Menopausa: ruína ou reconstrução da feminilidade?

Segundo OMS, até 2030, 1 bilhão de mulheres viverão a menopausa. Mesmo assim, esse evento natural ainda é cercado de desconhecimento, medo e vergonha

Publicado em 18/11/2024 às 15:12
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Por Priscila Silva
Psicóloga, Especialista em Psicologia Clínica de Orientação Psicanalítica (CRP 02/14207)

Recentemente, fui surpreendida com um diagnóstico que me colocou entre o 1% das mulheres que enfrentam a menopausa precoce. Aos 38 anos, com meus ovários em falência, fui tomada por medo e vergonha. Seria o fim da possibilidade de ter mais filhos? E como ficaria minha saúde com essa súbita perda hormonal?

Estudos apontam que a menopausa precoce pode levar à perda cognitiva, alterações de humor, riscos cardiovasculares e até morte. Tentei manter a calma, mas o turbilhão de emoções foi devastador.

Compartilhei a notícia apenas com algumas pessoas em busca de consolo, enquanto lidava com um profundo sentimento de fragilidade. A sensação de perda de uma potência feminina me assolava, fruto de uma visão equivocada do que seria ser mulher.

Com o tempo, encontrei alívio e comecei a enxergar essa nova realidade sob outra ótica. Na adversidade, fortaleci o entendimento de que a feminilidade vai muito além de um corpo reprodutivo.

Passei a me identificar com outras mulheres, vivenciando seus calores repentinos, suas irritações e o impacto na vida sexual. Esses sintomas, que antes me pareciam exagerados, agora faziam parte da minha rotina e despertavam em mim empatia e solidariedade.

Minha experiência me tornou mais sensível e consciente dos impactos que a menopausa pode ter na saúde mental e emocional das mulheres. Estudos mostram que oscilações de humor são sintomas comuns nessa fase, além de haver um impacto significativo nas relações interpessoais, o que pode levar ao desenvolvimento de quadros de adoecimento, como ansiedade e depressão.

Também tenho observado que essa etapa envolve uma experiência de luto, marcada por diversas perdas que afetam profundamente as pacientes. Como psicóloga, desenvolvi o interesse em estudar esses efeitos psíquicos, com o objetivo de ajudar minhas pacientes a reconhecer os sinais e as dores dessa transição, além de oferecer suporte em suas dificuldades.

Quanto a mim, após novos exames, meu diagnóstico de insuficiência ovariana primária (IOP) foi revisto. No entanto, para muitas mulheres, essa é uma realidade permanente. Segundo a OMS, até 2030, 1 bilhão de mulheres viverão a menopausa. Mesmo assim, esse evento natural ainda é cercado de desconhecimento, medo, silêncio e vergonha.

Sobre a feminilidade é importante destacar que este é um conceito fluido e pode ser interpretado de diferentes maneiras ao longo do tempo e entre culturas. Além disso, não se limita às mulheres cisgênero; muitas mulheres trans e pessoas não binárias também expressam sua feminilidade de diversas formas.

A verdade é que a feminilidade é um conceito em constante transformação, presente em todas as mulheres, sejam cis ou trans, mães ou não.

No ano em que celebramos 15 anos da criação do Dia Mundial da Menopausa, instituído pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e comemorado em 18 de outubro com objetivo de sensibilizar a sociedade para essa fase da vida das mulheres, enxergamos a importância de quebrarmos tabus e promovermos mais apoio e informação.

A menopausa pode, sim, encerrar sonhos — especialmente para aquelas que desejam gestar — mas também abre caminho para uma nova percepção de si mesma. Precisamos estar atentas para não cairmos na armadilha de nos sentirmos menos mulheres ou de nos aprisionarmos num sentimento de vergonha por vivenciar essa mudança.

Por tudo isso, desejo que possamos falar mais sobre essa fase e buscar o apoio que merecemos, porque a danada da menopausa, se ainda não chegou, chegará, e isso jamais deveria nos calar ou nos tornar incapazes de desejar.

 

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