Consulta pública do governo federal teve maioria contra prescrição médica para vacinar crianças
Governo federal deu início a uma audiência pública sobre o tema nesta terça-feira (4), em Brasília
Atualizada às 16h38
Na audiência pública realizada pelo Ministério da Saúde nesta terça-feira (4), a pasta apresentou os resultados da consulta pública sobre a vacinação contra a covid-19 em crianças dos 5 aos 11 anos. De acordo com o governo, a maioria dos respondentes teve posicionamento contrário sobre a necessidade de prescrição médica para realização da imunização.
De acordo com a secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 do Ministério da Saúde, Rosana Leite de Melo, até o domingo (2), quando findada a consulta, 100 mil pessoas haviam enviado digitalmente contribuições ao governo federal.
"Tivemos 99.309 pessoas que participaram neste curto intervalo de tempo em que o documento esteve para consulta pública, sendo que a maioria se mostrou concordante com a não compulsoriedade da vacinação e a priorização das crianças com comorbidade. A maioria foi contrária à obrigatoriedade da prescrição médica", adiantou Rosana.
Antes mesmo do início da audiência pública, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou que a "vacinação não tem relação com aula" ao comentar se o esquema de imunização de crianças de 5 a 11 anos seria finalizado antes do início do ano letivo. De acordo com o chefe da pasta, as doses pediátricas da Pfizer devem chegar ao Brasil na semana do dia 10 de janeiro e de pronto serem distribuídas. O governo federal, no entanto, ainda não apresentou o plano de imunização para as crianças.
Especialistas alertam que o prazo é curto e as crianças deveriam ser totalmente vacinadas antes do começo das aulas presenciais. Na maioria dos Estados, o ano letivo começa em fevereiro. Na visão dos epidemiologistas, as crianças vão voltar às aulas apenas com a primeira dose aplicada, ou seja, sem a imunização completa.
Queiroga disse que é preciso "parar de criar espuma em relação a questões que são secundárias" no enfrentamento da pandemia da covid-19. "Vacinação não tem relação com aula. Inclusive, a Unicef já apontou isso, a ONU (Organização das Nações Unidas), a Organização Mundial de Saúde", afirmou o ministro, sem detalhar a informação.
Questionado se a vacinação não seria uma forma de garantir uma segurança maior para as crianças, o ministro reagiu. "Você leu o estudo que saiu publicado no New England Journal of Medicine sobre a vacina de 5 a 11 anos? Tem que ver. Lê uma consulta pública, lê o documento que está lá", afirmou.
"Se a gente vai tomar as decisões baseado em estudos randomizados, em ciência de melhor qualidade ou se toma só baseado em opinião de especialista. Às vezes, são especialistas que não são tão especialistas assim."
Desde o dia 16 de dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já liberou a aplicação de doses da Pfizer em crianças dos cinco aos 11 anos. Justamente por esse motivo, a Anvisa não participou da audiência pública desta terça-feira.
Pernambuco
Até o fim do mês de dezembro, 20 estados, incluindo Pernambuco, já haviam deixado claro não exigir prescrição médica para vacinação contra a covid-19 nas crianças.
"A vacina é segura, foi aprovada pela Anvisa e vai proteger nossos pequenos. É simplesmente inacreditável que, um ano depois, o governo federal tente pela segunda vez desacreditar vacinação. Para eles, mais de 600 mil vidas perdidas ainda não foi suficiente", afirmou Paulo Câmara.
Audiência pública sobre vacinação de crianças
A audiência pública sobre a vacinação de crianças contra a covid-19 contou nesta terça-feira (4) com a participação de médicos que já espalharam informações falsas sobre a doença, os remédios e a vacina. O evento não teve a presença de representantes da Anvisa, que autorizou a aplicação do imunizante no mês passado.
A agência foi convidada, mas decidiu não participar. "(A Anvisa) encaminhou um e-mail ao Ministério da Saúde e informou que o parecer da agência é público e que não irá agregar ao debate, por isso, não há representante da Anvisa aqui", informou a Saúde no início da audiência.
