
Natural da terra do Padre Cícero Romão Batista (1844-1934), Juazeiro do Norte (CE), ou “Juazeiro do meu Padim,” Tadeu Alencar foi bancário no Banco do Brasil, auditor do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco e procurador da Fazenda Nacional. Amigo do eleito governador, Eduardo Campos (1965-2014), passou a integrar o staff do Palácio Campos das Princesas, sentado na cadeira de procurador geral do Estado. No pleito de 2014, foi eleito um dos 25 deputados federais pernambucanos, pelo PSB. Exerceu o mandato até 31 de janeiro deste ano e nos oito anos em que esteve na Câmara dos Deputados sempre figurou na lista dos parlamentares mais influentes do Congresso Nacional. No governo Lula (PT) foi nomeado secretário Nacional de Segurança Pública.
Tadeu Alencar está empenhado na integração das ações policiais e no fortalecimento do Susp (Sistema Único de Segurança Pública), criado no governo Michel Temer (MDB). “Se o Estado brasileiro não é organizado suficientemente para enfrentar uma criminalidade que é transfronteiriça, que é digital, que transnacional, que ela é organizada e que trabalha com inteligência, certamente nós não vamos ter bons resultados”, avalia. Sobre a discriminalização das drogas, o secretário reconhece que “o usuário deve ser tratado sob a ótica de saúde pública” e “reprimir as organizações [criminosas] que trabalham com o tráfico de droga porque esse sim é o mal que temos de combater enérgica e veementemente”.
Entre uma xícara e outra de café, Tadeu Alencar também analisou o projeto de lei das fake news, negando que seja uma censura do Estado sobre plataformas e conteúdos. Claro que não. Censura é quando você inibe uma liberdade porque ela contém limites. Nós defendemos a liberdade de opinião, de imprensa porque defendemos a democracia. Agora aqueles que estão defendendo que não haja regulação na internet são os mesmos que atentaram violentamente contra os Poderes da República nos episódios violentos do 8 de janeiro”, disse Tadeu Alencar.
Secretário, a percepção que se tem aponta para uma falta de sintonia entre as ações de enfrentamento do crime organizado. O que está sendo feito para uma necessária integração de ações municipais, estaduais e do governo federal?
Nós temos uma percepção muito clara de que houve um avanço significado no Brasil em razão da instituição do Susp (Sistema Único de Segurança Pública). O Estado tomou como exemplo o SUS (Sistema Único de Saúde), onde os três níveis federativos atuam de forma integrada. O Susp foi bem estruturado do ponto de vista que trabalha com as ferramentas de que cada ente federativo possa cumpri o seu papel de enfrentamento de uma criminalidade que é muito elevada no Brasil, mas, sempre, tendo a coordenação sendo feita pela União porque temos um país de dimensões continentais. Por outro lado, o papel de financiar as políticas públicas com recursos das loterias.
O senhor diria que em muitas dessas ações a polícia tem equipamentos analógicos enquanto o crime é organizado e está munido de aparatos digitais e ações cibernéticas?
O sistema prisional brasileiro tem um problema muito grave que limita a atuação das forças de segurança, A superpopulação carcerária - e é bom lembrar que nós temos a terceira maior população carceraria do planeta é um desses pontos. O que ocorre é que muitas vezes você tem um bom aparato repressivo e que encarcera agentes da criminalidade, mas com uma superpopulação que muitas vezes não trás as condições suficientes para se pensar num processo de ressocialização. Esses fatores dificultam a ação estatal para ter unidades de máxima segurança, que possa ter um isolamento de presos de alta criminalidade, e evitar essa comunicação que é deletéria e que precisa de um debate amplo na sociedade e entre os três níveis federativos. Tem que ser enfrentada, sem dúvida, e bloqueada porque é impensável que de dentro dos presídios a população carcerária, por essas lideranças de facções criminosas, continue a dirigir e articular o crime para além dos muros das penitenciárias.
Estudos apontam, assim, usando uma linguagem popular, que o Brasil prende mal? É fato ou lenda que tem muito ladrão de galinha dentro dos presídios - alguns deles estão lá por dois, três anos aguardando uma audiência de custódia. Por outro lado, outros criminosos de elevada periculosidade estão livres. Serelepes, amedrontando a sociedade?
