Superfungo no Recife: no Hospital da Restauração, Anvisa confirma 3º surto de Candida auris no Brasil
A identificação foi confirmada pelo Laboratório Central de Saúde Pública Prof. Gonçalo Moniz, o Lacen da Bahia
*Reportagem atualizada às 18h05 com nota da Secretaria de Saúde de Pernambuco
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) faz um alerta de risco para informar sobre o terceiro surto de Candida auris (uma levedura, tipo de fungo, que pode causar infecções em seres humanos e é resistente a medicamentos) no Brasil. O caso, confirmado na terça-feira (11/1), foi registrado no Hospital da Restauração (HR), no Derby, área central do Recife. Ainda há, na capital pernambucana, mais dois casos suspeitos, que estão em investigação laboratorial. A agência destaca que a Candida auris é um fungo emergente que representa uma séria ameaça à saúde pública. Ele pode causar infecção de corrente sanguínea e outras infecções invasivas, podendo ser fatal, principalmente em pacientes imunodeprimidos ou com doenças crônicas.
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Além do Recife, a cidade de Salvador já registrou dois surtos provocados pelo superfungo em hospitais: um em 2020 e outro em 2021. "Mas é possível que já houvesse circulação silenciosa de Candida auris antes. Claro que agora a gente vai vasculhar e acompanhar hospitais de grande porte que tenha unidades de terapia intensiva (UTI) nas duas cidades (Recife e Salvador) e ver relatórios para identificação de Candida, a fim de analisar se há ou não o fungo fora dos hospitais onde este agente já foi identificado", diz o infectologista Arnaldo Lopes Colombo, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e referência nacional em contaminação com fungos.
No início da noite, a Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES) enviou nota à imprensa para detalhar os casos (o confirmado e dois suspeitos) de Candida auris. De acordo com a pasta, os três pacientes não apresentaram sinais relacionados à infecção pelo superfungo, mas tiveram quadro sugestivo de colonização (um deles teve confirmação). A diferença entre ambas as condições é que a colonização indica que o paciente está com o fungo, mas não apresenta infecção - e esta ocorre quando há presença de Candida auris na corrente sanguínea.
"Um exame de urina do homem de 38 anos levantou a suspeita do micro-organismo e, por isso, a amostra foi encaminhada para o Laboratório Central de Saúde Pública da Bahia (Lacen-BA), que confirmou a presença do fungo na última segunda-feira (10). Outros dois casos estão em investigação", diz, em nota, a SES.
O paciente de 38 anos, que teve resultado laboratorial positivo para Candida auris, foi atendido no HR, no dia 21 de novembro do último ano, na emergência de traumatologia, e evoluiu para a cura. A alta aconteceu no dia 30 de dezembro. "Frisa-se que o atendimento no HR foi por outra causa, e que o homem estava colonizado pelo fungo. Ou seja, foi feita a identificação da suspeita do micro-organismo por meio de um exame de rotina no hospital. Contudo, não havia infecção provocada por ele", esclarece a SES.
O infectologista Flávio de Queiroz Telles Filho, coordenador do Comitê de Micologia da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), explica que a Candida auris ocorre como infecção hospitalar, que pode causar casos graves de septicemia (condição de resposta exagerada a uma infecção, seja por bactérias, fungos ou vírus) ou apenas colonizar a pele de pacientes. "Mas ela facilmente se mantém dentro de hospitais onde é detectada. É muito difícil de ser erradicada", frisa.
Já um dos casos suspeitos é uma mulher de 70 anos, que foi assistida no HR. A hipótese levantada é que ela também estaria colonizada pelo fungo. O caso está em análise laboratorial. Ela chegou ao HR no dia 24 de novembro e estava em UTI. Teve o exame sugestivo para o fungo no dia 30 de dezembro e faleceu no último dia 5, de acordo com a SES, em decorrência de agravamento de hemorragia no crânio e complicações pela ventilação mecânica. "No momento, aguarda-se o resultado da análise laboratorial do Lacen-BA para confirmar ou descartar a suspeita", informa a SES.
O terceiro caso suspeito é de um homem de 46 anos, também admitido pela emergência de trauma do HR, no dia 13 de dezembro. Ele estaria colonizado pelo fungo, permanece em UTI e, segundo a SES, sem sintoma relacionado à infecção. O resultado do exame laboratorial sugestivo da unidade hospitalar saiu na última terça (11). Essa amostra será encaminhada para o Lacen-BA.
A Anvisa diz que recebeu, no último dia 3 de janeiro, notificações referentes a dois casos possíveis de Candida auris em pacientes internados no HR. As amostras de urina do paciente de 38 anos e da paciente de 70 anos foram enviados para os Laboratórios Centrais de Saúde Pública de Pernambuco (Lacen/PE) e da Bahia (Lacen/BA) - este último fez a identificação do agente infeccioso.
