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No Hospital da Mulher do Recife, gestantes vivenciam "cenário de guerra" com a falta de médicos obstetras e superlotação

Presidente do Simepe diz que, para plantonistas, a situação do hospital é de "casa dos horrores"

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Cinthya Leite

Publicado em 10/02/2022 às 19:46 | Atualizado em 10/02/2022 às 19:57
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Primeira unidade de saúde de grande porte construída pela gestão municipal, em 2016, o Hospital da Mulher do Recife (HMR), no bairro do Curado, Zona Oeste da cidade, vive atualmente o ápice de um caos na assistência à saúde que se arrasta há meses. A carta de intenção de desligamento de mais 30 obstetras plantonistas, encaminhada à gestão do HMR na segunda-feira (7) pelo Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe), simboliza um pedido de socorro de profissionais cuja missão de cuidar está estremecida em meio a uma carga excessiva de trabalho e pressão imposta pela escala defasada de obstetras, além da falta de materiais para realizar os atendimentos. 

"Este ato de entrega de cargos não é confortável para ninguém. É importante deixar claro que essa não foi uma ação intempestiva. Não restou alternativa. Para se ter ideia, em junho de 2021, fomos procurados pelos médicos, que já estavam numa situação de sobrecarga porque faltam obstetras para as escalas de plantão", diz a presidente do Simepe, Claudia Beatriz, que é médica obstetra. Ela relata que houve tentativas para mudar essa cenário, com a abertura de editais para contratar mais médicos. "Mas não logrou êxito", afirmou Claudia, ao falar que não houve adesão dos profissionais a uma seleção feita em outubro do último ano. 

Em dezembro de 2019, o HMR abriu a ala de parto de alto risco e, naquela ocasião, ampliou a capacidade para 500 partos por mês. Assim, a capital pernambucana tornou-se o primeiro município do Estado a ter um serviço de alto risco nas especialidades de ginecologia, obstetrícia e neonatologia. A questão é que, para dar conta dessa responsabilidade, é necessário manter um quadro clínico capaz de qualificar, organizar a assistência às gestantes, dar qualidade ao atendimento e ajudar a desafogar a expressiva sobrecarga de outras maternidade da capital. Mas nada disso tem ocorrido, segundo relatos dos médicos e dos órgãos de classe.

Infelizmente, esse cenário apaga a imagem de humanização, cuidado e acolhimento associada ao HMR desde que foi criado. "São realizados, por mês, 600 procedimentos, incluindo partos, histerectomia e curetagem. É um volume muito grande para as equipes de plantão, que deveriam ter pelo menos cinco obstetras", informa Cláudia Beatriz. Muitas vezes, contudo, há só três ou quatro médicos, porque sempre há uns que desistem do plantão, outros que adoecem e uma parte que entra de férias. "Para virar essa chave, é preciso empenho da gestão municipal para que as pessoas se sintam confortáveis com o trabalho no hospital." A presidente do Simepe diz que foi solicitado que, para cada plantão, sejam contratados seis plantonistas. Ela diz que esse é o número mínimo de obstetras para dar conta dos blocos cirúrgicos, da triagem, dos internamentos e das intercorrências que ocorrem no serviço. 

Uma médica que trabalha no HMR, ouvida pela reportagem do JC e que não quis se identificar, conta que os colegas não estão aguentando a sobrecarga. "Os plantões estão, em sua maioria, com três obstetras. É difícil dar conta da demanda com esse quadro. Sou de outro setor do hospital e até me inscrevi para a próxima seleção voltada aos obstetras plantonistas. Mas, diante do que ocorre, acredito que vou desistir. Faltam condições básicas de trabalho. A gestão não está conseguido colocar seis plantonistas e, para quem fica, a situação está complicada."

Ela acrescenta que, com a superlotação, pacientes ficam sem atendimentos adequados. "Há dia de se ter de 20 a 30 mulheres na triagem. Temos que escolher quem vai para o bloco cirúrgico. Infelizmente, com isso, acontecem desfechos ruins. E há muita coisa em falta, como capote, jaleco e imunoglobulina (injeção que deve aplicada em gestantes com grupo sanguíneo Rh negativo em situações específicas, como bebê provavelmente Rh positivo)", acrescenta a médica. 

Resposta 

Em nota, a Secretaria de Saúde do Recife (Sesau) informa que a administração do HMR é feita pelo HCP Gestão, que realiza a contratação dos profissionais através de seleção simplificada. "A unidade conta com 1.255 trabalhadores, sendo 305 médicos. Por mês, o HMR realiza 6.680 consultas médicas ambulatoriais, além de 100 cirurgias ginecológicas, marcadas via Central de Regulação. A Sesau não tem registro de falta de insumos na unidade hospitalar e, quando há algum desabastecimento pontual, os materiais são repostos imediatamente", diz. 

A Sesau ressalta que "tem empregado todos os esforços para garantir as melhores condições de trabalho para os profissionais do HMR e, desde 2020, vem abrindo diversos processos seletivos para contratação de mais médicos para a unidade de saúde: um foi aberto naquele ano, quatro em 2021 e um em 2022. No entanto, em todos, a adesão não aconteceu na mesma proporção da necessidade imposta". Neste ano, estão sendo disponibilizadas 17 vagas, segundo informou a secretaria. "Enquanto permanece empenhada em contratar esses profissionais, a unidade vem buscando otimizar o trabalho com medidas como a criação de um núcleo interno de regulação, contratação de médicos diaristas para os setores com maior sobrecarga e o fortalecimento da gestão de leitos", acrescenta. 

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