Desafios do Recife: saúde urbana deve ser o norte para futuro prefeito trabalhar além da ausência de doenças
Quem tiver vitória nas urnas terá que olhar para o bem-estar da população com ações efetivas para solucionar problemas ambientais e sociais
Na corrida eleitoral, o debate sobre o elo entre saneamento básico, gestão urbana e saúde não pode ficar em segundo plano no Recife. As desigualdades sociais, econômicas e estruturais, evidenciadas na capital pernambucana, potencializam os impactos da carga de doenças.
Quem tiver vitória nas urnas para administrar o Recife de 2025 a 2028 terá como atribuições não apenas inaugurar e manter, em boas condições de funcionamento, postos de saúde. O próximo prefeito ou prefeita não deve trabalhar só na busca da ausência de doenças ou de oferecer exames e remédios. É preciso olhar para o bem-estar da população a partir da saúde urbana, com ações efetivas para solucionar problemas ambientais e sociais.
E para explicar as razões, vamos voltar ao ano de 1987, quando os recifenses assistiram à primeira epidemia de dengue.
Ao redor de uma fábrica no bairro da Estância, Zona Oeste do Recife, um mutirão de caça ao Aedes aegypti encontrou, naquele ano, mais de 100 focos do mosquito. No mesmo período, logo após a ditadura militar, a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública trabalhava para fazer o combate ao mosquito. Eram realizados bloqueios em Palmares (Zona da Mata Sul), município situado no limite com Alagoas, que teve casos de dengue antes de Pernambuco. No porta-malas dos carros, era colocado inseticida antes de se entrar em território pernambucano.
Anos se passam, e as epidemias de dengue continuam. Infelizmente a sensação é de que a sociedade e as autoridades sanitárias normalizaram a infecção; acostumaram-se com o fato de que é impossível acabar com o Aedes aegypti.
Mas é aí onde mora o equívoco. Afinal, as estratégias de enfrentamento à dengue e a demais arboviroses repetem, ano após ano, o mesmo modelo: focar apenas no controle do vetor, sem trabalhar para ampliar o saneamento básico. Água parada é um dos principais fatores que favorecem a reprodução do Aedes. Assim, áreas urbanas sem sistemas adequados de saneamento básico, como drenagem de águas pluviais, se tornam propícias à formação de criadouros do mosquito.
Usamos a dengue como exemplo, mas várias outras questões de saúde na capital colocam a questão do saneamento básico também em evidência. É essencial acreditar que a gestão urbana está diretamente relacionada à saúde das pessoas. As cidades podem promover a saúde humana ao invés de doenças, e os prefeitos precisam colocar em prática propostas que só vemos na literatura científica.
Sem investimento em saneamento, dificilmente o Recife terá avanços capazes de impactar diretamente nos indicadores da saúde pública e continuará com a perpetuação de várias doenças agravadas em um cenário insalubre.
O desafio do próximo prefeito ou da próxima prefeita do Recife é quitar a dívida antiga com o saneamento e a situação de saúde, especialmente em comunidades que vivem em situação de vulnerabilidade social.
"Temos discutido bastante a piora das condições urbanas no Recife. Os gestores municipais precisam colocar a degradação da cidade no foco das propostas. As populações periféricas continuam vivendo sem saneamento básico", diz a médica sanitarista Bernadete Perez Coêlho, professora do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
O depoimento de Bernadete enaltece o olhar para o elo entre gestão urbana e saúde. Para Bernadete, o debate eleitoral precisa expor desafios da vida urbana (iniquidade, aglomeração, falta de infraestrutura, poluição do ar e trânsito), que tornam vulnerável a qualidade de vida nas cidades.
Para os próximos quatro anos, a gestão municipal deve investir mais em abastecimento de água, esgotamento sanitário e limpeza urbana, com a missão de trazer um avanço para a melhoria de vida dos recifenses. Infelizmente o retrato do saneamento básico, feito pelo Instituto Trata Brasil, com dados do Ministério do Desenvolvimento Regional, revela que o Recife está mal.
A capital tem gargalos a serem superados, principalmente nos serviços de coleta e tratamento de esgoto - e isso levar a acumular locais propícios à disseminação de doenças. Entre elas, diarreias, leptospirose, hepatites, esquistossomose e as arboviroses, que incidem de forma intensa ano após ano.
Quantas famílias vivem à beira de um córrego, local para onde vai a água suja do banheiro? Em quantas casas não chegam água encanada? Em quantas ruas correm o esgoto a céu aberto? Sim, infelizmente esses cenários são uma realidade. O desafio é histórico, e não é fácil vencê-lo. Mas é preciso encará-lo para dar proteção ao recifense.