Memória

Roberto Menescal numa biografia que vai além da bossa nova

Com Ronald Bôscoli ele revestiu a bossa nova de mar, mas o de Cabo Frio

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JC

Publicado em 05/06/2020 às 21:00
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“Em algum lugar do mundo, talvez no Brasil, dizem que existe um homem feliz”, o versos de Vladimir Maiakovski poderiam ser dirigidos a Roberto Batalha Menescal, capixaba, da classe de 1937. Do alto dos seus 83 anos, uma obra de cerca de 400 composições, nascido numa família abastada, trabalhando a vida de inteira com música, sua maior paixão, Menescal passa a impressão de que nunca sofreu nem a mais leve dor de cotovelo. É o que confirma a biografia Roberto Menescal – Um Arquiteto Musical, de Cláudia Menescal (Futurama Editora, 288 páginas, fartamente ilustrada), com lançamento, online, nessa quarta-feira, 10 de junho, às 19 horas, nas redes da Livraria da Travessa e da Livraria Futurama (Facebook e Instagram), com a exibição de um documentário, narrado pela autora do livro, filha do biografado. O livro teria noite de autógrafo em março, cancelada por causa da pandemia.
Na avenida N.S de Copacabana, na Zona Sul carioca, funciona desde 1942, a Galeria Menescal, tombado pelo patrimônio do Rio de Janeiro. Roberto Menescal foi morar num apartamento no prédio da galeria quando estava com onze anos. A galeria é de 1942, pertencia ao engenheiro Humberto Menescal irmão do pai do futuro compositor, também engenheiro, que pretendia que o filho seguisse a mesma profissão. Mas ele se desencaminhou, acabou na música.
Roberto Menescal numa Copacabana idílica. Um pedaço de primeiro mundo, encravado num país tropical. Sem violência, com alto padrão de vida, e muita música. A música parecia convergir a ele. Estava com 14 anos, quando namorou uma menina de 12, chamada Nara Leão, moradora do bairro. Estudou no Santo Inácio, o mais requintado colégio do Rio, mais o ensino era puxado, ele foi para o ameno Colégio Mallet Soares, onde conheceu Carlos Lyra. E Luis Carlos Vinhas. Um núcleo da bossa nova de calças curtas. Menescal perdeu a robusta mesada do pai, e foi ensinar violão, numa escolinha aberto por ele e Carlos Lyra.
A vida de Menescal se desenrola em clima de sonho. Ele está em casa, onde acontece uma festa de adultos. Ele fica na porta recebendo os convidados, de repente chega um penetra: “um rapaz de aparência tímida, falando baixo, com camisa de manga curta, destoando dos demais convidados que usavam paletó e gravata ou vestidos sociais. O rapaz perguntou se ele tinha um violão em casa. Roberto não entendeu muito bem, pois não conhecia o sujeito e se mostrou intrigado com o tal invasor na festa dos pais. Abriu um pouco mais a porta e mostrou que a casa estava repleta de pessoas. Ao que o rapaz respondeu: Isso é grave”. Era João Gilberto, já com a batida estranha no violão.
A narrativa passa a admiração da filha pelo pai. Feito quando conta como Menescal, depois de muito tempo tentando, consegue conhecer pessoalmente Tom Jobim. Eis que batem à porta da escola de violão e lá está o maestro, para convidá-lo a gravar o disco Orfeu da Conceição, que celebrou a parceria Tom e Vinicius.
Bossa nova ficou estigmatizada como música de apartamento. Existe até uma explicação apócrifa para o estilo cool. Como era tocada em reuniões na casa dos pais de Nara Leão, um apartamento na Avenida Atlântica, em Copacabana, a música era tocava com suavidade para não incomodar os vizinhos. Era na verdade tocada onde o pessoal da bossa estivesse, isto poderia ser na casa do pianista Bené Nunes, então bastante popular no Brasil (citado na música Coroné Antonio Bento, e João do Vale), no Beco das Garrafas ou na praia.
A BN é também intrinsecamente ligada ao mar, graças as parceria de Roberto Menescal com Ronaldo Bôscoli. Sempre que se quer detratar a bossa nova cita-se versos de O Barquinho, a mais famosa composição da dupla, composta, como várias do dois, em Cabo Frio, onde Menescal costumava praticar pesca submarina (foi uma campeão nesta modalidade): “Precisávamos fazer O Barquinho em dois dias. Fizemos em uma hora e meia. E não houve jeito de retocá-lo. Nossa segunda música foi Você. Posteriormente, a trilogia de Cabo Frio: Nós e o Mar, Vagamente e Ah! Se eu pudesse. Vieram depois: Rio, Telefone, Ilha Comprida e um rosário de coisas belas. De músicas belas! Que coisa boa a nossa parceria e amizade” (Ronaldo Bôscoli).
Menescal só se profissionalizou para valer depois do histórico e confuso concerto de bossa nova no Carnegie Hall, em Nova York, em 1962. E ele recusou o convite para participar. Preferia Cabo Frio, na época uma praia deserta. Foi preciso Tom Jobim convocá-lo. Sugestão de Tom para Menescal era uma ordem. Ele diz que Tom Jobim é o seu Deus, pra quem até hoje confessa seus pecados. Sua estreia como cantor foi no Carnegie Hall. Menescal é tido como o artista mais cool da música brasileira. Quando foi para Nova Iorque com a turma da bossa nova, fã de jazz, ele ficou espantado quando chegou ao saguão do aeroporto ele reconheceu dois ídolos, os saxofonistas Gerry Mulligan e Cannonball Addley: “Eles e mais uns seis ou sete. E falei. olha a nossa sorte, chegamos ao aeroporto e o pessoal do jazz está aqui. Pena que não tinha celular para tirar foto. E aí o responsável pela nossa recepção disse: ‘Não é sorte, eles vieram receber vocês. E, inclusive, estão gravando suas músicas’. O primeiro grande choque foi esse. A gente não sabia que eles conheciam a nova música brasileira”, lembra Menescal.
PRODUÇÃO
Geralmente se vê Roberto Menescal como bossa-novista, nos últimos 60 anos ele paira onipresente sobre a música popular brasileira. Entre os anos 70 e 90 foi produtor de muita gente. Nos anos 70 esteve à frente da Phonogram, que mantinha o cast mais importante da MPB, Chico Buarque, Gal Costa, Elis Regina, Raul Seixas, Tim Maia, Caetano Veloso, Gilberto, e muito mais gente boa eram produzidos por Menescal, que não estranhava novidades musicais, afinal ele usava guitarra elétrica quando os tropicalista ainda aprendiam violão.
Um homem feliz que pretende bossanovizar o mundo, é o resumo do depoimento que Nelson Motta (que foi aluno de violão de Menescal), dá à Claudia Menescal, sobre o pai dela: “Então ele é um cara plenamente realizado, né? O que ele fez, só fez o que quis durante a vida dele. Você pega o estilo dele do iniciozinho ali dos anos 1960. O jeito de tocar é o mesmo,
mais amadurecido. Ele é grande, um vitorioso tranquilo, porque ele é cool, ele sempre foi a personificação do cara cool”

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