DIA DA MULHER

Artistas pernambucanas refletem sobre o significado do Dia da Mulher e o lugar feminino na arte

A convite do Jornal do Commercio, Karina Buhr, Isaar, Anne Costa, Hilda Torres, Nara Normande Micheliny Verunschk e Mabel Medeiros analisam suas respetivas áreas de atuação e o ser mulher em pleno 2020

Valentine Herold
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Valentine Herold
Publicado em 06/03/2020 às 16:00 | Atualizado em 09/03/2020 às 16:11
PRISCILA BUHR/ DIVULGAÇÃO
Karina Buhr, cantora e compositora - FOTO: PRISCILA BUHR/ DIVULGAÇÃO

A arte imita a vida e a vida imita arte, disseram. Essas frases são constantemente reproduzidas, sem muitas vezes virem acompanhadas de um questionamento sobre que arte estar a se falar. Além do mais, esqueceram de acrescentar que arte e vida, assim como a palavra revolução, são substantivos femininos e que sem as mulheres não há possibilidade de existir nenhuma das três. Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, é necessário enaltecer as artistas e gestoras culturais que fazem de Pernambuco este celeiro de uma efervescente produção cinematográfica, literária, musical, teatral, permorfática e tantas outras linguagens.

Historicamente invisibilizadas no campo da arte, as mulheres nunca se resignaram com os papéis marginais que lhes foram dados. Houve época em que era mais difícil se fazer ouvir, mas as últimas décadas vêm marcadas de um grito - ou uma grita, como diz a atriz e diretora de teatro Hilda Torres - cada vez mais alto e uníssono. Juntas se pode mais e esse senso do coletivo também deve ser plural em termos identitários.

“Durante séculos era inconcebível a ideia de mulher artista. A produção de mulheres sempre existiu, mas sofreu exclusão e apagamento no registro dessa história da arte”, pontua a diretora do Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Mamam), Mabel Medeiros. “Esse apagamento ocorre inclusive com a produção contemporânea, apesar de avanços alcançados com as lutas feministas. E certamente este fato não se dá por falta de produção ou por falta de mulheres artistas, mas, por falta de abertura e garantia de espaço às mesmas”, ressalta a gestora que vem feito um trabalho constante na valorização de artistas mulheres.

Essa busca por consumir produtos culturais feitos e protagonizados por outras mulheres é algo presente também nas falas de Hilda, Anne Costa (bailarina), Micheliny Verunschk (escritora), Karina Buhr (cantora e compositora), Isaar (cantora e compositora) e Nara Normande (cineasta). “Me sinto em comunhão quando o faço. Tenho buscado conhecer também sobre a vida das mulheres artistas. Se leio um livro de uma escritora, procuro saber de sua história. Fico sempre emocionada quando vejo que outras artistas estão chegando em lugares novos com seus trabalhos, pois a sensação que fica é a de continuidade”, ressalta a atriz e dramaturga, de 42 anos.

Ela começou a trabalhar com teatro muito nova, aos 18, e, ao longo dessas mais de duas décadas de atuação, sentiu muitas mudanças profissionais e pessoais. “É um despertar desse direito de pertencimento. Eu primeiro nasci mulher enquanto projeto social e depois eu renasci como a mulher que de fato sou”, conta Hilda.

Da mesma geração da atriz, a poeta e romancista Micheliny Verunschk aponta os anos de 2013 e 2014 como um momento de virada, com o movimento Mulherio das Letras, da autora Maria Valéria Rezende, e os clubes do Leia Mulheres. “Essa mudança foi provocada pelas próprias escritoras a partir também da falta de representatividade nas premiações”, destaca.

“A minha formação literária foi, como a maioria da minha geração, majoritariamente através de escritores brancos e ocidentais. Ainda hoje se fala em literatura feminina, mas o que é isso? Esse termo carrega uma série de preconceitos. Temos que falar em literatura feita por mulheres. A luta é cotidiana.” Mãe de uma adolescente de 14 anos, Micheliny percebe grandes avanços na consciência desta geração, apesar dos retrocessos sociopolíticos recentes.

Justamente em relação às perdas políticas pelas mulheres dos últimos anos, a cantora Isaar destaca a retirada da ex-presidente Dilma do poder. “E a volta de um discurso preconceituoso por parte do mais alto escalão da política nacional. Isso reverbera em todas políticas públicas. Mas o que a gente precisa atinar é para um mundo mais feminino. Lutar pela liberdade das mulheres e dos homens poderem exercer o seu feminino. A mulher ainda carrega o peso histórico dos séculos.”

CAROLINA OLIVEIRA/ DIVULGAÇÃO
Nara Normande, cineasta - CAROLINA OLIVEIRA/ DIVULGAÇÃO
RICARDO BOLOGNINI/ DIVULGAÇÃO
Micheliny Verunschk, escritora - RICARDO BOLOGNINI/ DIVULGAÇÃO
FELIPE RIBEIRO/ JC IMAGEM
Mabel Medeiros, diretora do Mamam - FELIPE RIBEIRO/ JC IMAGEM
PRISCILA BUHR/ DIVULGAÇÃO
Karina Buhr, cantora e compositora - PRISCILA BUHR/ DIVULGAÇÃO
Humberto Reis/ Divulgação
Isaar, cantora - Humberto Reis/ Divulgação
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Hilda Torres, atriz e diretora - LI BUARQUE/DIVULGAÇÃO
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Anne Costa, bailarina - DIVULGAÇÃO

Ser mulher

Uma pergunta, por vezes latente e por outras escancarada pelo cotidiano, parece surgir o tempo todo e ainda mais neste 8 de Março. O que significa ser mulher nos dias de hoje? Não há conclusão a certa ou fechada para ela, mas sim uma infinidade de respostas, que irão depender de cada vivência e história de vida da mulher que irá respondê-la.

“Penso que é criar espaços. Onde estiver, ser a facilitadora de espaços para outres. Sempre gostei de trabalhos em grupo porque entendo que um corpo maior, vibrando na mesma energia, ocupa muitos espaços e é movedor de vontades. Tenho clareza da energia ímpar de ser mulher, porque sinto do que ela é capaz”, reflete a bailarina Anne Costa. “Que possamos cada vez mais a potência que viemos ser e contar nossas histórias”, ressalta.

A sororidade é algo também muito presente no discurso de Karina Buhr. “O que mudou de quando eu era adolescente é que não temos mais a sensação de estarmos sozinhas, sabemos que temos redes gigantes de mulheres se ouvindo, se reverberando e essa reverberação chega também nos homens e os faz pelo menos escutar. Mas anda somos estigmatizadas e diminuídas no trabalho. Quando um artista homem aparece com um trabalho massa não tarda a crítica a chamá-lo de ‘gênio’ e mulheres que aparecem com trabalhos tão massas são ‘talentosa’, como se ainda não estivessem prontas”, aponta.

Para a cineasta Nara Normande, que acaba de voltar do Festival de Berlim, a questão é abrangente e sua avaliação mudou ao longo dos anos. “Tenho consciência muito mais hoje das dificuldades que enfrentei por ser mulher. Existe uma insegurança muito forte em ser diretora, muitas questões que os homens cineastas não têm. Sou lésbica, então tenho também essa consciência que preciso colocar minha voz e ajudar a criar novas narrativas.”

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