O que temos visto é a criminalidade com ações virtuais e o Estado que ainda tem dado respostas analógicas. Resolver essas distâncias é uma das prioridades para aumentar nossa capacidade operacional e estrangular patrimonialmente a criminalidade organizada para que a gente possa enfrentar essa criminalidade que é bem estruturada e, muitas vezes, de dentro dos presídios brasileiros. Isso, sem dúvida, assusta a população brasileira. Por isso essa dicotomia entre crime virtual e Estado analógico. É preciso vencer essa distância e estamos dando passos importantes nessa direção.
Tomando por base esse seu argumento, secretário, por que o Estado brasileiro não consegue agir para bloquear ligações que partem de dentro de quase todos os presídios?
É inegável que, como afirmei anteriormente, temos uma população carcerária que é muito além daquilo que os presídios do país têm condições de acolhimento. Isso é fato. Há, também, um descompasso de atuação na Justiça Criminal e aí é importante lembrar que o Pacto pela Vida em Pernambuco que, com toda a necessidade de aperfeiçoamento, ainda é o melhor processo de atual hoje no Brasil. E eu me lembro muito bem como é importante quando o governador fica na cabeceira da mesa liderando o processo na integração da atuação da Polícia Militar com a Polícia Judiciária que é quem faz a investigação. Esses processos precisam ser bem instruídos com atuação da perícia forense que seja moderna, equipada tecnologicamente, que possa cumprir bem o seu papel. O que acontece é que muitas vezes não há uma atuação sinérgica que possa ter processos bens instruídos, que resultem em denúncias tecnicamente qualificadas. É por isso que muitas vezes se exploram falhas nas instrução processual e, claro, há também uma insuficiência do aparelho de Estado para dar curso a um volume muito grande de processos.
São esforços empregados de forma desproporcional, o senhor diria?
É evidente que você tem que gastar a energia das capacidades estatais para punir a criminalidade, os homicidas, os estupradores, os latrocidas, os sequestradores. Todos aqueles que praticam crimes graves, punir e responsabilizar proporcionalmente, todos esses infratores. Agora, vamos pegar os crimes patrimoniais. Às vezes a gente atribui pouco valor a crime patrimonial, mas um [telefone] celular, por exemplo, que para uma pessoa da classe média é um bem que pode ser substituído com certa facilidade, outra pessoa que não tem as mesmas condições financeiras emprestou a vida dele, durante anos para pagar um telefone, uma TV. E, hoje o Brasil é um dos países que mais tem smartphones. De modo que eu acho que a gente tem que gastar energia para inibir os crimes contra a vida, os crimes contra o patrimônio, também.
Uma importante demanda da sociedade é quanto à política de armas. Uma roda de conversa de amigos, um diálogo diante de uma xícara de café e estudos científicos mostram que basta haver uma série de atos violentos para se falar em reduzir a quantidade de armas em circulação. O que o governo Lula tem feito para provocar no cidadão a sensação de segurança? É possível?
No primeiro dia de governo, o presidente Lula assinou um decreto que limita a flexibilização inconsequente dessa política de armas decretada pelo governo anterior, que permitiu que parte dessas armas fosse parar mãos onde nunca deveriam ter ido parar que foi nas mãos do crime organizado. Vamos tomar como referência os CACs [caçadores, atiradores e colecionadores]. Você ter um CAC que usou a associação para ter acesso e ter a posse de uma arma que antigamente era de uso restrito - e passou a ser uso permitido - você tem verdadeiros arsenais. Esse é um dos motivos que temos assistidos tantos incidentes num bar, num restaurante. Eu não vou satanizar nem demonizar as atividade dos CACs, o que nós queremos é regulação dessa situação. E por isso que o recadastramento foi um sucesso. Quase 100% das armas que estavam registradas no Exército foram recadastradas na Polícia Federal. Agora, é importante descobrir por que razão alguém que tem uma arma escolhe não recadastrá-la. Ou ele não tem mais a arma ou ele quer evitar que o Estado acompanhe o que aconteceu com sua arma.
No tema da discriminalização das drogas, percebe-se que o Brasil deu importantes passos para fazer a diferença entre o usuário e o traficante. Qual é a ótica da Secretaria Nacional de Segurança Pública?
O usuário deve ser tratado sob a ótica de saúde pública, do quanto a dependência química em qualquer de suas vertentes deve ser enfrentada com políticas públicas que possam trabalhar com evidências, com políticas públicas que no mundo todo civilizado vêm funcionando. Nesse caso, eu acho que é uma questão eminentemente de saúde. E, reprimir as organizações [criminosas] que trabalham com o tráfico de droga porque esse sim é o mal que temos de combater enérgica e veementemente.
