde”, concluiu Ivar Ferreira.

No corredor ao lado, Arruda já arrumava as gavetas. Ele estava disposto a renunciar ao mandato para não se tornar inelegível. “Quero ser julgado pelo povo de Brasília”, dizia aos quatro cantos.

Às 10h45 de 24 de maio de 2001 José Roberto Arruda sobe à tribuna. O presidente do Senado, Jáder Barbalho (PMDB-PA) faz soar a campainha, pede silêncio. Jáder assumira um mandato tampão após a renuncia de ACM. “Com a palavra sua excelência o senador José Roberto Arruda”. Do cafezinho, uma sala ao fundo do plenário surge Arruda. 1,88m, corpo atlético, careca brilhando, com um sorriso no canto da boca. Momentos antes ele tinha recebido um “fraternal abraço” da senadora Heloísa Helena (PT-AL). A petista era peça chave do processo. Na violação do painel eletrônico de votação, ela era citada por ter votado contra a cassação de Luiz Estêvão. “Segue firme”, disse a senadora alagoana.

—Não cometerei a infâmia de recorrer a expedientes escusos para continuar no Senado. Não aceito que tentem me igualar a homens que abastardam a política e envergonham o país. O balanço dos meus acertos e erros dever ser feito pela população de Brasília. Renuncio ao mandato que os eleitores do Distrito Federal me concederam – afirmou Arruda. Foi aplaudido pelos filhos, por Mariane Vicentini e pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Deixou o plenário escoltado pela segurança do Senado. Arruda ainda concedeu tumultua entrevista na saída do Senado. “Eu voltarei. Tenho idade e saúde para isso”. O carro particular, dirigido por um amigo, saiu “cantando” pneu. Madonna tinha sido banida de qualquer CD que tocasse perto de Arruda.

Voltou. Dois anos depois, José Roberto Arruda voltou como deputado federal pelo PFL. Em 2006 se elegeu governador do Distrito Federal, também pelo extinto PFL.

No ano passado, enquanto a então mulher Flávia Arruda (PL-DF) deixava a Secretaria de Governo da gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL) para disputar uma cadeira de senadora da República, Arruda arrumava mochila e prepara a playlist. Ele ia percorrer a pé os 825 quilômetros no caminho de Santiago de Compostela (Espanha). Conseguiu. Na caminhada, ouvia podcast sobre política, meditava e escutava músicas “mais tranquilas” como da americana Madeleine Peyroux. Inelegível, Arruda divide o tempo realizando projetos como engenheiro eletricista e a guarda compartilhada das duas filhas que teve no casamento com Flávia Arruda.

 


 

 

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