Memória

Luiz Gonzaga demorou trinta anos para chegar à Zona Sul carioca

O baião, embora fizesse muito sucesso, foi esnobado pela elite até o início dos anos 70

José Teles
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José Teles
Publicado em 11/12/2020 às 14:17 | Atualizado em 13/12/2020 às 9:11
ACERVO JC IMAGEM
FAMÍLIA Os irmãos Chiquinha e Severino Januário e Luiz Gonzaga - FOTO: ACERVO JC IMAGEM

“A nossa música popular recebe em cada fase muitas influências exóticas e de um caráter estritamente comercial. Há muitas falsidades, como o baião e a música do morro”, de Dorival Caymmi à Revista da Música Popular, em janeiro de 1955, quando Luiz Gonzaga ainda era um dos artistas que mais vendiam discos no país.
Lua, 108 anos de nascimento neste domingo, 13, demorou em ser aceito na Zona Sul carioca, ou seja, na classe média, e pelos colegas de profissão, esnobes feito Caymmi, que faziam música brasileira, mas eram curtidores de jazz, e eram presenças constantes em publicações como a Revista da Música Popular, editada por Lúcio Rangel, que se ocupava de Ary Barroso, Tom Jobim, os cantores de elite, ou do folclore. O baião e seus intérpretes nordestinos raramente apareciam em suas páginas.
O forró até 1972 foi a música da Zona Norte, do pau-de-arara, como pejorativamente chamavam-se os imigrantes nordestinos no Rio, também de “baiano” ou “Paraíba”. A classe média aceitava o baião desde que interpretado pelos seus pares, Claudette Soares, Carmélia Alves, Ivon Cury.
Tem semelhança com o que acontecia por esta época nos EUA, quando Chuck Berry ou Little Richards tinham suas músicas enbranquecidas pela voz de Pat Boone e do próprio Elvis Presley. O mulato Dorival Caymmi era sócio do Clube da Chave, um seleto clube, criado por Humberto Teixeira. Cada sócio possuía sua chave. Antonio Maria, Sivuca, Bené Nunes, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, foram frequentadores do clube. Johnny Alf foi um dos raros negros que iam por lá. Luiz Gonzaga, principal parceiro e intérprete de Humberto Teixeira não frequentava o Clube da Chave, fundado em 1952. Aliás, um clube hoje impensável. Um clube do Bolinha, só de homens, com acesso a amigas, geralmente cantoras.
OSTRACISMO
Luiz Gonzaga no auge do sucesso fazia com que a gravadora RCA deixasse suas prensa exclusiva para produzir os discos dele, de repente passou a sumir da programação da TV e do Rádio no Sudeste, por tabela nas outras regiões onde seus programas chegavam por videotape. A discriminação explica um pouco esta mudança súbita de prestígio. O próprio Gonzagão já lembrou magoado que intérpretes que se tornaram famosos através do baião, afastaram-se dele logo que o barco começou a dar água. O exemplo mais notório foi o de Carmélia Alves, coroada como Rainha do Baião, por Luiz Gonzaga, no auditório da Rádio Jornal do Commercio. Em 1964, ela gravou um disco inteiro de bossa e sambas, Bossa Nova com Carmélia Alves, lançado pela gravadora pernambucana Rozenblit. Claudette Soares, A Princesinha do Baião, fez o mesmo. Largou os ritmos nordestinos e, no mesmo ano, pela mesma Rozenblit, lançou Claudette É Dona da Bossa.
Só restava a Luiz Gonzaga voltar às origens. Numa Rural, passou a percorrer as estradas esburacadas nordestinas vendendo shows, levando Dominguinhos e Anastácia (foi nesta época que começou o relacionamento dos dois). Ele era seu próprio produtor e empresário. Chegava numa cidade, alugava um cinema, ou picadeiro de circo, circulava pelas ruas fazendo a divulgação. À noite era lotação esgotada.
Esta prática durou até 1968 quando, aos 56 anos, Gonzaga anunciou a aposentadoria. Ninguém queria mais saber do baião. Ele montou uma casa de forró na Ilhado Governador, onde morava, certo de que sua vida de viajante tinha acabado. Foi aí que o malandro (no bom sentido), Carlos Imperial soube que os Beatles tinham gravado uma música chamada Pássaro Preto (Blackbird), e boatou que o quarteto inglês iria cantar Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. A imprensa caiu em cima do velho Lua, que apareceu na época dando entrevista sentado numa rende na varanda de casa.
Suas músicas voltaram a tocar, muita gente passou a gravá-lo, de Londres, Caetano e Gil não cessavam de incensar seu nome. Foi então que José Carlos Capinam, parceiro de Gilberto Gil e Caetano Veloso, realizou a primeira grande entrevista com Lua, publicada no jornal Rolling Stone (na primeira versão nacional). Da entrevista para a produção do espetáculo que mudaria a rota do Rei do Baião. Gonzagão faria, finalmente, a travessia da Zona Norte para a Zona Sul em 1972, com o show Luiz Gonzaga Volta pra Curtir, no requintado teatro Tereza Rachel,em Copacabana, produzido por Waly Salomão e José Carlos Capinam.
Para isso seu Luiz teve que cantar com guitarra e contrabaixo elétricos, ao lado do tradicional trio, sanfona, triangulo e zabumba. Daí em diante ele se tornou ídolo dos universitários, participou até de festivais hippies. Aqui no Recife, em 1973, se apresentou no I parto da Música Livre do Nordeste, no Santa Isabel, no final do mesmo 1973, ele participou de festival em sua homenagem no Geraldão, com parte do udigrudi pernambucano, Phetus, Tamarineira Village, Alceu Valença, Marconi Notaro, Geraldo Azevedo, Cátia de França.
Embora nos anos 50, ele tenha tido o maior número de sucesso, ganhado mais dinheiro, foi na segunda metade dos anos 70, que foi devidamente reconhecido e consumido por todas as classes sociais, e fez turnês memoráveis. Reconciliado com o filho, os dois passaram a se apresentar e a gravar juntos, Gonzaguinha e Gonzagão (veio daí o aumentativo). Depois fez dupla com Fagner. Se no final dos anos 60, os tropicalistas elogiaram o trabalho de Luiz Gonzaga, mas à distância, nos anos 70, ele passou a integrar as hostes da MPB, gravando com Gal Costa, com Elba Ramalho. Mas mesmo cantando em ginásios e teatros, nunca parou de trafegar pelas estradas esburacadas do sertão sempre indo onde o povo estava.

NA FUNDAJ
Para celebrar a data, a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) apresentará o o festival Luar do Gonzação, com Alcymar Monteiro, amigo e compadre do Rei do Baião, e um bate-papo com o radialista, servidor aposentado da Fundação, Renato Phaelante, autor do título Luiz Gonzaga: baião, forró e seca (Bagaço, 2017). “São musicas emblemáticas da carreira dele, Pagode Russo, Assum Preto, Asa Branca. Noites Brasileiras. Muita coisa bonita. São 23 músicas, fhecnado com a Hora do Adeus. Mais músicas que eu gravei com ele,feito Flor de Canela, e Cantiga de Vem-Vem”, adianta o forrozeiro. O evento será transmitido no canal da Instituição, no domingo (13), a partir das 19h.

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