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Cólera: veja a gravidade da doença que teve primeiro caso local após 18 anos no Brasil

Ao JC, médico infectologista explica como a doença se manifesta e recorda o período em que a pandemia de cólera fez o Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em Pernambuco, virar unidade de referência para assistência aos pacientes

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Cadastrado por

Cinthya Leite

Publicado em 22/04/2024 às 11:46 | Atualizado em 22/04/2024 às 11:52
Notícia

Doença infecciosa intestinal aguda, causada por uma bactéria chamada Vibrio cholerae, a cólera volta à tona com o primeiro caso local de cólera em 18 anos confirmado no Brasil. O anúncio, feito pelo Ministério da Saúde no fim de semana, alerta para uma doença ligada diretamente ao saneamento básico e à higiene.

O caso detectado em um homem de 60 anos em Salvador (segundo o Ministério da Saúde, ele já está curado) nos faz lembrar o período em que a cólera se alastrou progressivamente pelo Nordeste.

No Brasil, as últimas confirmações locais haviam sido registradas em Pernambuco, entre 2004 e 2005. Desde 2006, o País não registrava casos autóctones - situações em que os pacientes são infectados nos locais onde vivem, sem viajar a outro lugar. 

"A pandemia de cólera em Pernambuco (nos anos 1990) fez o Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc, no bairro de Santo Amaro, área central do Recife) se transformar numa unidade de referência para assistência aos pacientes internados. Houve uma demanda grande, eram muitos casos suspeitos, e confirmamos vários", recorda o médico Vicente Vaz, um dos mais experientes e respeitados infectologistas do Estado, com quase 40 anos de profissão

Ele conta que, naquela época (anos 1990), a manifestação clássica da cólera era diarreia aquosa e profusa, acompanhada frequentemente de episódios de vômitos. "Os pacientes, nessa situação, perdia litros e mais litros de água em questão de horas. Era uma desidratação muito rápida, impressionante. Dessa forma, era preciso fazer uma hidratação intravenosa", destaca. 

Sobre o caso em Salvador detectado recentemente, Vicente Vaz concorda com as autoridades sanitárias. "Certamente, deve ser um caso isolado. Isso não significa dizer que não temos cólera circulando pelo Brasil. Pesquisadores, vez por outra, encontram (a bactéria) em rios. Mas é pouco provável que hoje isso se transforme em um cenário epidemiológico que causa impacto grande na população", explica o infectologista. 

"Depois da pandemia de covid-19, o sistema de saúde ficou mais preparado para investigar e rastrear doenças. Com isso, a chance de dispersão (da cólera) é mínima."

O caso de cólera em Salvador em 2024

Em nota, a Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde informa que o caso foi detectado em um homem de 60 anos de idade que apresentou um desconforto abdominal e diarreia aquosa, em março de 2024.

Duas semanas antes, ele havia feito uso de antibiótico para tratamento de outra patologia. Segundo exames laboratoriais, a bactéria causadora da doença foi Vibrio cholerae O1 Ogawa.

O Ministério da Saúde alega que se trata de um caso isolado, pois não foram identificados outros registros, após a investigação epidemiológica realizada pelas equipes de saúde locais junto às pessoas que tiveram contato com o paciente.

O período de transmissão da doença é de um a dez dias após a infecção. Entretanto, para as investigações epidemiológicas, no Brasil, está padronizado o período de até 20 dias por margem de segurança.

Dessa forma, segundo a pasta, o paciente de Salvador não transmite mais o agente etiológico desde o dia 10 de abril.

Como cólera é transmitida? 

A transmissão da cólera ocorre por via fecal-oral - ou seja, pela ingestão de água ou alimentos contaminados, ou pela contaminação pessoa a pessoa. Os alimentos, de forma geral, podem ser contaminados durante a cadeia produtiva e durante sua manipulação.

Além disso, como o agente causador da cólera faz parte do ambiente aquático, pode se associar a mariscos (crustáceos e moluscos), peixes e algas, entre outros, o que possibilita a transmissão da cólera se esses alimentos forem consumidos crus ou mal cozidos.

Cólera é grave?

