Quando soube pela imprensa que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), estava chegando ao Palácio da Alvorada para um café da manhã com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em um espaçoso apartamento da Asa Sul de Brasília, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, deu um suspiro profundo, sentou-se, fechou os olhos e meditou. O cargo estava em jogo.
Arthur Lira é desses políticos que não faz arrudeios nem solta indiretas. “Presidente, quero que o senhor saiba que os parlamentares não querem ministérios. Eles querem liberação de emendas”, disse Lira a Lula. “Ainda bem, porque eu não vou entregar a cabeça de Padilha”. O ministro que cuida da articulação política do governo com o Congresso Nacional. Pronto! O território estava demarcado.
Numa linguagem figurada no diálogo inicial, antes que o alagoano colocasse adoçante no café, foi como se Lula tivesse anotado em um “post-it” vermelho a senha do cofre onde fica o dinheiro para pagar emendas parlamentares. “Tenho evitado açúcar…” resumiu o presidente da Câmara. Às 10h15 Lira deixou o Palácio da Alvorada, pegou o telefone e recomendou ao deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto de lei das fakes news, que apresentasse pedido para retirar a medida da pauta de votação. “Deputado não confia em promessa e, desse governo menos ainda”, deixando claro que a votação só poderia ser realizada após o pagamento de emendas. Às 19h20, o projeto saiu de pauta. Sabe-se lá quando retorna. O governo não teria votos suficientes para aprová-lo. “Foi um temporária derrota”, reconheceu o líder do governo, José Guimarães (PT-CE).
MINISTRO DA JUSTIÇA VESTIU A CAPA DE SUPER-HOMEM
Ao “vender” a ideia de que o projeto de lei das fakes news era para proteger da “radicalização” e do “ódio” as “nossas crianças”, Flávio Dino estava dentro do “script”. Era o roteiro perfeito para convencer parlamentares até então indecisos, mas ao partir para cima do Google, ameaçando com multas e outras punições, provou que o atual governo não vai titubear e, quando o texto estiver aprovado, poderá usá-lo contra quem contrariar os interesses palacianos.
Nesta terça-feira (2), os aliados do Planalto se revesaram na tribuna da Câmara em defesa da punição das “big techs,” mas como as mamães avestruz que colocam seus enormes ovos sob proteção ao enfiarem a cabeça no buraco, os deputados pediam aprovação do projeto, justificando que falavam em favor da liberdade de expressão e contra a censura, mas insistiam em ficar imunes de punição no ambiente online. Com isso não sofrerão punição se vieram a compartilhar conteúdo falso.
Como em todos esses 122 dias de mandato, a comunicação do atual governo foi um fiasco de ponta a ponta. Nem nos itens que havia consenso os governistas souberam se comunicar nem com o parlamento, muito menos com a sociedade. O Planalto - e seu entorno - preferiu o “prendo e arrebento.” Quem sabe agora, com mais tempo, a sociedade, os movimentos sociais, a academia e a imprensa se interessem em fazer o debate de que o projeto precisa, deixando as paixões de lado.