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Esporotricose além dos gatos: número de casos em humanos tornou-se maior do que em felinos

Especialista diz que pandemia em queda levou à flexibilização do isolamento social, o que tem favorecido maior contato da população com gatos de rua, mais expostos a fungo

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Cinthya Leite

Publicado em 20/10/2021 às 10:44 | Atualizado em 20/10/2021 às 16:22
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Muitos casos de esporotricose causadas por arranhões de gatos e pelo contato com feridas contaminadas têm ocorrido em várias cidades do Brasil, o que demonstra a urbanização da esporotricose, micose que era praticamente exclusiva da zona rural. No Rio de Janeiro e em São Paulo, estudos têm relatado que a doença ganhou proporções epidêmicas.

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Em Pernambuco, observa-se uma crescente incidência da esporotricose em humanos, até maior do que em animais. Isso é atualmente uma preocupação importante para profissionais, pesquisadores e autoridades de saúde. Segundo dados parciais deste ano da Secretaria Estadual de Saúde (SES), os casos em humanos (173) já superam as confirmações da doença em animais (86) - a maioria em gatos. Em 2020, a predominância de casos em tutores e na população em geral também foi maior do que a ocorrência em animais: foram 260 confirmações de esporotricose em humanos e 130 em animais. O mesmo ocorreu em 2019: 421 em humanos; 287 em animais. 

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O Estado tem registrado casos da doença desde o fim de 2016, quando a SES implementou a vigilância da esporotricose com a notificação, diagnóstico laboratorial e oficinas de trabalho para definir diretrizes e fluxos com municípios da Região Metropolitana do Recife (RMR). Em 2016, o Lacen confirmou 38 casos em animas; em humanos, 13 casos. Desde então, os casos só fazem aumentar.  

Segundo o coordenador de Controle de Zoonoses da Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES), Francisco Duarte, a pandemia em queda, que levou à flexibilização do isolamento social, tem favorecido um maior contato da população com gatos de rua, que são mais expostos a fungo causador da esporotricose, em comparação com os felinos castrados e que vivem em domicílio.  

Para o homem, a transmissão da doença se dá por meio de unhadas (ou “arranhadura”). Os gatos infectados transmitem o fungo ao ser humano, mas também a outros felinos e a cães. A doença tem cura, mas o tratamento é de difícil acesso para os gatos, segundo Francisco Duarte. "Muito se acha que os gatos são os vilões, mas eles são tão sacrificados quanto o homem com esporotricose. Afinal, o animal se contamina com o fungo que vive naturalmente no solo. Quando os gatos brigam entre si, transmitem um aos outros. Em contato com o homem, ocorre a transmissão da doença. Nem todos os municípios estão organizados para oferecer o tratamento aos gatos. E no caso do homem com a doença, a unidade básica de saúde deve fornecer a assistência. O Estado fica responsável por tratar os casos mais graves, que exigem internamento", ressalta Duarte. 

Como é transmitida a esporotricose?

O fungo causador da esporotricose geralmente habita o solo, palhas, vegetais e também madeiras, podendo ser transmitido por meio de materiais contaminados, como farpas ou espinhos. Animais contaminados, em especial gatos, também transmitem a doença, por meio de arranhões, mordidas e contato direto da pele lesionada. No homem, a doença se manifesta na forma de lesões na pele, que começam com um pequeno caroço vermelho, que pode virar uma ferida. Geralmente estão presentes nos braços, pernas ou no rosto formando uma fileira de nódulos e feridas, afetando pele e vasos linfáticos próximos à lesão, mas pode também atacar ossos, pulmões e articulações.

Como é o diagnóstico e o tratamento da esporotricose?

Como pode ser confundida com outras doenças de pele, o paciente deve sempre procurar um dermatologista. O tratamento é baseado em antifúngicos tanto para humanos quanto animais, que em alguns casos, pode durar meses ou mais de um ano.

Por isso, é importante o diagnóstico no estágio inicial da doença. Já nos animais, as manifestações clínicas são variadas. Os sinais mais frequentes são lesões ulceradas na pele, geralmente com pus, que não cicatrizam e costumam evoluir rapidamente. O diagnóstico pode ser clínico (reconhecimento da lesão) ou laboratorial (identificação do fungo).

O diagnóstico em humanos é realizado pelo Laboratório Central de Pernambuco (Lacen-PE). Em animais, é feito pelo Laboratório de Endemias (Labend), unidade laboratorial vinculada ao Lacen-PE. O paciente deve ser encaminhado por um posto de saúde.

Quais os sintomas da esporotricose humana?

Os sintomas da esporotricose aparecem após a contaminação do fungo na pele. O desenvolvimento da lesão inicial é bem similar a uma picada de inseto, podendo evoluir para cura espontânea.

Em casos mais graves, por exemplo, quando o fungo afeta os pulmões, podem surgir tosse, falta de ar, dor ao respirar e febre. Na forma pulmonar, os sintomas se assemelham aos da tuberculose. Mas o fungo também pode afetar os ossos e articulações, manifestando-se como inchaço e dor aos movimentos, bastante semelhantes ao de uma artrite infecciosa.

As formas clínicas da doença vão depender de fatores como o estado imunológico do indivíduo e a profundidade da lesão. O período de incubação é variável, de uma semana a um mês, podendo chegar a seis meses após a inoculação, ou seja, a entrada do fungo no organismo humano.

Esporotricose em cães: entenda 

Os cachorros podem ter esporotricose, mas os gatos são muito mais afetados. Os cães adquirem uma forma de baixa virulência, e os gatos geralmente têm uma forma grave e disseminada da doença. Quando o profissional ou o cuidador tem contato com o gato, por meio de arranhões ou trato respiratório, ou com a pele contaminada, esse indivíduo pode adquirir a esporotricose zoonótica, transmitida por felinos. Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), não há relatos de transmissão de homem para homem e de cachorro para homem. A maioria dos relatos é de transmissão de gato para homem e de gato para cachorro. Especialistas admitem que a doença hoje é considerada a maior infecção por animais no mundo.

Atualmente, a esporotricose zoonótica (doença infecciosa de animais, geralmente transmissível ao ser humano) já é considerada uma hiperendemia em centros urbanos. "Hoje está praticamente em toda a Região Metropolitana do Recife. Os municípios estão bem atentos para fazer a notificação dos casos", destaca Francisco Duarte. A frequência de casos se deve à transmissão pelo contato com felinos doentes que são abandonados ou que vivem nas ruas. Gatos apresentam alto potencial de transmissão, pois os fungos estão presentes em grande quantidade no aparelho respiratório, por meio de secreções, e nas lesões cutâneas e de outros tecidos em casos mais graves.

Segundo a SBD, a transmissão pode ocorrer pelo contato com gotículas de secreção respiratória do gato afetado na fase inicial da doença, com a pele sadia, porém contaminada com o fungo, com as lesões no pelo, unhas, olhos, boca e patas, como também por meio de mordeduras ou arranhaduras de gatos doentes. Esses animais têm o costume de se esfregar e lamber uns nos outros, e esse comportamento colabora para a disseminação da esporotricose - não só entre eles, mas também entre gatos e humanos.

Quando a doença é detectada em fase inicial no gato, é possível que, após tratamento, o felino atinja a cura. "Mas se o animal morrer, ele deve ser cremado. Caso não, ele passa a ser fonte de contaminação (no solo, isso propagaria o fungo no meio ambiente)", frisa Duarte. Os felinos que vivem nas ruas e adoecem com o fungo também ficam sem atendimento, o que favorece a manutenção da esporotricose, já que essa condição faz com que o fungo se dissemine e contamine outros animais.

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