Dia Nacional do Samba carioca ou do samba brasileiro?
Historiadores apontam que foi no jornal recifense o Carapuceiro, em 1838, a prmeira vez que a palavra samba é citada. Seis anos antes ela aparece numa edição do Diário de Pernambuco
“A admitir-se que o gosto está inteiramente sujeito ao bel prazer de cada um, segue-se necessariamente que em matéria de gosto não há regra fixa, que não há bom nem mau gosto, que não há gostos extravagantes etc. Segue-se que tão perfeita na cantora era Catalini ou a Pasta, quanto Pai Antônio descantando no seu berimbau, que tanto vale uma garatuja da China, eu vinham nos bules e bandejas, como as pinturas de Rafael, Rubens, ou do Corregio. Que tão agradável é um samba de almocreve, quando a Semiramis, a Gaza-Ladra, o Tancredi, de Rossini, como uma cabocla da Alhandra, finalmente que é indiferente comer bobó, vatapá, abrasou (?), aberém (abará?), acassá e caruru, acepipes africanos, que gozar das delícias de uma mesa italiana (...)”
O texto acima foi pinçado do jornal O Carapuceiro, de 3 de fevereiro de 1838. É ao mesmo tempo histórico e interessante. Histórico porque os estudiosos de música popular brasileira apontam que foi aqui que pela primeira vez que a palavra samba aparece na imprensa brasileira. E interessante porque ao comparar gostos refinados com o popular, o Padre Lopes Gama, o Carapuceiro, que, aliás, que dá nome a rua em Boa Viagem, cita acepipes africanos que são creditados tidos como específicos da culinária afro da Bahia.
Assim como as comidas, o samba era do africano, que trouxe suas receitas e suas músicas para o Brasil. Então samba era todo batuque de africano, em qualquer estado onde eles foram cativos. Na verdade, em quase todos os países para onde eles foram levados. No livro o Feitiço Decente – Transformações do Samba no Rio de Janeiro (1917-1933), de 2001, o músico, e professor da UFPE, Carlos Sandroni confirma isto: “A palavra samba é encontrada em diferentes pontos da Américas quase sempre em ligação com o universo dos negros. Argeliers Léon nos mostra numa gravura cubana do século XX, um casal de negros dançando com a legenda: ‘Samba la culebra, si siñó”. Sandroni cita também a presença do termo no Uruguai, Argentina e no Haiti.
Nessa semana se celebrou mais um Dia Nacional do Samba, na verdade do samba carioca, que virou o gênero da nacionalidade na era Vargas. O samba do Rio merece seu próprio dia, como já deve ter. Deveria haver um Dia da Música Afro-Brasileira, e aí seriam celebrados maracatu, baião, samba de coco, e coco em geral, samba de roda, para citar uma parte deles. Aliás os historiadores do gênero devem mudar uma data nos seus escritos. A palavra samba aparece na imprensa seis anos antes de ser publicada pelo O Carapuceiro. “Samba” pode ser encontrado na edição do Diário de Pernambuco, de 4 de agosto de 1830, num crítica à indisciplina das forças militares no estado de Pernambuco:
“Não existe na fora da Capital, nos diversos pontos onde estão destacadas as companhias deste Corpo (Corporação), um serviço ativo a que sejam elas (as tropas) forçadas. Necessariamente a ociosidade disporá (?), aos mais bem conduzidos a se entreterem nas pescarias de currais, a trepações de coqueiros, em cujos passatempos será recebida com agrado a viola, e o samba, e aos peraltas cada vez os fará mais desenvolvidos na conjugação do verbo surrupio”. Samba provavelmente designava um tipo de música de umbigada. Formava-se uma roda, quem ficava no centro saía depois de receber uma umbigada de alguém que o substituía. É quase certo que samba vem de semba, que quer dizer umbigada. Embora autoridades no tema, a exemplo do compositor, pesquisador e escritor Nei Lopes conteste a etimologia, embora a aceite.
O certo é que samba é que em cada província havia seu tipo de samba. Na Bahia em usava-se nos anos 30 do século 19, a expressão “Sem tamba nem samba”, também usada em Pernambuco. No Maranhão aparece pela primeira vez no Chronica Maranhense, porém numa transcrição de texto do citado O Carapuceiro recifense, que é tido como um jornal de humor. Muito pelo contrário o padre Miguel do Sacramento Lopes Gama, o Padre Carapuceiro, era bastante mal humorado, e sua linha editorial era a da crítica aos costumes e à política, dando sempre nomes e endereço aos bois.
Mas “samba” em Pernambuco espalhou-se do caís ao sertão, virou até adjetivo. Uma moça que teve muitos namorados era “uma mulher sambada”, também empregado para algo desgastado. Um calça velha era uma “roupa sambada”. Na mesma época que o DP publica a palavra “samba”, na região de Bonito, entre o Agreste e a Mata Sul de Pernambuco, existia uma propriedade rural batizada de Engenho do Samba, cujo senhor chamava -se José Theodósio Buarque.
Havia uma distinção entre maracatu e samba. Num folhetim de 1869, de W.Figueredo comenta sobre o comportamento de um senhor de engenho: “Estão hoje dispensado do serviço, podem ir descansar, ou dançar. Esta licença tão apreciada pelos negros de engenho derramou o contentamento entre eles: todos se entregaram logo ao maracatu e ao samba”. Distinção que existe bem clara na última década do século 19. Em 1892, numa relação de agremiações às quais foram concedidas licenças para desfilar no Carnaval do Recife estão os maracatus Oriente Pequeno, Elefante, Porto Rico, Centro Pequeno, Cabinda do Porto, Porto Pequeno, Cabinda Velha. Curiosamente, receberam licença quase o mesmo número de agremiações denominadas de “samba”: Samba Três de Ouro, Samba Três Estrelas, Samba Flor do Dia, Samba Primeiro Ano, Samba Flor da Aurora, Samba Dois de Dezembro.
Não há em livros sobre música pernambucana referências à essas agremiações de samba do final do século 19. E não se tratam de maracatus rurais, que já foram denominados de samba de matuto. Nenhum dos Sambas do carnaval de 1892 é da Zona da Mata, seus endereços localizam-se entre os bairros de São José e Boa Vista, um deles é do Feitosa. Estranhamente, no Carnaval de 1900 não há uma única agremiação de samba entre as que receberam licença para sair às ruas nos três dias de folia.