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Vírus presente em milhões de brasileiros pode causar doenças graves, alerta pesquisadora da Fiocruz Pernambuco

O HTLV é da mesma família do HIV. Ele pode causar mielopatia, doença neurológica degenerativa grave ou leucemia das células T, um câncer agressivo que pode ser fatal

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Cinthya Leite

Publicado em 09/11/2021 às 13:55 | Atualizado em 09/11/2021 às 14:09
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HTLV: esta é a sigla pela qual é conhecido o vírus linfotrópico da célula humana, da mesma família do HIV (causador da aids) e que infecta a célula T humana, um tipo de linfócito importante para o sistema de defesa do organismo. Silencioso, ele dá sinais em 5% a 10% das pessoas infectadas - e elas podem manifestar mielopatia, doença neurológica degenerativa grave ou leucemia das células T, um câncer agressivo que pode ser fatal.

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No mundo, há de 15 a 20 milhões de casos de HTLV. No Brasil, esse número fica entre 800 mil a 2,5 milhões, mas esse quantitativo é subestimado, já que muitas vezes o diagnóstico só ocorre na doação de sangue.

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Clarice Neuenschwander Morais coordena estudo sobre o HTLV - DIVULGAÇÃO

Sem vacina para prevenção ou medicação para tratamento do vírus (há apenas remédios para alívio dos sintomas), evitar a transmissão é hoje a melhor forma de controle da doença, de acordo com a pesquisadora Clarice Morais, da Fiocruz Pernambuco. Ela coordena um estudo que investiga a transmissão da doença de mães para bebês, que pode ocorrer na gestação, durante o parto e principalmente pela amamentação. Além da transmissão vertical (mãe/filho), considerada a principal forma de perpetuação do vírus, as outras formas de contágio são o compartilhamento de agulhas e seringas, a prática de sexo sem uso de preservativo, a transfusão sanguínea e de órgãos. 

HTLV em gestantes 

A pesquisa comandada por Clarice, intitulada Perfil epidemiológico do HTLV-1 em gestantes do Recife, padrão de transmissão na gestação e resposta imune celular entre mãe-bebê, tem como objetivo identificar a presença do vírus entre gestantes acompanhadas num único hospital do Recife, referência regional em saúde materna e neonatal. Para isso, estão sendo testadas amostras de sangue, de um biobanco de soro de 816 mulheres recrutadas de abril de 2017 a julho de 2018 no estudo de coorte sob coordenação do professor Malaquias Batista-Filho, do Grupo de Estudos Integrados de Nutrição e Saúde do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), colaborador da pesquisa.

IGO BIONE/DIVULGAÇÃO
Pesquisa revelou que uma gestante testou positivo para a presença de anticorpos anti-HTLV-1 e 2. Ela estava no segundo trimestre de gravidez, não tinha história anterior de aborto espontâneo e testou negativo para HIV ou sífilis - IGO BIONE/DIVULGAÇÃO

Na época, essas gestantes foram testadas para zika, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes, sífilis e HIV. Também responderam um questionário sobre questões de saúde e socioeconômicas. As amostras estão sendo submetidas a teste sorológico e, em caso positivo, passam por outro exame, o Western Blot, para confirmação do diagnóstico.

Os dados preliminares dessa pesquisa serão apresentados durante o webinar Dia Mundial do HTLV: Fórum Internacional Sobre Políticas de Saúde para a Eliminação do HTLV, que será promovido pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e pela HTLV Channel, em 10 de novembro, no modelo remoto.

Entre as 240 amostras já testadas, um terço das gestantes estava com peso normal e 50% com sobrepeso ou obesidade. A maioria (60%) estava no segundo trimestre de gravidez e 25% tiveram um aborto anterior. Já 77% tinham entre 20 e 35 anos; 50% não trabalhavam e tinham renda familiar inferior a meio salário mínimo. Uma gestante testou positivo para a presença de anticorpos anti-HTLV-1 e 2. Ela estava no segundo trimestre de gravidez, não tinha história anterior de aborto espontâneo e testou negativo para HIV ou sífilis.

As mulheres positivas para HTLV terão seus filhos, companheiros e mães testadas. Os casos serão acompanhados no ambulatório do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), no bairro de Santo Amaro, área central do Recife. A instituição é referência para pacientes com esse vírus e parceira da Fiocruz Pernambuco no estudo. "Embora tenhamos avanços recentes no Brasil, como a criação de protocolo clínico para os casos de HTLV, em julho deste ano, ainda há muito a melhorar no controle da doença em nosso país”, destaca Clarice Morais.

A pesquisadora acrescenta que, com a infecção na infância, o risco de surgir doenças associadas é maior. "Por isso, a prevenção e controle desse vírus entre essa população é de grande importância para diminuir o número de casos e das doenças associadas. Nossos resultados poderão subsidiar a implantação de uma política nacional de triagem pré-natal e transmissão vertical do HTLV", acrescenta. No Japão, a triagem do HTLV durante a gestação ajudou a reduzir de 20% para 2,5% os casos do vírus entre a população.

Mais pesquisas sobre o HTLV 

Clarice desenvolve outros dois estudos relacionados ao HTLV em colaboração com a pesquisadora Cristiane Bressani, na Fiocruz Pernambuco. A primeira, in vitro, investiga o que leva 5% dos portadores do vírus a desenvolverem a doença neurodegenerativa, simulando no laboratório como a nossa barreira hematoencefálica reage a infecção do HTLV. O estudo tem a colaboração da Universidade de Pernambuco e das universidades federais da Paraíba, Pará, Minas Gerais e do Triângulo Mineiro. A segunda analisa os marcadores epidemiológicos de prevalência do HTLV em cinco capitais brasileiras (Manaus-AM, Palmas-TO; Teresina–PI; João Pessoa-PB e Recife-PE). É coordenada localmente por Clarice Morais. O coordenador-geral é o professor Antônio Vallinoto, da Universidade Federal do Pará.

Maranhão, Pará, Bahia e Pernambuco são os Estados com maior prevalência desse vírus no Brasil. Para ajudar a difundir o conhecimento sobre ele, assim como esclarecer e educar sobre o assunto, a equipe de pesquisadores da Fiocruz Pernambuco criou o perfil @HTLVBrasil no Instagram.

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