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Velhismo, ageísmo, idadismo ou etarismo: afinal, o que representam estes termos?

Neste mês em que são lembrados temas relacionados ao envelhecimento, em decorrência do Dia Mundial do Idoso (1º/10), pesquisador reflete sobre práticas e atitudes negativas em relação exclusivamente à idade avançada

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Publicado em 04/10/2020 às 14:01 | Atualizado em 04/10/2020 às 14:14
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"Muitas vezes, o corpo em processo de envelhecimento sustenta esse discurso anti-idade porque materializa nossos limites e capacidades", diz Rafael Moreira - FOTO: DIVULGAÇÃO

Por Rafael da Silveira Moreira
Pesquisador da Fiocruz Pernambuco
Docente da Área de Medicina Social - Faculdade de Medicina da UFPE

Poucas pessoas conhecem esses termos mas talvez várias já sentiram ou presenciaram. Idadismo ou etarismo referem-se à práticas e atitudes negativas em relação a alguma pessoa unicamente por conta de sua idade. No caso do velhismo ou ageismo, tradução adaptada do inglês Aging, que significa envelhecimento, refere-SE ao preconceito contra as pessoas idosas só pelo fato de serem idosas.
O envelhecimento é muito além das dimensões cronológicas e biológicas. Trata-se de uma construção sociocultural. Ou seja, a sociedade cria a forma como enxergar e tratar esse processo.

Muitas vezes, o corpo em processo de envelhecimento sustenta esse discurso anti-idade porque materializa nossos limites e capacidades. O corpo passa a ser visto como sabotador de nossos projetos e possibilidade.
O próprio conceito de envelhecimento já é cruel, pois o apresenta como um processo de deterioração e degradação progressiva, que tem como resultado a morte do organismo. Nesse sentido, a rejeição à figura do velho se mostra como uma rejeição a ideia da nossa própria finitude, despertando fantasias ligadas à morte.

Dessa forma, no intuito de vender uma promessa de rejuvenescimento e culto a estética corporal, a velhice como aproximação da finitude deve ser ocultada. Ou seja, a velhice é tratada como um desvio da norma, que tem as idades mais jovens como referências.

Nesse sentido, começamos a falar sobre normas. Sobre normatização dos valores. Sobre padronização de comportamentos. Sobre controle do que é o normal e do que é anormal, desviante. Do mesmo modo como temos no racismo um desvio da branquitude, no sexismo um desvio do falocentrismo, na homofobia um desvio da heteronorma, do heterocontrole, e no especismo um desvio da espécie humana, temos no ageismo um desvio da juventude.

Todo preconceito necessita de uma norma como referência para apoiar sua narrativa. A referência do racismo é o branco, do sexismo é o masculino, da homofobia é a heterossexualidade, do especismo é a espécie humana, e do ageismo é a juventude.

Agora imaginemos uma mulher, negra, homossexual e idosa? Reparem que já existe um preconceito entre duas pessoas brancas, sendo um jovem e a outra idosa. Contudo, esse preconceito é aumentado se outros desvios são adicionados.

Mas o que mais nos preocupa é que o ageísmo normalmente ocorre sem que haja uma consciência, controle ou intenção de prejudicar alguém. E essa ausência de intenção ou consciência se assenta sobre uma suposta invisibilidade social dos idosos que acabam sendo afastados da arena política, econômica e social, destituídos do protagonismo da própria autonomia.

Ainda não estamos acostumados com notícias de que alguém foi vítima de ageísmo, da mesma intensidade como vemos as notícias sobre racismo, machismo ou homofobia. Mesmo sendo o grupo de idosos um contingente cada vez mais maior, a teoria da invisibilidade social ajuda a naturalizar sua condição.

Banalizados pelos estereótipos da velhice e pelas atitudes paternalistas, os idosos acabam sendo vítimas do próprio percurso natural da vida. Como construção social, o idoso já entra no processo de envelhecimento com estes valores já erguidos em seu próprio inventário de valores morais. A naturalização ocorre porque muitas vezes o idoso, quando jovem, já enxergava a velhice carregada dos mesmos estereótipos que os jovens de hoje os enxergam.

O preconceito se manifesta por sentimentos de desdém ao envelhecimento e ao idoso, mesmo que disfarçado por piedade ou paternalismo, ou até mesmo por uma exagerada infantilização do tratamento ao idoso. Lembramos aqui sobre o desvio da norma que representa a velhice. Exemplo desse preconceito sutil é quando lemos alguma matéria sobre a beleza da mulher na terceira idade. É necessário destacar que se trata de uma mulher da terceira idade, pois representa um desvio da norma, que admite a beleza da mulher, sem nenhuma outra adjetivação, como sendo a beleza da mulher jovem.

E o mais cruel dos componentes é a discriminação, que representa a interdição da pessoa idosa de executar suas atividades ou se portar de forma livre de preconceitos e de estereótipos pelo simples fato de ser velho.
Por fim, associado ao paradigma neoliberal em fase de intenso alastramento mundial, o que se espera é o tratamento do envelhecimento e dos idosos como questões individuais. Ou seja, o sucesso ou o fracasso de um envelhecimento livre de um ageísmo depende unicamente do comportamento do indivíduo em não se distanciar da norma juvenil, como se fosse uma simples questão de escolha não querer ficar velho. Dessa forma, a culpa pelos danos sofridos pelo ageísmo é unicamente do indivíduo, e não da sociedade - e muito menos do Estado, que em nada concorrem para o progresso e mérito individual dos seus cidadãos.

Em apertada síntese, em uma sociedade cada vez mais individualista, seduzida pela promessa de sucesso como causa do esforço individual prescrita pelo modelo neoliberal, hipnotizada pelo fetiche instrumental do consumo independente de necessidade e de que a comunicação nas redes sociais são suficientes para todo tipo de julgamento moral, será necessária muita transvalorização dos valores do envelhecimento para que o ageísmo se transforme como um ato não mais invisível em nosso mundo.

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