Felipe S em maracatus, batuques e sutilezas

Publicado em 24/01/2017 às 9:17
capa: reprodução tela de Maurício Silva
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capa: reprodução tela de Maurício Silva capa: reprodução tela de Maurício Silva Felipe S, ainda adolescente, tocou na noite em que a Soparia, de Rogê, fechou pra mudança de endereço, em 25 de novembro de 1999. Uma noite de rito de passagem. Em 2004, a Mombojó, grupo de que tem Felipe S como vocalista e compositor, foi a primeira banda pós-manguebeat a trilhar caminhos que não passavam pelo sincretismo do rock com o regional, porém sem renegá-lo, nem esnobar o legado de Chico Science, como era comum entre os novos grupos. A música da Mombojó é o lado avesso do manguebeat. Enquanto neste predomina a exuberância, a extroversão, com Felipe S e banda enfatizou-se o introspectivo, os vocais são econômicos, o rock apenas se insinua, a música dá impressão que não chega até o fim. A Mombojó foi dos poucos grupos pop de sua geração que estabeleceu um universo sonoro próprio. Doze anos desde o álbum do Mombojó, Nadadenovo (que foi disseminado pela Internet, ainda coisa pouco comum), Felipe Souza encara o inevitável disco solo, Cabeça de Felipe (Jóia Moderna, desde ontem nas plataformas digitais), com canções que escreveu à parte do repertório que forjava para a banda, mas que se situa dentro do mesmo universo. Um disco à primeira audição básico como um demo, mas, palimpsesto, vai-se descobrindo as camadas superpostas. Piada Yanomami, por exemplo, tem apenas Felipe S (voz, guitarra, baixo e samplers), Sofia Freire (vocais de apoio), e Homero Basílio (percussão), e sutilezas que vão se apreendendo aos poucos. As participações vão variando por faixas, mas sempre dentro do clima intimista do disco. A interpretação de Felipe S é quase sempre coloquial, da forma menos dramática possível, mesmo que suas letras alertem para prédios que estão desabando, “Azulejos, pilotis, tudo pó/ para que as ondas se encarreguem de levar”, versos de Calçada Proibida (com Tibério Azul), classificada como reggae, mas que soa como uma levada de afoxé cadenciado. No samba chuleado, Santo forte (com China e Samico), com direito a surdo e caixa de fósforos, a batucada fica pra uma versão que alguém porventura faça. Uma espécie de samba de terreiro, adaptado para apartamento, com direito, no final, a “orientações e conselhos” de Jr.Black. Da Capoeira pro Samba (com Cristiano Lenhardt) tem letra e música à Jorge Ben (antes do Jor), agora com vocais de Ana Sartori e trompete, tem levada de música de capoeira. O arranjo é feito de sutilezas, um teclado aqui, um trompete (de Márcio Oliveira), ali. Cabeça de Felipe (obra, que ilustra a capa do álbum, assim batizada pelo pai do cantor, o artista plástico Maurício Silva, que vive há anos em Paris) é um disco de surpresas. Nova Bandeira, dance na ficha técnica, vira frevo a partir do meio da música. Vão (com Juliano Holanda e Publius), um dito maracatu, que começa em ritmo de caboclinho, tem letra na métrica da cantoria de viola. Alessandra Leão está nos vocais, e a guitarra de Habacuqe destaca-se com os ruídos em diálogo com a bateria de Rafa Cunha. “Vão dizer por ai que não sou palha/mas qualquer pouco fogo/me incendeia”, da citada Vão, define bem o tom o conceito do álbum, em que menos é mais, trazendo algumas das melhores e, obviamente, mais maduras letra de Felipe S, que trafega na via contrária ao barulho, à pressa, e da música tosca, às quais as pessoas estão se acostumando. A cabeça de Felipe S aponta para outra via, que não passa pela barbárie. Confiram Felipe S no áudio de Vão: https://www.youtube.com/watch?v=Wjb_P9o5ERk        

 

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