Frequentemente, a infecção é assintomática ou causa diarreia leve. A cólera pode também se apresentar de forma grave, com diarreia aquosa e profusa, com ou sem vômitos, dor abdominal e cãibras.

Quando não tratada prontamente, pode ocorrer desidratação intensa, o que leva a graves complicações e até mesmo ao óbito.

A doença está ligada diretamente ao saneamento básico e à higiene. 

A cólera é causada pela ação da toxina liberada por dois sorogrupos específicos da bactéria Vibrio cholerae (sorogrupos O1 e O139).

A toxina se liga às paredes intestinais, altera o fluxo normal de sódio e cloreto do organismo. Essa alteração faz com que o corpo secrete grandes quantidades de água, o que provoca diarreia aquosa, desitradação, perda de fluidos e sais minerais importantes para o organismo. 

Cólera tem tratamento?

O tratamento eficiente da cólera deve seguir uma rápida reidratação dos pacientes, por meio da administração oral de líquidos e solução de sais de reidratação oral ou fluidos endovenosos, a depender da gravidade do caso.

Em aproximadamente 80% dos casos, os sintomas da cólera são leves ou moderados e devem ser tratados somente por meio da administração oral de líquidos.

Os pacientes que apresentarem desidratação grave devem ser tratados por meio da administração de fluidos endovenosos e antibióticos.

Quais são as principais medidas para evitar a transmissão da cólera? 

A oferta de água em qualidade e quantidade suficiente para a população é a medida de prevenção mais indicada.

Além disso, outras medidas de prevenção e controle podem ser adotadas: 

  • Destinar adequadamente o lixo e dejetos
  • Ensacar e manter a tampa do lixo sempre fechada. Quando não houver coleta de lixo, este deve ser enterrado
  • Usar sempre a privada. Mas, se isso não for possível, enterrar as fezes sempre longe dos cursos de água
  • Lavar as mãos antes de preparar alimentos e antes de comer
  • Tomar água fervida ou filtrada
  • Guardar a água tratada em vasilhas limpas e de boca estreita para evitar a recontaminação
  • Não utilizar água de riachos, rios, cacimbas ou poços contaminados
  • Lavar e desinfetar as superfícies, utensílios e equipamentos usados na preparação de alimentos
  • Proteger os alimentos e as áreas da cozinha contra insetos, animais de estimação e outros animais (guardar os alimentos em recipientes fechados)

Situação epidemiológica da cólera

A 7ª pandemia de cólera teve início na Indonésia, em 1961, e atingiu o Brasil em 1991, pela fronteira do Amazonas com o Peru.

A epidemia se alastrou progressivamente pela região Norte e, até o final de 1992, todos os Estados do Nordeste foram atingidos, e locais foram registrados. Em 1993, houve o avanço da doença para o Sudeste e Sul. A partir de 1995, observou-se diminuição do número de casos de cólera no País. Entre 2002 e 2003, não houve registro de casos.

Já em 2004, 21 casos foram confirmados. Em 2005, foram cinco casos confirmados - esses foram os últimos casos locais registrados no País. A partir de 2006, não houve casos autóctones (locais) de cólera no Brasil; apenas casos importados (1 caso de Angola em 2006; 1 caso da Republica Dominicana em 2011 e 1 caso de Moçambique em 2016).

No mundo, após seguidos anos de queda, tem ocorrido um aumento de casos de cólera e de sua distribuição geográfica.

Em 2021, 23 países registraram surtos de cólera, principalmente em regiões da África e no Mediterrâneo Oriental. A taxa de letalidade mundial foi de 1,9%, a maior registrada na última década e está acima do aceitável, que é até 1%.

Dados preliminares da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que em 2022, 16 países notificaram surtos prolongados e, em 2023, 29 países declararam surtos ou notificaram casos de cólera. 

No ano passado, dados preliminares indicam que foram mais de 700 mil diagnósticos. Atualmente, 23 países relatam surtos da doença.

“A matéria apresentada neste portal tem caráter informativo e não deve ser considerada como aconselhamento médico. Para obter informações fornecidas sobre qualquer condição médica, tratamento ou preocupação de saúde, é essencial consultar um médico especializado.”

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