Na matemática cruel e veloz da expansão do novo Coronavírus, as implicações de curto e médio prazo vão além das questões de saúde e muito tem se especulado sobre como a economia vai conseguir superar mais esta crise. Com a maior orientação a ser seguida neste momento de permanecer em casa, restaurantes, bares e tantos setores de serviço estão em modo de espera. Teatros e casas de shows tiveram suas agendas de espetáculos adiadas ou até mesmo canceladas. Nesta equação, saem prejudicados não só os próprios artistas como todos os integrantes de uma cadeia que emprega milhares de pessoas. Como forma de tentar conter as consequências financeiras deste problema, produtores estão pedindo que as pessoas que compraram ingressos para shows, concertos e peças que tenham sido adiadas não peçam o reembolso e esperem as novas datas.
Músicos, cantores, atores, produtores, seguranças, motoristas, iluminadores de palco, cozinheiros, fotógrafos e mais tantos profissionais - muitos autônomos - costumam trabalhar para que um espetáculo cultural aconteça. Para o produtor pernambucano, Gustavo Agra, da Art Rec Produções, o prejuízo já está sendo sentido. Até o final de maio, ele estava trabalhando com a produção de 26 pautas, sendo 18 delas unicamente do Ballet de Moscou em várias cidades do Brasil e shows de Oswaldo Montenegro com Renato Teixeira, Benito de Paula e Nando Reis no Recife.
"Apesar de tudo isso, o que temos encontrado no nosso meio é um sentimento de cooperação muito forte. Todo mundo está compreendendo a necessidade do momento e trabalhando para que novas datas sejam possíveis. É complicado para os locais os espetáculos porque a agenda deles tem que ser toda refeita", explica. "É importante manter a cadeia funcionando para que a gente não entre em recessão. E a venda de ingressos tem um papel muito forte, se não vendemos, não temos como realizar. Por isso estamos pedindo compreensão para que as pessoas esperem ao invés de pedir logo reembolso porque a perspectiva é que teremos 90 dias de fluxo parado."
Além da agenda dos artistas de maior repercussão nacional é de se imaginar que os músicos locais, que possuem um público menor, também se demonstram bastante preocupados com os próximos meses. Mery Lemos é produtora há 15 anos e conta que jamais imaginou passar por uma situação como esta. "Temos que conscientizar as pessoas sobre a questão do reembolso, mas também pensar naqueles artistas que estão com show pronto e ainda não haviam começado a vender ingressos. A crise vai se agravar muito", avalia.
Mery acredita que uma das tendências para a cena autoral é a de shows online, transmitidos ao vivo nas redes sociais ou em plataformas específicas, cobrando taxas menores. "A monetização é fundamental, o artista precisa do retorno financeiro para viver. Claro que um músico, por exemplo, do porte de Chico Buarque, não vai sentir tanta diferença em termos monetários se ficar três meses sem tocar, mas o garçom da casa de show ou o roadie vai."
Charles Silva, baterista e sócio da banda Malícia Champion, tinha três shows previstos para os próximos 10 dias. "A banda trabalha tanto em festas privadas como com a produção própria dos nossos shows e, nos dois casos, a perspectiva das próximas semanas é zero. Precisamos muito ter todo o cuidado com aglomerações no momento, mas precisamos também pensar em soluções para as pessoas que trabalham de forma autônoma e na informalidade. As instituições públicas, como Estado e prefeituras, poderiam ajudar pagando, por exemplo, os cachês atrasados! Ou até com isenções de IPTU, já seria um alívio para quem é autônomo e vai ter sua renda seriamente comprometida."
A classe artística também avalia que nem toas as pessoas que haviam comprado ingressos têm, neste momento, as condições e abrir mão o reembolso. O apelo coletivo é para quem possa e se sensibilize com a importância e valorizar a produção cultural brasileira. Já dizia a atriz Cacilda Becker, falecida em 1969: "não me peça para dar de graça a única coisa que tenho para vender."
Comentários