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Bitches Brew, de Miles Davis, aos 50 anos, ainda surpreendente

Discos foi um divisor de águas na música popular do século 20

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José Teles

Publicado em 03/04/2020 às 16:30 | Atualizado em 03/04/2020 às 16:50
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Durante o tumultuado ano de 1968, Miles Davis andava com a cabeça a mil. A cantora Betty Mabry (que assumiu depois o sobrenome Davis), sua mulher na época, mostrara-lhe que havia uma nova onda musical no ar, enquanto ele vivia recolhido ao seu mundinho do jazz. Betty o convenceu a trocar os ternos bem cortados por roupas menos convencionais, o apresentou a músicos como Sly Stone e Jimi Hendrix. O trompetista que quase sempre criou tendências, não queria seguir a de terceiros, muito menos continuar tocando para meia dúzia de aficionados em jazz. Passou até a renegar o termo. “Jazz” disse em uma entrevista na época era uma palavra criada pelos negros Pai Tomás (Uncle Tom, no original).

Esta foi a semente do álbum Bitches Brew que está completando meio século (foi lançado nos EUA em 30 de março de 1970). Com uma espécie de teste com o disco de 1969, In A Silent Way. Como aconteceu em décadas anteriores, Miles Davis voltava a ser tendência. Criou uma nova sonoridade, empregando 14 músicos (incluindo Airto Moreira, em uma faixa). Com a nova música, a nova banda, ele conseguiu a antipatia de quase todos os críticos de jazz que, até então o endeusavam, e atraiu a atenção da leva de críticos surgida com as proliferação de revistas dedicada ao rock e à contracultura. Ele deixou de tocar em para poucos em clubes pequenos de jazz, para participar de festivais de rock pra milhares de pessoas.

Miles Davis tinha o dom de escolher para tocar com ele. Quase todos se tornaram estrelas de brilho próprio depois que saíram de sua banda. O baixista inglês Dave Holland tinha 21, quando Miles Davis o viu tocando no Ronnie’s Scott, em Londres. Ron Carter, baixista que tocou alguns anos com ele, estava deixando o grupo. Ele procurava um substituto, o encontrou em Holland. O convite foi feito ali mesmo no clube. O inglês demorou a acreditar, mas dias depois estava em Nova Iorque.

Wayne Shorter, Chick Corea, Joe Zawinul, John McLaughlin and Dave Holland, Jack DeJohnette. Larry Young, Harvey Brooks, Lenny White, Jim Riley, também conhecido por Jumma Santos, Bennie Maupin, e Airto Moreira (numa única faixa), os músicos que participaram de Bitches Brew. cujas ousadias já começavam pelo título. Bitches (“putas”, pode ter também um significado positivo, no caso “putas músicos”, grosso modo, “Putas músicas trabalhando”. Brew como verbo tem vários sentidos, um deles fabricar cerveja. Foi a primeira vez que “bitch” apareceu na capa de um de disco, nos EUA.

DEZ DA MANHÃ

Às dez da manhã, de 19 d agosto de 1969, estavam todos a postos para a primeira sessão de Bitches Brew, com o engenheiro de som Stan Tonkel e o produtor Teo Macero, que teve importância primordial no álbum. Neste disco ele está para Miles Davis como George Martin para os Beatles. Ao contrário de outros álbuns que eram criados praticamente no estúdio, em um único dia, Bitches Brew tem três músicas que há haviam sido testadas no palco, uma delas, Sanctuary, de Wayne Shorter, gravada com outro arranjo e andamento com o ultimo quinteto de Miles, em 1968, com George Benson na guitarra.

Foram três dias de gravações, num dos estúdios da Columbia no centrão de Manhattan. Os temas pediam mais ou menos músicos. No terceiro e último dia Miles resolveu dar a carga toda. Tocou com onze músicos, três tecladistas, um guitarrista, dois baixistas, dois baterias um percussionista, e claronetista. O gravador registrou do primeiro ao último minuto.

O restante ficou por conta do produtor Teo Macero. Centenas de solos, intervenções, foram trabalhadas, durante cinco semanas. O tema Pharaoh’s Dance, recebeu 17 edições. Sem esquecer o acréscimo de eco, delay. Macero recebeu carta branca. O que se escuta no álbum é uma grande montagem de Macero, que trabalhou com Miles durante mais de vinte anos, mas nunca recebeu os devidos créditos do músico, que não gostava nem de incluir o nome dos músicos da banda na contracapa dos discos.

Toda a zueira (que dura 94 minutos) que permeia Bitches Brew, a faixa Miles Runs The Voodoo Down é Miles procurando o som de Jimi Hendrix tem a ver com a música erudita clássica. Num artigo, de Paul Tingen, ele cita um comentário do músico erudito inglês Paul Buckmaster sobre Bitches Brew. Buckmaster ressalta o formato de sonata que Macero emprego nas edições das faixas do álbum: uma exposição com dois temas, uma seção intermediária, uma volta aos temas iniciais, e a coda, o final (coda é cauda em italiano).

Bitches Brew merece o clichê: um divisor de águas na música popular do século vinte. Mudou o rock, o jazz, incentivou ousadias em produtores mundo afora. 50 anos depois de lançado, espanta a quem o escuta pela primeirão vez, divide até hoje opiniões aos que curtem jazz.

. O cinquentenário não ganhou mais uma reedição de luxo, nem caixa recheada de CDs, com sobras, registros de shows, e penduricalhos. A edição especial de 40 anos, com quatro CDs, foi suficiente. Uma década depois a Columbia/Legacy relançou uma edição limitada em vinil. A única em relação a Bitches Brew,a novidade foi a liberação para streaming de um concerto em novembro de 1969, no Tivoli Koncertsal , em Copenhague, na Dinamarca. O link: https://www.youtube.com/playlist?list=PL1RJCGLa8Ni1-67ptN_E8-uSKnf-Vt0Kn

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