A Polícia Federal investiga se o espião russo Serguei Cherkasov, que fingiu ser um estudante brasileiro para entrar nos EUA e na Europa, realizou atos de espionagem também no Brasil e se contou com o auxílio de uma rede de apoio formada por outros agentes da Rússia infiltrados no País.
Cherkasov foi preso no início de abril de 2022 pela Polícia Federal, após ser deportado da Holanda. A polícia holandesa o interceptou no aeroporto - onde desembarcou para atuar no Tribunal Penal Internacional, em Haia -, depois de receber alertas dos EUA.
Cherkasov atuou durante anos como espião do serviço de inteligência militar da Rússia nos EUA, com um passaporte falso em nome de Victor Muller Ferreira, identidade que ele construiu ao longo de uma década no País.
Um inquérito que tramita na PF em São Paulo aponta para "atos de espionagem" praticados nos EUA e na Irlanda e supostamente no Brasil. Os investigadores brasileiros também avaliam se houve crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A pedido da polícia, a Justiça Federal determinou a quebra dos sigilos bancário e de dados, além do confisco de bens que o russo tinha no Brasil. Os agentes já encontraram indícios de outras pessoas envolvidas no caso.
Depois de estudar na prestigiosa Universidade John Hopkins, em Washington, onde poderia se aproximar de qualquer setor do establishment de segurança dos EUA, Cherkasov conseguiu um estágio no Tribunal Penal Internacional no momento em que a instituição iniciava a investigação sobre crimes de guerra da Rússia na Ucrânia.
Mas acabou rejeitado pelas autoridades holandesas, que receberam informações do FBI sobre sua atuação em Washington.
Em junho do ano passado, Cherkasov foi condenado pela Justiça Federal, em primeira instância, a 15 anos de prisão por uso de documentos brasileiros falsos.
O caso tramita sob relatoria do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin. No último dia 18, o Supremo aprovou o pedido da Rússia para extradição, mas determinou que isso só deve ocorrer após o fim das apurações sobre os supostos crimes cometidos no País.
Moscou pediu a extradição de Cherkasov argumentando que ele havia sido condenado por tráfico de drogas na Rússia. Em uma audiência por videoconferência, o espião disse que gostaria de ser enviado de volta a seu país para cumprir a pena imposta pela Justiça russa.
O chanceler russo, Serguei Lavrov, tem viagem marcada para o Brasil no dia 17, o que levanta a possibilidade de Moscou tentar encontrar uma maneira de garantir sua libertação.
Registros de imigração apontam que o espião veio ao Brasil pela primeira vez em 2010 e a segunda, em 2011. Para obter os documentos falsos, Cherkasov contou com a ajuda de uma mulher ligada a um cartório.
Em uma mensagem recuperada por investigadores, Cherkasov disse que ela poderia ajudar com documentos falsos de outros espiões russos.
Do Brasil, Cherkasov viajou para estudos na Irlanda e nos EUA, sempre com a identidade falsa. Autoridades holandesas encontraram com o espião um documento com passagens da vida fictícia que ele criou, detalhando a infância em Niterói, no Rio de Janeiro, e até endereços de restaurantes preferidos em Brasília.
Pelo menos outros dois espiões russos com identidades brasileiras falsas foram descobertos nos últimos meses. Em outubro, o serviço de inteligência da Noruega deteve Mikhail Valeryevich Mikushin por suspeita de espionagem.
Ele fingia ser um pesquisador brasileiro chamado José Assis Gianmaria, de 37 anos. Antes de ser preso, Mikushin estava atuando como pesquisador havia um ano e meio na cidade de Tromso, perto do Ártico. Ele se concentrou em estudar a política norueguesa na região, na qual o país compartilha 198 quilômetros de fronteira com a Rússia.
Gerhard Daniel Campos Wittich, por sua vez, era o nome falso de um outro espião russo que morou no Rio de Janeiro por cinco anos e se dizia brasileiro com ascendência austríaca. Wittich foi descoberto pela inteligência da Grécia, pois a mulher dele, também espiã, estaria atuando em Atenas.
Mais um caso de espião russo que se passava por brasileiro foi confirmado. Gerhard Daniel Campos Wittich, que morou no Rio de Janeiro por pelo menos cinco anos, dizia ser brasileiro de família austríaca. Ele teria simulado desaparecimento em janeiro e já estaria de volta a Moscou, com sua mulher Maria Tsalla ou Irina Romanova, que teria trabalhado como espiã em Atenas, Grécia.
O caso de ambos foi revelado por veículos gregos como Zougla e Kathimerini, e foi aprofundado pelo The Guardian com detalhes como o recente aluguel de um imóvel próximo ao consulado americano no Rio.
Segundo o Guardian, o espião russo dirigia uma série de empresas de impressão 3D no Rio de Janeiro que produziam, entre outras coisas, esculturas de resina para militares brasileiros e chaveiros. Ele desapareceu em janeiro, no meio de uma viagem à Malásia. Sem mandar mensagens para sua namorada no Rio de Janeiro, ela prontamente iniciou uma "busca frenética por seu parceiro desaparecido", afirma o Guardian.
O Itamaraty e as comunidades do Facebook na Malásia se mobilizaram para procurar o desaparecido. Mas Campos Wittich teria reaparecido em Atenas, na Grécia.
A mídia grega, citando fontes do serviço de inteligência do país, disse que ele era um russo "ilegal", um espião infiltrado trabalhando para um programa de inteligência de elite, que havia sido treinado durante anos na Rússia para poder se passar por estrangeiro.
Ele teria sido casado secretamente com outra ilegal, que se fazia passar por uma fotógrafa greco-mexicana, que dirigia uma loja de artigos de tricô em Atenas. Ambos haviam sido despachados em uma missão para o serviço de inteligência de Vladimir Putin.
A Grécia acredita que Campos Wittich era um ilegal russo com o sobrenome Shmyrev, disse uma fonte ao The Guardian, enquanto sua mulher, "Maria Tsalla", nasceu Irina Romanova. Ela deixou Atenas às pressas no início de janeiro, logo após a saída de Campos Wittich do Brasil, também deixando um namorado. Nenhum dos dois voltou.
Espiões disfarçados costumam trabalhar em pares, mas o caso de Campos Wittich e Tsalla é o primeiro exemplo de um casal ilegal trabalhando em países separados, com vidas separadas, afirmou The Guardian.
Campos Wittich fez vários contatos que poderiam ser interessantes para a inteligência russa. Sua empresa de impressão 3D tinha instalações militares e agências governamentais entre seus clientes e ele estava comprando uma nova sede a menos de 50 metros do Consulado dos EUA.
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