Falando da Segurança Pública em Pernambuco. O senhor disse, antes, que o Pacto pela Vida é importante experiência que, respeitadas as devidas diferenças regionais, poderia servir de modelo a outros estados. Como seria?
É uma experiência de 15 anos que teve efeitos benéficos. Negar esses efeitos é algo que não tem aderência naquilo que vimos nos últimos anos. Isso quer dizer que não tem que ter atualizações? Muito ao contrário, tenho certeza de que a governadora Raquel Lyra (PSDB) vai implementar um política de segurança. Tenho dialogado com a única secretária de segurança pública do país, a secretária [de Defesa Social] Carla Patrícia. É uma servidora pública como delegada federal, que já foi corregedora da SDS e agora, na condição de secretária, tenho certeza de que vai cuidar de, aprendendo com diversas experiências positivas que há pelo Brasil, realizar um importante trabalho à frente da SDS. Mas os fundamentos do pacto tenha ele o nome que tiver daqui por diante eles permanecem válidos. Porque políticas de segurança exigem interação, inteligência, cooperação, integração com esse binômio repressão qualificada e prevenção. E em se falando de prevenção, o Recife tem tido, com o Compaz [Centros Comunitários da Paz], uma experiência extraordinária de colocar em ambientes degradados da cidade equipamentos são a tradução do trabalho de prevenção: cultura, música, artes marciais, tudo junto para que a população sinta a presença do Estado. É o chamado urbanismo social. Afinal, segurança pública vai muito mais além do que é a ação policial, que é importante, é indispensável, mas ela é só parte de um processo de integração.
A Câmara dos Deputados, uma Casa que o senhor conhece bem, está nesse impasse para votação do projeto de lei das fake news. Há quem argumente que falta diálogo, outros advertem para a desarticulação na base aliada dos governo. Afinal, qual a importância de uma legislação nesse sentido?
É importante perceber que todas as atividades humanas têm controle, tem regulação. Se você vai vender remédio a farmácia tem uma regulação. Se você vai vender arma, tem uma regulação e, que foi flexibilizada, mas estamos fazendo uma regulação responsável. Se você vai vender qualquer tipo de serviço tem uma regulação. A Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] cuida da regulação sanitária. As agências reguladoras atuam nas áreas específicas, seja nas telecomunicações, energia elétrica, por isso a internet não pode ser um território de ninguém, onde essas plataformas que mobilizam milhões de pessoas mundo afora, monetizando os interesses dessas pessoas e sendo manipuladas por essa monetização. Isso afeta enormemente uma série de questões. Na pandemia você via as fake news sendo divulgadas a partir de figuras importantes da República como o primeiro mandatário do país [Jair Bolsonaro (PL)] que pregava que a vacina fazia mal, quando no mundo inteiro a Organização Mundial da Saúde (OMS) diante de uma pandemia estava respondendo de modo científico como deve ser. E nós estamos tomando por empréstimos essa questão das escolas porque foi através da internet que grupos de ultradireita, que grupos neonazistas, neofascistas estavam se articulando na deep web [zona da internet que não pode ser detectada com facilidade pelas ferramentas de busca] para estimular a violência nas escolas. Nós não podemos pensar nos códigos de uso das plataformas digitais, quando nós temos o episódio de Blumenau (SC) onde quatro crianças foram brutalmente assassinadas em manipulações que houve através da internet. Então há um dever de cuidado para essas plataformas. Do mesmo jeito que o governo não poderia olhar para isso e achar que isso é uma coisa normal. Quando passamos a monitorar essas redes e essas plataformas, foi aí que vimos o quando a internet pode potencializar esse ambiente. Quando fomos discutir com as plataformas nós dissemos que o código de uso de vocês não pode estar acima da Constituição e das leis do país, da soberania brasileira do ambiente sagrado das nossas escolas. De modo que essa regulação é necessária, é de alto interesse social.
Mas isso não é censura, secretário?
Claro que não. Censura é quando você inibe uma liberdade porque ela contém limites. Nós defendemos a liberdade de opinião, de imprensa porque defendemos a democracia. Agora aqueles que estão defendendo que não haja regulação na internet são os mesmos que atentaram violentamente contra os Poderes da República nos episódios do 8 de janeiro.