"É completamente incerto", diz vice-diretor da Opas ao avaliar o comportamento da ômicron no Brasil
"Pessoas vacinadas estão, claro, bem mais protegidas de formas graves e mortes por covid-19, mas mesmo essas pessoas imunizadas podem transmitir o vírus", alerta Jarbas Barbosa
Vice-diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o médico sanitarista e epidemiologista Jarbas Barbosa conversa com Cinthya Leite sobre as dúvidas que ainda acompanham a ômicron e a possibilidade de a nova variante ser a forma dominante da covid-19. "Vale chamar a atenção de que só a vacinação não é capaz de evitar completamente a transmissão. Pessoas vacinadas estão, claro, bem mais protegidas de formas graves e mortes por covid-19, mas mesmo essas pessoas imunizadas podem transmitir. Por isso, é importante que cada um se vacine, tome todas as doses recomendadas e que a gente mantenha as medidas de saúde pública", diz.
JORNAL DO COMMERCIO - Com base no que se conhece atualmente sobre a variante ômicron, podemos dizer que devemos nos preparar para uma grande onda de covid-19 decorrente dessa nova cepa?
Jarbas Barbosa - Toda variante de preocupação precisa ser bem avaliada para que a gente analise o impacto que ela pode dar em três dimensões. Um delas é a velocidade de transmissão. Há estudos ainda sendo realizados, mas mais parece que a ômicron tem maior potencial de propagação do que a delta, assim como a delta tinha maior velocidade em relação às variantes anteriores. O segundo ponto é que precisamos avaliar se ela tem mais capacidade de produzir casos graves, e isso ainda não está estabelecido. Em terceiro lugar, devemos considerar o impacto que a ômicron pode ter em relação à diminuição da proteção oferecida pelas vacinas atuais. Isso também esta sob estudo. Há várias pesquisas, diferentes modelos, sendo analisados, principalmente na África do Sul, onde a ômicron já é a variante dominante. No resto do mundo, a dominante ainda é a delta. Enquanto fazemos toda essa análise, o que precisamos ter em mente? Ponto número um: a pandemia não acabou. Para quem acha que a pandemia ficou para trás, está aí a ômicron para mostrando que não. Ainda há outras variantes que podem surgir para provar que não acabou. Outro detalhe é que é importante avançar com a vacinação. Na pior hipótese, se a ômicron reduzir um pouco a capacidade das vacinas, elas ainda protegem contra a delta, que é a variante dominante hoje, e vão continuar muito provavelmente a reduzir casos graves e mortes pela ômicron.
JC - Pelo menos no Brasil, a ômicron chega num momento de relaxamento das medidas restritivas. Então, qual deve ser a conduta da população em geral e das autoridades de saúde?
Jarbas Barbosa - Devem ser continuadas medidas de saúde publica. O uso de máscara reduz a transmissão de qualquer variante: ômicron, gama, beta, alfa. E mais: precisamos continuar evitando lugares fechados e aglomerações, sem deixar de lado a higienização das mãos e a vacinação. Tudo isso forma o caminho que pode nos preparar melhor.
JC - No Brasil, a delta não foi tão expressiva como foi na Europa e nos Estados Unidos. A ômicron pode ter esse mesmo comportamento no nosso País?
Jarbas Barbosa - É completamente incerto; não podemos fazer previsões. A delta produziu a quarta onda na Europa e outra bastante expressiva nos Estados Unidos. Mas, no Brasil e na América do Sul, a delta não foi capaz de desencadear um desenvolvimento importante da transmissão. Há várias hipóteses que podem explicar por que isso aconteceu. Entre elas, está a combinação do aumento da vacinação com a circulação prolongadíssima que nós tivemos da gama na América do sul. Isso pode ter garantido, a uma grande parte da população, uma proteção, não observada nos países da Europa, onde não houve transmissão prolongada da gama. Na Europa, quando a gente olha os gráficos, observamos algo como 'V' invertido: quando a onda crescia, os países tomavam medida de lockdown e, após três semanas, os casos começavam a descer. No Brasil, na América Latina, nós passamos meses com milhares de mortes diárias porque as medidas de contenção não eram tão efetivas. Isso é uma hipótese. Acredito que vale chamar a atenção de que só a vacinação não é capaz de evitar completamente a transmissão. Pessoas vacinadas estão, claro, bem mais protegidas de formas graves e mortes por covid-19, mas mesmo essas pessoas imunizadas podem transmitir. Por isso, é importante que cada um se vacine, tome todas as doses recomendadas e que a gente mantenha as medidas de saúde pública. Enquanto houver transmissão comunitária do coronavírus, a mascara é fundamental, assim como evitar aglomerações e lugares fechados. Tudo isso tem que fazer parte da nossa rotina, até que a transmissão esteja completamente controlada.