Em transmissão ao vivo em sua rede social no começo da audiência, Bia Kicis relatou ter convidado os médicos Roberto Zeballos, José Augusto Nasser e Roberta Lacerda, contrários à imunização de crianças, para falar no encontro.
Em agosto, o Projeto Comprova mostrou que Zeballos fez diversas afirmações incorretas sobre a covid-19 em vídeo no Instagram. Hoje, ele tem mais de 390 mil seguidores. Na ocasião, o médico minimizou a importância da variante Delta ao escrever que ela era "pouco agressiva".
Zeballos também errou ao dizer que as vacinas disponíveis até aquele momento não funcionavam contra a Delta. É verdade que os imunizantes foram desenvolvidos quando a variante ainda não circulava, mas eles são, sim, eficazes contra a variante, segundo especialistas.
Procurado, Zeballos afirmou na época ter sido "o primeiro brasileiro a entender o mecanismo da doença" e declarou que "não tem sentido você vacinar com uma vacina que não é livre de riscos - todo mundo sabe disso - nas pessoas que já tiveram a doença", mas, completou que "talvez as pessoas tenham o benefício de ter uma doença mais leve". O Comprova considerou a publicação do médico enganosa porque ele usa dados incorretos ou imprecisos sobre a variante Delta e sobre a vacinação.
Zeballos falou na audiência pública desta terça por cerca de dez minutos e repetiu a versão de que a vacina "gerou uma resposta imunológica de 95%" para a "cepa anterior" que não está mais circulando. Referiu-se ao imunizante contra a covid como "vacina emergencial", ignorando o fato de que a Pfizer tem o registro definitivo das doses contra a doença. O médico pediu ainda respeito à "ciência da observação".
Renato Kfouri, representante da Associação Médica Brasileira (AMB), chamou atenção para a importância de não se aderir a "teorias da conspiração". "Eu quero tranquilizar as famílias, os pais que estão aqui. Se a gente acreditar em teorias conspiratórias, que os órgãos internacionais querem matar nossas crianças, agem de má fé, querem colocar em risco a vida dos nossos filhos, fica realmente uma discussão muito desqualificada em termos de nível de entendimento."
Em outra checagem, o Projeto Comprova também apontou que a médica Roberta Lacerda tirou dados de hospital israelense de contexto ao acusar o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos de mentir sobre infecções em não vacinados. A postagem circulou em agosto do ano passado. O Comprova classificou o conteúdo como enganoso porque ele retira informações de contexto e as utiliza de modo a confundir.
Prescrição médica é inviável, diz representante de secretarias
A representante do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) na audiência, Kandice Falcão, afirmou que a entidade é "extremamente contra a exigência de prescrição médica para vacinação de crianças". Ela lembrou que os municípios estão enfrentando uma epidemia de arboviroses (como dengue e chikungunya, por exemplo), surtos de influenza e problemas decorrentes de alagamentos e enchentes.
"Não dá, não dá mesmo", disse. "Em se tratando de saúde pública, isso é completamente inviável. Os profissionais de saúde estão sobrecarregados por conta da alta demanda de atendimento desde o início da pandemia."
Kandice Falcão pontuou que há municípios no País que têm apenas uma Unidade Básica de Saúde (UBS) para fazer todos os atendimentos. A representante do Conasems citou o esgotamento físico e mental dos profissionais de saúde e afirmou que em janeiro cerca de 30% dos funcionários do Sistema Único de Saúde (SUS) saem de férias, o que pode dificultar o trabalho.
"É muito complicado, é extremamente inviável e isso dificulta muito a exigência de prescrição médica em plena campanha de vacinação. A gente ainda está fazendo dose 2, dose de reforço e iniciar uma vacinação de criança é uma campanha", disse.
A audiência pública recebeu perguntas por meio de WhatsApp. Questionada sobre o imunizante da Pfizer, a diretora-médica do laboratório, Marjori Dulcine, afirmou que "a coisa mais importante para esclarecer neste momento é que a vacina não é experimental". "Ela já foi aprovada pela Anvisa", ressaltou.