A descoberta das mortes das estudantes Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão Vieira de Melo, após desaparecerem na praia de Serrambi, Litoral Sul de Pernambuco, há quase 20 anos, fez surgir muitas versões para tentar explicar o crime. Naquela época, o termo “fake news” nem existia, mas já era praticado fortemente e pode ter sido decisivo para a impunidade no Caso Serrambi.
Enquanto a polícia apontava para os irmãos kombeiros Marcelo e Valfrido Lira como os responsáveis pelo duplo assassinato ocorrido em 3 de maio de 2003, informações repassadas ao Disque-Denúncia e boatos publicados na internet levaram a sociedade a se dividir sobre o caso e, muitas vezes, até desacreditar no trabalho da investigação.
“Nós não tínhamos o auge das redes sociais. Mas a fake news ocorria, por exemplo, com o Disque-Denúncia. Nós chegávamos a ter três, quatro denúncias no mesmo momento, no mesmo dia, na mesma hora. Diziam que elas estariam em três, quatro locais diferentes”, relembra o delegado José Silvestre, o primeiro a investigar o Caso Serrambi.
“A gente recebia uma informação de que, às duas horas da tarde, elas estavam numa praia em Maceió. Também diziam que às duas horas da tarde elas estavam numa praia em João Pessoa. E, às duas horas da tarde, elas estariam na praia de Boa Viagem", conta.
"Evidentemente, assumindo que uma (informação) pudesse ser verdadeira, as outras teriam que ser falsas necessariamente. Isso mostra o quanto havia também de leviandade em algumas pessoas que faziam ligações apenas para se divertir, para criar problema, e não se preocupavam com a dor da família”, pontua o investigador.
MARIA EDUARDA E TARSILA, DO CASO SERRAMBI, FORAM MORTAS EM FESTA?
O delegado José Silvestre reforça que todas as teses e informações repassadas foram investigadas antes de a polícia apontar os irmãos kombeiros como culpados pelas mortes de Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão. Inclusive a hipótese de que elas teriam sido mortas durante uma suposta festa na casa de veraneio do amigo onde elas passavam o fim de semana.
O boato circulou rapidamente na internet. Principalmente pelo Orkut, única rede social que existia na época e que fazia muito sucesso - principalmente entre os jovens.
“O fato de ter pessoas de classe média alta envolvidas levou a opinião pública a esperar uma teoria da conspiração para que a pessoa mais abastada, entre aspas, fosse a culpada. E que ela estaria querendo empurrar, culpar, algum outro. Todos foram investigados da mesma forma. Todos os garotos que estavam na casa. Nada foi provado”, diz o delegado.
“O grande problema que nós tivemos é que as pessoas querem uma resposta de acordo com a vontade delas, não com a verdade dos fatos, não com a realidade do que aconteceu. Elas querem aquilo que acham bonito, que esperam. Pouca gente está disposta a ajudar verdadeiramente”, completa.
“Esse é um caso emblemático porque retrata bem o que era, na época, fake news. Todas as pessoas que estavam envolvidas no caso, e foram citadas, foram investigadas. Inclusive o pai de uma delas (José Vieira, pai de Tarsila) que encontrou os corpos e foi investigado com arma de fogo, encontrada na casa dele. O pai foi talvez um dos mais sofridos, porque, além de perder a filha dele, teve a vida revirada”, comenta o delegado Paulo Jeann, último a investigar o Caso Serrambi.
Durante uma revista na casa de José Vieira, armas de fogo e munições foram encontradas pela polícia, gerando boatos de que ele pudesse ter relação com as mortes das adolescentes.
Surgiram questionamentos até se ele realmente seria pai de Tarsila após um exame de DNA, analisado por um laboratório em São Paulo, apontar que ele e Alza Gusmão não eram os pais biológicos da adolescente.
Após uma nova exumação do corpo, outro exame de DNA foi feito e encaminhado para análise em um laboratório do Rio de Janeiro, que comprovou a paternidade de José Vieira e Alza, encerrando, ao menos, um dos boatos que envolviam o Caso Serrambi.
VEJA O WEBDOCUMENTÁRIO: CASO SERRAMBI 20 ANOS
THIAGO BRENNAND VIEIRA FOI INVESTIGADO NO CASO SERRAMBI? ELE ESTAVA NA CASA COM AS MENINAS?
No segundo semestre de 2022, o nome do empresário pernambucano Thiago Brennand Vieira ganhou destaque nacional após imagens de agressões contra uma mulher numa academia de São Paulo serem exibidas no programa Fantástico, da TV Globo. A cada dia, novas denúncias de violência contra mulheres surgiram e passaram a ser acompanhadas por veículos de imprensa de todo o País.
Na internet, Thiago Brennand Vieira também foi associado ao Caso Serrambi. De fato, ele chegou a ser investigado pela polícia, na época, porque o nome dele foi citado como uma possível pessoa que estaria na casa de veraneio com as adolescentes Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão.
Mas, conforme explicam os delegados, ele nunca esteve naquela casa. Na data do desaparecimento, inclusive, estaria viajando. Portanto, não tem qualquer relação com o Caso Serrambi.
“Pessoas sabiam de um rapaz que era conhecido na área de Porto de Galinhas por ter alguns problemas comportamentais e tinha o nome do garoto da casa, mas não o sobrenome. As pessoas já automaticamente disseram que se tratava dele. Eram dois Tiagos. Mas são duas pessoas distintas. Eles foram investigados também”, recorda o delegado José Silvestre.
“Todos aqueles adolescentes da casa de Serrambi foram investigados, bem como o outro (Thiago Brennand) que foi apontado por notícias falsas também foi investigado a fundo”, reforça o delegado Paulo Jeann.
José Silvestre reforça que só a linha de investigação apontada para os kombeiros se mostrou compatível com as provas. E que todas as investigações feitas pelas polícias Civil e Federal chegaram à mesma conclusão.
“Fica muito difícil acreditar que mais quatro profissionais, sendo um também da Polícia Federal, não encontrariam alguma coisa diferente, alguma coisa a mais se tivesse algo que fosse escolhido, algo que fosse empurrado para facilitar para alguém. Teria vindo à tona. Essas equipes trabalharam muito bem, de forma totalmente independente”, conclui.
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