INVESTIGAÇÃO

Defesa diz que houve 'falhas' na prisão em flagrante dos PMs do Bope que mataram 2 homens no Recife

Militares alegaram que houve troca de tiros, mas familiares de vítimas negam versão. Mortes ocorreram após invasão de casa na comunidade do Detran, na Zona Oeste do Recife

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Raphael Guerra

Publicado em 23/11/2023 às 14:24 | Atualizado em 23/11/2023 às 14:27
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A defesa dos nove policiais militares do Batalhão de Operações Especiais (Bope) envolvidos na ação que resultou nas mortes de dois homens na comunidade do Detran, na Iputinga, Zona Oeste do Recife, afirmou que houve "falhas" na prisão em flagrante. 

Em comunicado enviado à imprensa, o advogado Raimundo de Albuquerque declarou que, na audiência de custódia, ocorrida na quarta-feira (22), "apresentou todas as falhas no procedimento realizado no auto de prisão em flagrante, os aspectos legais desrespeitados e, mesmo assim, em sua grande parte, não foram observados na análise judicial".

No texto divulgado, o advogado não detalhou quais teriam sido essas falhas. 

A operação do Bope aconteceu na noite da segunda-feira. No dia seguinte, os nove foram presos em flagrante pelo crime militar de violação de domicílio após imagens de uma câmera de segurança serem analisadas.

Na audiência, o juiz plantonista acolheu a manifestação do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), que solicitou a manutenção das prisões de seis policiais filmados entrando na residência antes dos tiros serem disparados contra as vítimas. Os outros três conseguiram a liberdade provisória, mas mediante aplicação de medidas cautelares - como a proibição de trabalharem armados. 

O advogado não explicou, no texto divulgado, quais falhas teriam ocorrido na prisão em flagrante. Mas disse que, na audiência, o Estado apontou "novos supostos crimes, mesmo o próprio responsável do auto de prisão em flagrante ter afirmado que não haveria provas, fazendo juízo de valor de possíveis novas condutas". 

A defesa disse, por fim, que tomará as medidas cabíveis e que aguardará o resultado das investigações "para demonstrar os fatos como eles ocorreram". 

PRISÕES PREVENTIVAS

De acordo com o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) os policiais militares Carlos Alberto de Amorim Júnior, Ítalo José de Lucena Souza, Josias Andrade Silva Júnior, Brunno Matteus Berto Lacerda, Rafael de Alencar Sampaio e Lucas de Almeida Freire Albuquerque Oliveira tiveram as prisões preventivas decretadas porque há indícios de autoria e materialidade do crime ao qual estão sendo acusados e também como garantia da ordem pública

Eles seguiram para o Centro de Reeducação da Polícia Militar de Pernambuco (Creed), em Abreu e Lima.

Já os PMs Jonathan de Souza e Silva, Carlos Fonseca Avelino de Albuquerque e Valdecio Francisco da Silva Júnior receberam liberdade provisória, a pedido do MPPE, que entendeu que eles não estavam na casa no momento dos tiros. 

Mas esses policiais terão que cumprir três medidas cautelares: comparecimento ao juíza mensalmente para informar e justificar suas atividades; proibição de acesso ou frequência ao local onde ocorreu o fato e suas proximidades; suspensão de suas atribuições, devendo suas atividades se restringirem à área interna dos seus batalhões e sem uso de arma de fogo. 

Ainda na quarta-feira, horas após a Justiça decretar a prisão preventiva dos militares, a Polícia Militar de Pernambuco anunciou a troca de comando do Bope

O tenente-coronel Wanbergson Correia Melo foi substituído interinamente pelo major José Rogério Diniz Tomaz. Em nota, a corporação informou que a mudança ocorre "em decorrência dos acontecimentos na Iputinga, e com o intuito de assegurar total lisura e transparência nas investigações em andamento".

CÂMERA FILMOU AÇÃO

Imagens mostraram o momento em que os policiais chegaram e arrombaram a porta da casa onde estavam as vítimas. Mulheres e crianças foram tiradas do local e, depois, houve os disparos de tiros. Momentos depois, os militares saíram da residência com os corpos. Participaram da ação dois sargentos, dois cabos e cinco soldados. 

As vítimas foram identificadas como Bruno Henrique Vicente da Silva, de 28 anos, e Rhaldney Fernandes da Silva Caluete, 32. Nenhum PM se feriu na operação. 

Logo após as mortes, os militares do Bope se apresentaram na sede do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), no bairro do Cordeiro, e relataram que os homens foram mortos porque reagiram à abordagem.

Os PMs disseram que, na ação, foram apreendidos 527 gramas e mais 28 pequenas porções de maconha, 150 pedras de crack, uma balança de precisão, dois revólveres calibre 38 e 12 munições - sendo nove deflagradas. 

