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Falta de verba suspende produção de fármaco para tratamento de câncer; sem iodoterapia, pacientes têm tratamento interrompido

Sem recursos, Instituto de Pesquisa em Energia Nuclear não consegue comprar insumos

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Cadastrado por

Cinthya Leite

Publicado em 27/10/2021 às 18:30 | Atualizado em 27/10/2021 às 18:38
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A medicina nuclear, uma especialidade médica que usa pequenas doses de material radioativo para a realização de exames e tratamentos em pacientes com câncer (como próstata, tireoide e neuroendócrino) e outras doenças, sofre uma grave crise de desabastecimento no Brasil. O Instituto de Pesquisa em Energia Nuclear (Ipen) está com a produção suspensa de todos os fármacos e de isótopos radioativos (como o iodo-131, usado no tratamento do câncer de tireoide) por falta de verbas que deveriam ser liberadas pelo governo federal. "A Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN) esclarece que, tal qual agiu de pronto quando da notícia de falta de verbas, também está em contato próximo, neste momento, com assessores do presidente da república para que se possa agilizar a liberação dos valores para o IPEN", diz, em nota, o presidente da SBMN, George B. Coura Filho. 

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O iodo radioativo 131 é indicado, para os pacientes com câncer de tireoide, após a cirurgia em que é retirada completamente a glândula. O procedimento é chamado de tireoidectomia total - depois dela, deve ser feita a iodoterapia. "Essa dose ablativa do iodo 131 tem como objetivo erradicar a doença residual que tenha ficado após a tireoidectomia total. A não oferta da iodoterapia pode ser prejudicial, pois pode facilitar a recidiva da doença e até metástase", explica o médico oncologista Rogério Brandão. Ele acrescenta que, após a iodoterapia, o paciente precisa fazer a reposição hormonal (feita diariamente por via oral, em comprimido) para o resto da vida. 

O depoimento do oncologista nos ajuda a explicar que a glândula tireoide absorve praticamente todo o iodo presente no sangue. Quando uma dose de iodo radioativo 131 é administrada, pode destruir a glândula tireoide e quaisquer outras células cancerígenas da tireoide, com pouco ou nenhum efeito colateral para o corpo. Assim, segundo Rogério Brandão, a iodoterapia pode ser utilizada para destruir qualquer tecido de tireoide que restou depois da cirurgia ou para eliminar o câncer disseminado para linfonodos.

O estudante Victor Guimarães, 24 anos, faz parte do grupo de pessoas que aguardam a realização da iodoterapia. "Descobri ter câncer de tireoide em agosto deste ano. No mês seguinte, fiz a cirurgia (tireoidectomia total) com esvaziamento cervical (remoção dos linfonodos próximos da tireoide). Tentei agendar a iodoterapia com a clínica indicada pelo plano, mas não consegui por causa da falta do iodo radioativo. A clínica reagendou para novembro, mas sem dar segurança de que teria o insumo", lamenta Victor, que também tentou realizar o procedimento no serviço público, que também não possibilitou a realização da terapia ainda este ano.

Em Pernambuco, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) informa que, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), apenas o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) realiza a iodoterapia. Em nota enviada pela assessoria de comunicação, a instituição informa que a falta do iodo radioativo é temporária. "A demora momentânea do tratamento com iodoterapia foi causado por um atraso, em âmbito nacional, do fornecedor da medicação. A situação está sendo normalizada aos poucos, conforme a entrega do material." No entanto, o Imip não informou prazos para retomar o procedimento. 

O médico endocrinologista Gustavo Caldas, que integra o Conselho Consultivo da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia/Regional Pernambuco (SBEM/PE), destaca que a falta do iodo radioativo, em todo o Brasil, também afeta o diagnóstico e o seguimento (acompanhamento dos pacientes após iniciado tratamento). "A falta desse insumo é muito ruim para todos, independe de serviço público ou privado.  principalmente para as pessoas que precisam passar pela iodoterapia. Além disso, em alguns casos, o iodo é necessário para a realização de exames, como uma cintilografia de corpo inteiro, para identificar se há metástase", frisa Gustavo.

Ele acrescenta que endocrinologistas têm sentido, no dia a dia, as dificuldades decorrentes da falta de iodo radioativo. "Somos a especialidade que está próxima ao paciente, pois definimos quem são os que precisam tomar esse insumo e em que dose. É difícil para as pessoas saberem que precisam do tratamento e não o têm. Em algumas situações, é preciso adiar o procedimento. Por isso, estamos numa força-tarefa na tentativa de solucionar o problema o mais breve possível", salienta Gustavo Caldas. 

Confira ofício da SBMN nº 03/2021 – Sanção Presidencial a PLN16/2021 e liberação de verba ao IPEN

"São Paulo, 14 de outubro de 2021

Ofício SBMN nº 03/2021

Assunto: Sanção Presidencial a PLN16/2021 e liberação de verba ao IPEN

Prezados colegas,

A SBMN manifesta seu mais profundo pesar e sua mais profunda preocupação com o que está ocorrendo em relação à Medicina Nuclear no Brasil, em especial em relação à falta de insumos radioativos.

Tão logo fomos avisados da falta de verbas pelo IPEN, mobilizamos profissionais e contatos para que se agilizassem os trâmites e para que, assim, se disponibilizasse verba extraordinária para o instituto. Sabidamente, a verba extraordinária liberada dentro do MCTI, que não dependia de aprovação do Congresso Nacional, era escassa e permitiu, como sabemos, a normalização do funcionamento do IPEN apenas nas semanas dos dias 04/10 e 11/10.

Verba adicional para o seu pleno funcionamento foi discutida em plenário no Congresso Nacional e aprovada, no dia 08/10/2021. Segundo o IPEN, a efetiva liberação desta verba depende de sanção presidencial e posterior publicação no Diário Oficial da União e somente desta forma estará autorizado a utilizar a referida verba.

Desta forma, ainda que o projeto de lei tenha sido, como dito anteriormente, aprovado no dia 08/10/2021, neste momento aguardamos a sanção do Excelentíssimo Presidente da República, senhor Jair Messias Bolsonaro, que dispõe de prazo legal de 15 dias para a efetiva sanção ou, eventualmente, veto parcial ou total ao projeto de lei.

A SBMN esclarece que, tal qual agiu de pronto quando da notícia de falta de verbas, neste momento também está em contato próximo com assessores do presidente da república para que se possa agilizar a liberação dos valores para o IPEN.

Nos colocamos à disposição para quaisquer esclarecimentos que possam ser necessários.

Atenciosamente,

George B. Coura Filho
Presidente da SBMN"

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