Com início das obras do Parque da Tamarineira, psiquiatras estão preocupados com o futuro do Hospital Ulysses Pernambucano
Novo equipamento está sendo levantado no entorno da única emergência psiquiátrica 24h do Estado. O cenário tem preocupado psiquiatras: um grupo acredita que é impossível o hospital psiquiátrico funcionar no mesmo ambiente em que está o parque
Começou a primeira etapa de obras do Parque da Tamarineira, que será construído no terreno do antigo Sítio da Tamarineira, situado nas proximidades das Avenidas Norte, Rosa e Silva e da Rua Cônego Barata. O parque público será erguido no terreno onde fica o Hospital Ulysses Pernambucano (HUP), no bairro da Tamarineira, Zona Norte do Recife. A previsão de entrega da primeira etapa do equipamento é ainda no primeiro semestre deste ano.
O novo equipamento, de 10,5 hectares, está sendo levantado, pela Prefeitura do Recife, no entorno da unidade de saúde. O cenário tem preocupado os psiquiatras do Estado. Um grupo acredita que é impossível o hospital psiquiátrico funcionar no mesmo ambiente em que está o parque. Por enquanto, o movimento da especialidade médica que cuida da saúde mental da população é alertar para o futuro do Ulysses Pernambucano, patrimônio vivo e histórico da psiquiatria.
Com a construção do Parque da Tamarineira, quem passa pela Avenida Rosa e Silva já observa o terreno do hospital cercado por tapumes e gradis. Um aglomerado de cimento, água, areia e pedra toma conta da área verde em frente ao casarão e sobre a área que era destinada a estacionamento de veículos. Do lado da Cônego Barata, grades caídas, com muros caindo e muros caídos.
A Prefeitura do Recife deixou o HUP com os flancos expostos, abertos. Podemos dizer categoricamente que estamos sendo despejados", diz a psiquiatra Suzana Azoubel, diretora-clínica do Ulysses Pernambucano
Para os trabalhadores do Hospital Ulysses Pernambucano, a cena de decadência os faz gritar por ajuda. A insegurança também tem preocupado.
"A história do Hospital Ulysses Pernambucano (HUP) confunde-se ou funde-se com a de Pernambuco e da psiquiatria pernambucana. Baluartes da psiquiatria foram forjados nessa escola. E agora? Fecharam os portões de entrada, erradicaram muitas árvores, derrubaram os muros. Que ninguém pense que foi um arroubo de terapia libertadora. Os muros foram derrubados, e estamos todos (servidores, pacientes e seus familiares) desprotegidos, à mercê de qualquer ser mal intencionado", denuncia a psiquiatra Suzana Azoubel, diretora-clínica do HUP.
Essa declaração da médica é parte de um texto que ela escreveu e que circula em redes sociais, com o intuito de chamar a atenção para o futuro do hospital, patrimônio vivo e histórico da psiquiatria.
Sociedade Pernambucana de Psiquiatria se posiciona
"A Prefeitura do Recife deixou o HUP com os flancos expostos, abertos. Podemos dizer categoricamente que estamos sendo despejados. O 'Sítio da Tamarineira' é localizado numa das áreas mais cobiçadas do Recife. Então, o que é que os doidos e os doidos que cuidam dos doidos fazem lá, ora?!?", critica Suzana.
Ao compartilhar o texto de Suzana no Instagram da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria (SPP), o presidente da entidade, Leonardo Machado, frisa que a opinião da diretora-clínica do HUP representa a visão da atual diretoria da SPP.
"Enquanto o parque é construído, como ficará o funcionamento do HUP? Como ficará a segurança dos pacientes que são cuidados pelo HUP? Como ficará o ambiente de trabalho dos profissionais que atuam no HUP? Além disso, se essa primeira etapa não respeitou minimamente pacientes, familiares e profissionais, como serão a segunda e a terceira etapas dessa construção? Como ficarão os pacientes, o hospital e a emergência? Como ficará a história arquitetônica?", questinou Leonardo.
O QUE DIZ A PREFEITURA DO RECIFE
Procurada pelo JC, a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) informou, em nota, que "a obra do Parque da Tamarineira está na fase inicial da primeira etapa das intervenções previstas e que não envolve, no momento, o hospital em si ou sua localização".
A gestão municipal ressalta que "permanece em constante diálogo com a direção da unidade de saúde para tratar do assunto e dirimir quaisquer dúvidas".
Ainda na nota, a Prefeitura do Recife informa que a Emlurb teve o primeiro contato com o terreno no dia 21 de novembro de 2023 para reconhecimento da área e limpeza.
