Gilbertos samba, de Gilberto Gil, é um disco irretocável. A homenagem ao mestre João Gilberto por um aprendiz que virou mestre, e criou sua própria escola. Algo assim como aconteceu com Miles Davis e John Coltrane, que aprendeu com o primeiro e, empregando os mesmos princípios, fundou seu próprio cânone. Isto se evidencia claramente em
Aos pés da cruz (Marino Pinto/Zé da Zilda, não por acaso gravada por Miles Davis). Em Gil estão o canto sem vibrato e as harmonizações que enriquecem a canção mais simples, lições ministradas por João. Porém, o disco seria mais adequadamente intitulado se o “samba” também estivesse no plural.
Bossa nova é um tipo diferente de samba, inventado por João Gilberto, o samba de Gilberto Gil não recebeu nome próprio, atende pelo nome do criador. A batida não é a mesma de João, tem mais África nela, o violão é percussivo, uma variação do samba que se delineou em
Aquele abraço, e se confirmou em
Expresso 2222, e
Meio de campo, de 42 anos atrás. Se João ouviu Chet Baker, Gil curtiu Jimi Hendrix, mas as raízes são as mesmas, o samba carioca, baianizado por Dorival Caymmi, com o baião pernambucano de Luiz Gonzaga. Lembrando que o baião também está presente na obra de João Gilberto; No 78 rotações que inaugurou a bossa nova, em 1958, o lado B de
Chega de saudades é
Bim bom (João Gilberto), dos versos: "É só isso meu baião/e não tem mais nada não").
Gilbertos sambas virou DVD (dirigido por Andrucha Waddington), e mais um CD, ao vivo, o que amplia o leque para Gil cantar seus sambas à Gilberto Gil, unindo os dois batuques de negros, samba e baião, com a sanfona de Mestrinho, em
Mancada, pinçada do comecinho da carreira, e na seminal
Chiclete com banana (Almira Castilho/Gordurinha), do repertório de outra voz guia da MPB, Jackson do Pandeiro, e num dos clássicos da bossa nova,
Você e eu (Carlos Lyra/Vinicius de Moraes).
Gilberto Gil canta com Bem Gil (violões, guitarra e percussão), Domenico Lancellotti (bateria, percussão e MPC), o citado Mestrinho (sanfona e percussão), todos com a mesma sutileza zen do mestre. No DVD, Moreno Velloso faz uma participação em
Gilbertos (Gilberto Gil) em que Gil canta: “Aparece a cada cem ano um/e a cada 25, um aprendiz”. Pelo caminhar do andor, pela qualidade deste
Gilbertos sambas, e pela lamentável degringolada que se abateu sobre a música brasileira, até que surjam outros mestres iguais a ele ou a João, acrescente-se mais um século a estas contas de Gil, .
Confiram Gilberto Gil em
Meio de campo:
https://www.youtube.com/watch?v=O3TogiCPKDw