Romoaldo de Souza

Dos labirintos do Planalto, um general que perdeu o comando da tropa aparece em vídeo com ares de camaradagem com invasores

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Romoaldo de Souza
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Romoaldo de Souza
Publicado em 19/04/2023 às 23:29
Ricardo Stuckert
G. Dias não tinha mais comando sobre a tropa - FOTO: Ricardo Stuckert

Sem amigos, devorado pela febre em meio ao seu delírio, o general Simón Bolívar (1783-1830) aos poucos vai sentindo o peso dos anos e percebe que ‘na longa história da humanidade se demonstrou muitas vezes que a vocação é filha legítima da necessidade’. Sua mente febril é como um labirinto no qual se misturam visões e lembranças, a partir deste emaranhado de idéias.” A obra do escritor colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), “O General em seu Labirinto” (1989, Editora Record) poderia ser atualizado para o meio da terceira semana de abril de 2023, quando caiu o general Gonçalves Dias, até então, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Aos poucos a história vai mostrar que o 8 de janeiro também teve seu lado governista, seja por omissão ou por fraqueza ou como Simón Bolívar, por puro delírio, mas aqueles episódios tiveram ao menos duas versões.

O general G. Dias, como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gostava de chamá-lo, é a personagem oculta que faltava para dar início ao desvelo de uma invasão violenta, criminosa que resultou em um dos mais virulentos atos contra o patrimônio público desde a instalação da capital da República, em 21 de abril de 1960 por essas bandas do Planalto Central. “O general estava operando para limpar o rastro de destruição deixado pelos baderneiros bolsonaristas”, disse o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), “mas ele foi omisso e quis esconder algo do Lula. Ele quis esconder algo do Brasil, possivelmente a omissão dos agentes e dele próprio naquele dia 8 de janeiro. Em uma invasão como aquela, Dias deveria ter dado ordem de prisão aos manifestantes extremistas. Era essa a ação que esperávamos dele, mas como não houve, o pacto de confiança do presidente com ele foi quebrado. A demissão é justa nesse caso, não havia mais ambiente”, avalia o vice-líder do governo.

Na oposição, o pedido “estratégico” de demissão do general Gonçalves Dias “não pode servir de panos quentes”, na avaliação do senador Sérgio Moro (União Brasil-PR). “A grande questão que o país ainda não sabe é por que esses vídeos (dos atos dentro do Palácio do Planalto) foram ocultados pelo governo desde 8 de janeiro? Mais do que a questão individual do general. Esses vídeos foram solicitados pela Câmara dos Deputados, pela CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal, mas o governo decidiu mantê-los em sigilo. Com isso, a CPMI do 8 de Janeiro ganha grande impulso, nesta data”, disse o senador paranaense, em entrevista à Rádio Jornal.

Ontem, do outro lado da praça dos Três Poderes, no 3º andar, onde nas imagens reveladas nesta quarta-feira, estava o general passeando com jeito de camaradagem com os invasores, sem importuná-los, o clima era de desolação e de tristeza. O presidente Lula confidenciou a pelo menos três parlamentares aliados que acredita na versão do general G. Dias de que sua chegada ao Planalto se deu quando o quebra-quebra já estava consumado. “A lealdade dele [para] comigo sempre foi um fator que nos uniu, embora eu considero que ele perdeu o comando da tropa”, disse o presidente. Gonçalves Dias esteve ao lado de Lula nos dois primeiros mandatos como secretário de Segurança da Presidência da República e chefe da Coordenadoria de Segurança Institucional na gestão da ex-presidente Dilmar Rousseff (PT).

Até as imagens se tornarem pública, o governo Lula trabalhou 24 horas por dia para impedir a instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro. Agora, até petistas como Lindbergh Farias também manifestam apoio às investigações pelo Congresso Nacional. “Sempre defendi, mas o governo alegava que CPI, para quem é Governo, não é bom, porque nós temos que governar o País, fazer programas sociais. Acho que será oportuna a criação da CPMI. Poderá ser uma oportunidade para provar que o governo Lula não teve nenhuma participação nos atos golpistas”, assegurou.

Para o lugar do general Gonçalves Dias, o presidente Lula nomeou, interinamente, Ricardo Cappelli, atual secretário executivo do Ministério da Justiça. Já o desfecho da CPMI do 8 de Janeiro somente será conhecido na quarta-feira (26), quando ocorrerá uma sessão do Congresso Nacional e o requerimento será lido em plenário. É a última fase, antes de ser criada.

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