Eles chegaram a ser liberados após os depoimentos no DHPP. Mas, após análise das imagens da câmera de segurança, a Delegacia de Polícia Judiciária Militar identificou que a versão dos militares não se sustentava e determinou que os PMs fossem autuados em flagrante.

As armas de fogo usadas por todos os policiais foram recolhidas ainda na noite da segunda-feira e passam por perícia no Instituto de Criminalística. O laudo deve sair nos próximos dias. 

INVESTIGAÇÕES EM ANDAMENTO

Há três investigações em andamento para esclarecer a conduta dos policiais envolvidos nas mortes dos dois homens na comunidade do Detran. 

A primeira é um inquérito policial militar, já que o grupo é suspeito de praticar um crime militar (violação em domicílio). 

A segunda é da Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS), que apura o caso no âmbito administrativo. Ao final, a depender da gravidade, os suspeitos podem até ser expulsos da Polícia Militar. 

"A Corregedoria reúne os elementos da apuração criminal para investigar a conduta do servidor policial em relação à parte de disciplina. Toda vez que alguém comete o crime e é servidor, ele também responde administrativamente. A gente vai tentar individualizar a conduta de cada um para saber realmente quem participou e quem não participou das mortes", explicou a corregedora geral da SDS, Mariana Cavalcanti. 

"A gente tende a dar muita celeridade nesses casos que são de muita evidência, que chamou atenção, que tem vídeo circulando. O nosso prazo seria de acordo com o crime que está sendo investigado", disse. 

Por fim, a terceira investigação é da Polícia Civil, responsável por investigar as duas mortes durante a ação dos policiais. O delegado Roberto Lobo, do DHPP, comanda esse inquérito. 

Dois promotores de Justiça também foram designados pela Procuradoria-Geral de Justiça para acompanhar as investigações.

O QUE DIZ OS FAMILIARES DAS VÍTIMAS?

Os parentes disseram que os policiais entraram na casa, renderam e atiraram nas vítimas. "Houve um ato de covardia. A gente não sabe nem o motivo disso. Eles não eram traficantes, não tem nada disso. Não havia mandado de prisão nenhum contra ninguém aqui", contou um irmão de Bruno que preferiu não se identificar.

"Meu irmão estava em casa, tranquilo. Os policiais entraram, mandaram as mulheres saírem com as crianças e depois dispararam os tiros. Ainda atiraram de dentro para fora para simular que meu irmão e o amigo dele atiraram", completou.

Outro parente cobrou um posicionamento do governo do Estado sobre a ação policial. "Não houve troca de tiros. Como houve troca de tiros se houve tempo de tirar as mulheres e crianças (da casa)? Não havia armas, não havia drogas."

VÁRIOS MORTOS EM AÇÕES POLICIAIS NOS ÚLTIMOS DIAS

Nos últimos dias, outras três ações policiais resultaram em oito mortes de supostos bandidos

No último sábado (18), três homens foram mortos após supostamente trocarem tiros com policiais militares na comunidade de Salinas, em Porto de Galinhas, na cidade de Ipojuca. A PM alegou que os homens eram suspeitos de integrar uma facção especializada no tráfico de drogas.

Na sexta-feira (17), a troca de tiros ocorreu em Casa Amarela, Zona Norte do Recife. De acordo com a versão da Polícia Militar, uma equipe da Companhia Independente de Policiamento com Cães (CIPCães) recebeu a denúncia de um veículo que estava realizando direção perigosa no bairro do Vasco da Gama.

Os militares teriam sido recebidos a tiros ao localizarem o carro em Casa Amarela. Os PMs reagiram e mataram os dois homens. Ainda de acordo com a versão oficial, no carro dos suspeitos foram encontrados um pistola calibre .40, três carregadores, munições e cápsulas deflagradas.

Na troca de tiros, uma idosa de 60 anos que passava pelo local foi atingida na perna por uma bala perdida. Ela foi socorrida e encaminhada para a UPA de Nova Descoberta. Um cachorro, também atingido por um tiro, morreu.

Já na quinta-feira (16), durante ronda do Batalhão Radiopatrulha, na comunidade V8, no Varadouro, em Olinda, cinco homens teriam trocado tiros com policiais militares. A versão oficial é de que os suspeitos teriam iniciado os disparos após perceberem a presença da viatura policial.

Quatro homens ficaram feridos à bala. Eles foram socorridos e encaminhados para o Hospital da Restauração, na área central do Recife, mas três não resistiram. Os nomes e idades dos suspeitos não foram revelados.

De acordo com nota enviada pela assessoria de comunicação da Polícia Militar, quatro armas de fogo foram apreendidas, sendo três revólveres e uma pistola.

Os suspeitos, ainda segundo a nota oficial, também estavam de posse de uma grande quantidade de drogas, sendo dezenas de papelotes de maconha e pedras de crack, além de balança de precisão e uma quantia em dinheiro.

A PM disse, por fim, que um dos suspeitos envolvidos no tiroteio foi preso pelo 1° BPM após o confronto na comunidade V8. 

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