Desafios do Recife: Guarda Municipal deve usar arma de fogo para combater violência?
Tema será alvo de ampla discussão entre os candidatos à Prefeitura do Recife. Reportagem compõe a série do JC sobre os desafios do futuro prefeito
O uso de arma de fogo pela Guarda Municipal deve dominar o debate entre os candidatos à Prefeitura do Recife ao tratarem do tema segurança pública. A discussão, na verdade, tem sido ampliada em todo o País, por causa dos projetos de lei que pretendem ampliar os poderes desses profissionais, inclusive mudando o nome para "Polícia Municipal".
O Recife é a única capital do Nordeste que não aderiu o uso de armas de fogo durante o expediente dos guardas municipais, apesar das inúmeras cobranças feitas pela categoria nos últimos anos, sob o argumento de que precisam preservar a própria segurança.
"Trata-se de uma necessidade imposta pela violência que existe. Vai contribuir para a nossa segurança e para que a gente possa impedir que os crimes ocorram. Há poucos dias, a guarda participou de uma operação e apreendeu drogas e armas de fogo no Ibura. Mas como vamos apreender arma de fogo, sem armas?", questionou Marília Viana, presidente do Sindicato dos Guardas Municipais, Subinspetores, Inspetores e Agentes de Trânsito do Recife (Sindguardas).
"Hoje nós usamos spray de pimenta e taser (armas menos letais), mas o número é muito baixo para a corporação. A arma de fogo vai ajudar muito. É importante lembrar que somos uma instituição com controle interno e externo. Temos nossa corregedoria para fiscalizar o trabalho dos guardas municipais", ressaltou.
Recife conta, hoje, com pouco mais de 1,7 mil guardas municipais. Mas o ideal seria ter pelo menos 2,5 mil. O último concurso público foi realizado em 2015.Além disso, segundo Marília, a prefeitura precisa melhorar as condições de trabalho dos profissionais. "Não há coletes balísticos suficientes, e muitos estão vencidos", citou.
PARA ESPECIALISTAS, ARMA DE FOGO NÃO REDUZIRÁ VIOLÊNCIA
Para especialistas ouvidos pelo JC, no entanto, o uso de arma de fogo pela Guarda Municipal não irá contribuir para a redução da violência.
"Pesquisas recentes mostraram que a quantidade de guardas municipais cresceu no País. De fato, há uma demanda pelo porte de arma, mas isso não vai resolver o problema da segurança. Não se pode reduzir a Guarda Municipal a uma mini Polícia Militar. A Guarda Municipal é para a prevenção. Há funções de apoio às escolas, à assistência social, à política de redução de danos às drogas, entre outros", disse Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz.
Ela reforçou que a Guarda Municipal tem papel relevante na prevenção social e o prefeito, como autoridade responsável pela cidade, precisa entender em quais ações prioritárias esses profissionais da segurança devem atuar. A arma de fogo, porém, não deve ser usada como uma solução para redução dos crimes.
"A corporação precisa ser qualificada para que seja feito o uso graduado da força. O uso de armamento deve ser a última opção, somente quando for necessário no cumprimento da lei. É preciso cuidado para não se agravar a violência institucional no País, e também não submeter a guarda a riscos", ponderou.
Ana Maria Franca, coordenadora regional do Instituto Fogo Cruzado em Pernambuco, destacou que a adesão da Guarda Municipal às armas de fogo pode aumentar a circulação delas no País. E, consequentemente, a violência.
"Aumentar o número de armas em circulação, ainda que nas mãos de agentes, não resolverá nossos problemas. Estamos vivendo uma crise na segurança pública justamente pelo alto número de armas em circulação na sociedade. Somado a isso, haverá revisão e/ou implementação de um plano municipal de segurança pública pautado em ações de prevenção à violência? Não existem pesquisas e evidências que constatem a eficácia dessa medida para a redução da violência", afirmou.
O cientista Social Derick Coelho compartilha da mesma opinião sobre o uso de armas de fogo pela Guarda Municipal.
"É preciso olhar para a estrutura do Estado e tentar fazer com que os municípios atuem mais no campo da prevenção. Armar a guarda municipal só vai ampliar o contexto da insegurança. O que falta, não só para Recife, mas para a Região Metropolitana, é esse olhar mais aprofundado nas questões de segurança pública, onde tanto a esquerda, quanto à direita, não conseguem abraçar por completo, porque ficam enviesados nas suas ideologias políticas e quem sofre é a população", finalizou.