Narcisismo e o novo ano: quando a falta de empatia e os conflitos minam as confraternizações
Vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria explica por que comemorações podem amplificar comportamentos de personalidades narcisistas
Necessidade de atenção constante e de admiração, falta de empatia e padrão generalizado de grandiosidade. Esses são apenas alguns dos sinais das pessoas com transtorno de personalidade narcisista.
É uma condição psiquiátrica que está no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria) e é caracterizada por padrões de comportamento e atitudes que giram em torno de uma percepção exagerada de si mesmo, do descaso pelos outros e de uma carência patológica de atenção.
Nesta época de celebrações pela chegada de um novo ano, há relatos de pessoas que sentem que indivíduos com transtorno de personalidade narcisista acabam estragando o clima de festividades e o planejamento de metas ou terminam minando a felicidade dos outros.
O psiquiatra Cláudio Meneghello Martins, vice-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), explica por que as comemorações podem amplificar comportamentos associados à personalidade narcisista.
"É um período do ano potencialmente sensível, porque é considerado um período especial, em que as pessoas celebram e confraternizam. Dessa forma, torna-se um palco ideal para a personalidade narcisista", diz.
"São pessoas com necessidade constante de serem o centro das atenções e de receberem admiração e elogios, o que pode criar conflitos com outras pessoas durante as festas. Além disso, a falta de empatia, a tendência a manipular e a controlar as situações também podem causar desconforto e tensão no ambiente familiar", acrescenta Cláudio.
No livro Como se libertar de um narcisista: Aprenda a reconhecer um relacionamento tóxico, se livrar da manipulação e recuperar sua autoestima (Editora Sextante), a autora Sarah Davies destaca que ninguém consegue mudar um narcisista, mas pode modificar a forma como lidar com ele ou até abandoná-lo de vez.
As principais características do transtorno da personalidade narcisista, segundo a publicação, são:
- Forte percepção de grandiosidade, com expectativas de tratamento especial por parte de outras pessoas ou instituições
- Questões fundamentais de identidade pessoal: narcisistas precisam receber dos outros constantes demonstrações de consideração, feedbacks positivos, admiração e adoração, a fim de regular a autoestima
- Baixa autoestima e insegurança profunda – compensadas por arrogância, soberba, pela depreciação dos outros e por comportamentos críticos ou comentários maldosos em relação a eles
- Percepção exagerada do próprio valor: narcisistas aumentam ou mentem sobre suas realizações, sua importância, seu status e suas habilidades
- Arrogância
- Necessidade patológica de admiração e atenção
- Obsessão por ideias e fantasias de sucesso, poder, riqueza, amor, brilhantismo, aparência ou imagem
- Sensação ou crença de que são “especiais”, “diferentes” ou “únicos”
- Extremamente manipuladores e/ou exploradores nas relações interpessoais
- Forte tendência a culpabilizar os outros
- Vícios e questões que têm a ver com excessos, incluindo tendências obsessivo-compulsivas, uso de drogas, alcoolismo, vício em sexo
- Incapacidade de formar ou manter relacionamentos significativos ou de longo prazo.
**Uma pessoa pode ter todas as características citadas anteriormente ou apenas algumas. Um diagnóstico só pode ser dado por um profissional qualificado. Essas são as características principais, mas os narcisistas podem ter inúmeros comportamentos diferentes.
Sem empatia
"As pessoas que têm o transtorno de personalidade narcisista lidam com o sucesso de maneira mais intensa, elas precisam deste sucesso mais que os outros. Por isso, vão querer se dedicar mais e podem, sim, ultrapassar os limites e mais: não têm empatia para não ultrapassar os limites com o próximo", alerta Cláudio.
As demonstrações de empatia são usadas geralmente para manipular e podem estar voltadas aos seus próprios objetivos.
Conviver com uma pessoa que apresenta o transtorno narcisista é difícil. Por isso, para parentes e amigos, é recomendado ter atitudes específicas para evitar possíveis tensões ou conflitos. "Em primeiro lugar, deve-se estabelecer limites. Em todas as relações, precisamos deixar os nossos limites bem claros. Mas, com os narcisistas, é preciso ser mais firme e consistente, pois a saúde mental (da vítima) está em jogo", orienta Cláudio.
O psiquiatra frisa que é necessário falar sempre como o comportamento das pessoas narcisistas afeta a relação, "pois elas não têm uma visão clara do que fazem; inclusive, há uma espécie de descontrole dessas ações". De qualquer forma, o especialista reforça que essas pessoas "não vão mudar, (o comportamento) faz parte do que eles são".
Ainda assim, ele recomenda que a vítima, diante da agressividade ou impaciência da pessoa narcisista, deve tentar não criticá-la. "Mas também não valide suas ações quando esses indivíduos estiverem errados, pois precisam dessa validação constante. Por isso, não alimente o ego deles."
É importante deixar claro que existem tipos de narcisistas, segundo o livro de Sarah Davies:
Grandiosos
Atraem e procuram se cercar de admiradores desavisados, exibindo muito charme, carisma, con!ança e apelo sexual. Os narcisistas grandiosos muitas vezes parecem poderosos, autoconfiantes e seguros de si, arrogantes, no controle, inatingíveis e indestrutíveis na superfície. Quase sempre são descaradamente viciados em ser o centro das atenções, exibem comportamentos de alto risco e são egoístas e manipuladores.
Encobertos
Podem ter fala mansa, ser sedutores, gentis, despretensiosos, talvez tímidos, discretos, sensíveis, atraentes, doces e prestativos. No entanto, são igualmente perturbadores, controladores e manipuladores.
Relações interpessoais no narcisismo
"As vontades e os desejos das pessoas narcisistas são sempre colocados em primeiro lugar, nem que para isso seja necessário manipular e controlar o outro, e isso afeta diretamente as suas relações interpessoais", diz Cláudio Meneghello Martins.
O psiquiatra salienta ainda que existe diferença entre traços narcisistas e transtorno de personalidade narcisista. "O ser humano tem traços narcisistas em sua personalidade, é normal. Mas nesses casos, não causam prejuízo significativo nas relações interpessoais, ao contrário da personalidade narcisista, que é uma condição psiquiátrica mais grave, em que esses traços narcisistas são tão extremos e inflexíveis que causam prejuízos significativos no funcionamento social, profissional e pessoal do indivíduo."
Há tratamento para o transtorno narcisista?
Enquanto os traços narcisistas, segundo Cláudio, podem ser considerados como parte da personalidade, o transtorno é uma condição psiquiátrica que requer tratamento adequado.
"Há abordagens terapêuticas que podem ser eficazes para o tratamento do transtorno narcisista e, consequentemente, melhorar as relações sociais. Entre elas, a terapia cognitivo-comportamental (TCC), a terapia psicodinâmica e, até mesmo, a terapia de grupo."
O médico destaca que o tratamento pode ser longo e exigir um comprometimento do indivíduo para obter resultados positivos.
No livro que já citamos anteriormente, Sarah Davies ressalta que "os verdadeiros narcisistas não conseguem fazer reflexões honestas sobre si mesmos. A mudança positiva, o crescimento e a cura das características narcisistas exigem uma motivação forte e consistente, além da capacidade de assumir responsabilidade pessoal", escreve.
Assim, a autora sublinha o quanto é importante a população se manter informada sobre o transtorno de personalidade narcisista, aprender a identificar os sinais de alerta e treinar para notá-los.