"O local foi encontrado com aspecto de abandono e sem qualquer manutenção. Vegetação e mato altos em toda a área, drenagem obstruída, raízes de árvores de ficus destruindo a estrutura da entrada principal do hospital (um prédio tombado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco - Fundarpe), além de muitos animais espalhados por toda unidade, dentro e fora do hospital."
Segundo a gestão municipal, a Emlurb iniciou os serviços de poda e erradicações de algumas árvores, além da limpeza da drenagem, ainda no fim do ano passado.
"Após a limpeza do terreno, foi realizada a topografia da área da frente do hospital (primeira etapa do parque) para ajustes necessários ao projeto. Em janeiro deste ano, houve uma audiência no Ministério Público do Estado (MPPE) que contou com a presença de representantes do hospital e da Secretaria de Saúde do Estado, com a apresentação das intervenções que seriam realizadas na área", destaca a nota.
A prefeitura esclarece que foi feita uma reunião com a direção do hospital para conciliar as etapas de obras com o funcionamento do hospital. "Ficou decidido que haveria a construção de outro local para horta, serviço já concluído, porém ainda sem uso por parte dos interessados. Também foi construído outro acesso para veículos do hospital antes do fechamento da entrada da Rosa e Silva."
O muro começou a ser demolido na última quinta-feira (29), simultaneamente à colocação do gradil. "Vale ressaltar que a Emlurb vem tomando todo o cuidado e as medidas necessárias para que as obras e intervenções não atrapalhem a rotina do hospital", finaliza a nota da prefeitura.
No entanto, para Suzana Azoubel, em meio ao início das obras do Parque da Tamarineira, o Hospital Ulysses Pernambucano nunca esteve tão ameaçado de encerrar as suas atividades. "Manicômio, no sentido pejorativo da palavra, ele não é há muitos anos. Ou será que um hospital com tempo médio de internamento de seus pacientes de 15 dias pode ser considerado asilar? Creio que não. Hospital-escola, sim."
Ela relata que, há décadas, o HUP recebe estudantes de enfermagem, psicologia, de medicina dos mais variados centros acadêmicos, públicos e privados. "Nele, funciona, há 25 anos, o Programa de Residência Médica em Psiquiatria do Estado de Pernambuco. Nele, funciona, há 23 anos, o Programa de Residência em Enfermagem psiquiátrica e, há 22 anos, o Programa de Residência em Psicologia. Quem, da "Saúde Mental", não passou pela Tamarineira (como é popularmente conhecido o HUP)?".
A médica recorda que, quando foi construído, o hospital ocupava (e ocupa) uma área de sítio ermo. "Os doentes e a doença mental colocados longe das vistas do cidadão comum. Comecei a trabalhar no HUP há 25 anos e tenho escutado, desde então, de um e outro desavisado, a pergunta 'ainda funciona?'. Sim, funciona. O Serviço de Emergência Psiquiátrica do HUP atende em média mil pessoas por mês e interna 200."
O Ulysses Pernambucano é a única emergência psiquiátrica 24h do Estado. É administrado pela Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE). Apesar de essencial para fornecer assistência adequada à Saúde Mental, o serviço pede socorro.
Profissionais têm denunciado a precariedade das instalações físicas (estruturais, eletrônicas, hidráulicas e telefônicas) do HUP, assim como deficiência de pessoal para uma limpeza adequada, sucateamento de móveis, eletrodomésticos e eletrônicos.
Há relatos de falta de medicamentos básicos (haloperidol, haloperidol de depósito, risperidona, diazepam, levomepromazina, clorpromazina injetável) para os pacientes, o que leva trabalhadores a solicitarem medicações "emprestadas" a outras unidades de saúde.
Procurada pela reportagem do JC, a SES-PE informa que foi elaborado um plano de reforma emergencial para o Ulysses Pernambucano e que "alguns reparos já foram iniciados, inclusive com troca de mobiliário e instalações de novos ar-condicionados em diversos setores".
Sobre a falta de medicações básicas e essenciais para os pacientes, a SES-PE esclarece que foi uma "situação pontual e que a reposição dos remédios está sendo normalizada".
Quanto à manutenção e limpeza da unidade de saúde, a nota da SES-PE garante que "o serviço é realizado diariamente e que não procede o relato de déficit na equipe". Além disso, a pasta assegura que o local do HUP permanece o mesmo e continuará em funcionamento após a entrega da primeira etapa do Parque da Tamarineira.
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