Diane Schuur lança primeiro disco em seis anos, em clima de covid-19

Cantora revisita suas memórias afetivas indo de Miles Davis a Jaco Pastorius

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JC

Publicado em 06/05/2020 às 23:39
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Estamos em tempos de coisas leves, sequilhos, bolos de goma, suspiros, e Diane Schuur, no primeiro disco em seis anos, Running on Faith, um título que tem a ver, grosso modo, botando fé. A própria Diane é uma sobrevivente. Cega desde o nascimento devido a um erro ocorrido na incubadora (nasceu de parto prematuro), ela se tornou cantora de prestigio, esteve em palcos com Ray Charles ou Frank Sinatra, e Stan Getz a ensinou a cantar o essencial, deixando de lado o excesso de firulas, um defeito comum a muita gente que parte para cantar jazz ou soul.
Mas teve vida atribulada, problemas com álcool e drogas ilícitas, tentou o suicídio, foi salva de uma das tentativas pelo irmão, antes que saltasse pela janela. Hoje aos 66 anos, viúva mora isolada numa cidade pequena. Conta que sua vida foi marcada pela deficiência, mas até hoje faz piadas sobre sua condição. Ray Charles e Stevie Wonder também.
Diane Schuur volta ao disco cantando um repertório que passa pela sua memória afetiva. Vai de Miles Davis (All Blue, com letra), a Paul Simon (Something So Right), Percy Mayfield (Walking on a Tight Rope), Jaco Pastorius (Chicken), ou Beatles (Let it Be). São 13 faixas, que se encerram com a tradicional Swing Low Sweet Chariot. Alguém pode se perguntar por que algo tão óbvio quanto Let it Be. O motivo é que este álbum foi concebido quando o vírus já abatia vidas nos EUA, com o presidente Trump teimando que se tratava de um “little cold”.
Running on Faith é, pois, um dos primeiros discos, de um grande nome da música internacional criado durante uma quarentena, impensável um ano atrás. Só então vai caindo a ficha, quanto ás composições escolhidas. O disco é aberto com Walking on a Tight Rope (Andando na Corda Bamba), mais à frente o incentivo de The Sun Will Shine On You (O Sol Irá Brilhar Sobre Você), de Jeff Lyne, ou There’s Always One More Time (Há Sempre Mais Uma Vez), de Doc Pomus.
Dos seus tempos como crooner da orquestra de Count Basie, ela aprendeu a entreter plateias. Este disco tem esta finalidade, jazz enviesado para o pop, para divertir com requinte. O que aliás era o que se fazia no jazz até que do outro lado do oceano, um alemão baixinho de bigodinho ridículo (segundo dizem, para disfarçar o nariz grande), cismou de dominar o mundo. Provocou a maior guerra em que a humanidade se meteu.
Jovens americanos músicos, apreensivos, pela probabilidade do nazismo vencer, como dava a impressão pelas sucessivas vitórias, pela imprevisibilidade do futuro, reagiram transgredindo os cânones de um gênero musical que remontava ao começo do século. Acordes alterados, sincopas, frases assimétricas, entronchamento de melodias , aventuraram-se por novas searas, e passaram a tocar para uma plateia com concatenadas com o que pensavam. Diane Schuur, de certa fora, transgride regras, a cantar por exemplo, o blues Everybody Looks Good at the Starting Line, de Paul Thorn, um blues meio quadrado, com solo de guitarra como não se usa mais., e um sax endiabrado, parece até um frevo. Confinados têm mais é que se divertir, a situação não é tão ruim quanto na Segunda Grande Guerra. Em 1944, o mal. O mal, feito nos filmes inspirados em gibis, sempre perde no fim.
Diane Schuur produz o disco, com o saxofonista Ernie Watts. Ela toca piano em todas as faixas, num álbum em que teve controle total da direção, repertório e músicos. Além de Watts, tocam com Diane, Kye Palmer (trompete, flugelhorn), Thom Rotella (guitarra), Bruce Lett (contrabaixo), Kendall Kay (bateria)

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