De acordo com o infectologista Filipe Prohaska, o maior problema relacionado ao fungo Candida auris é que esse agente infeccioso é multirresistente a diversos medicamentos antifúngicos. "É um micro-organismo exclusivamente hospitalar", diz o médico, que se preocupa com o potencial agressivo desse fungo. Estudos apontam que até 90% dos isolados de Candida auris são resistentes às seguintes medicações: fluconazol, anfotericina B ou equinocandinas. Outro motivo de preocupação é que a Candida auris pode permanecer viável por longos períodos no ambiente (semanas ou meses) e
apresenta resistência a diversos desinfetantes, inclusive os que são à base de quaternário de amônio.
O infectologista Arnaldo Lopes Colombo explica que o tratamento da Candida auris é feito com antifúngico. "O único problema é que é um micro-organismo com capacidade de persistir no ambiente hospitalar por muito tempo. Se não forem instituídas medidas de desinfecção adequada, o fungo pode colonizar esses pacientes por tempo prolongado e se tornar resistente a medicações", alerta o médico.
Segundo a Anvisa, o laboratório realizou as análises das amostras dos pacientes do Recife utilizando o Maldi-Tof (Matrix-Assisted Laser Desorption Ionization Time-of-Light), um método que usa ionização para diagnosticar, de maneira rápida e eficaz, as proteínas de uma bactéria ou fungo.
A agência assegura que, desde a identificação do caso suspeito, o hospital estabeleceu as medidas de precaução e adotou ações para prevenção e controle do surto. A Coordenação Estadual de Prevenção e Controle de Infecção de Pernambuco foi notificada do caso suspeito, realizou visita técnica ao hospital e está prestando orientações, monitorando o surto e apoiando as ações de prevenção e controle de infecção.
Os outros dois surtos no Brasil
O primeiro caso positivo de Candida auris no Brasil foi notificado à Anvisa no dia 7 de dezembro de 2020, isolado em uma amostra de ponta de cateter de paciente internado em unidade de terapia intensiva (UTI) de um hospital de Salvador, na Bahia. Esse foi o primeiro paciente de um surto com 15 casos e duas mortes.
Já em dezembro de 2021, a Anvisa recebeu a notificação de outro surto de Candida auris, também em Salvador, em hospital da rede pública. A amostra analisada era de urina de um paciente do sexo masculino e foi enviada ao Lacen/BA, que confirmou a identificação do fungo no dia 14 de dezembro, utilizando a pela técnica Maldi-Tof. O sequenciamento foi realizado pelo Laboratório Especial de Micologia da Escola Paulista de Medicina (Lemi-Unifesp).
Assim, a confirmação da identificação de Candida auris, no Hospital da Restauração (HR), no Recife, representa o terceiro surto no Brasil.
Força-tarefa
Para o enfrentamento do surto de Candida auris no Recife, uma força-tarefa nacional foi acionada. Várias ações de vigilância, monitoramento, prevenção e controle foram intensificadas. Essa força-tarefa é composta pela Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa), pela Coordenação Estadual de Prevenção e Controle de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (Iras), pelo Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs) – Nacional, Pernambuco e Recife, pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica de Pernambuco, pela Coordenação Geral de Laboratórios de Saúde Pública da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (CGLAB/SVS/MS), pelo Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco (Lacen-PE), pelo Laboratório Central de Saúde Pública da Bahia (Lacen-BA), pelo Laboratório Especial de Micologia (Lemi) da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), por especialistas em prevenção e controle de infecção e micoses sistêmicas e pela Gerência de Vigilância e Monitoramento em Serviços de Saúde (GVIMS), que integra a Gerência-Geral de Tecnologia em Serviços de Saúde (GGTES) da Anvisa.
A investigação epidemiológica já está sendo organizada e será conduzida pelos Centros de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Cievs) e pelo EpiSUS (Epidemiologia Aplicada aos serviços do Sistema Único de Saúde – SUS).
A CGLAB está acompanhando e apoiando a investigação laboratorial do surto. Os laboratórios de referência (unidades do Lacen de Pernambuco e da Bahia) estão apoiando as análises das amostras enviadas pelo laboratório do hospital. O Laboratório Especial de Micologia (Lemi) da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) já está se preparando para o sequenciamento dos isolados. A Anvisa está acompanhando as ações relacionadas ao surto, articulando-se com os envolvidos e apoiando as ações da força-tarefa nacional.
Ao fazer o alerta, a Anvisa orienta que os laboratórios de microbiologia intensifiquem a vigilância laboratorial para a identificação do fungo Candida auris, conforme descrito na Nota Técnica 11/2020. Diante de um caso suspeito ou confirmado do fungo, a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) do serviço de saúde deve ser informada, a fim de cumprir as recomendações da Nota Técnica 11/2020 sobre o encaminhamento da amostra ao Lacen.