LITERATURA

Cepe investe em compartilhamento de conteúdo gratuito para os dias de isolamento

Editora pernambucana tem realizado várias ações solidárias para auxiliar neste período de quarentena. Livros digitais gratuitos e um grande acervo histórico estão disponíveis para os leitores

Valentine Herold
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Valentine Herold
Publicado em 08/04/2020 às 17:02 | Atualizado em 08/04/2020 às 17:50
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As edições da Continente Documento, revista que circulou entre 2002 e 2007, estão disponíveis no site Acervo Cepe - FOTO: DIVULGAÇÃO

Nesses tempos de quarentena, a classe artística tem se mostrado cada vez mais unida em se manter ativa e promover momentos de distração e reflexão para o grande público. São incontáveis as lives acústicas de bandas de todo o Brasil e as companhias de dança e teatro que presentaram os confinados com espetáculos na íntegra. E se antes o tempo livre para os cinéfilos era um problema, agora ele está sendo facilmente preenchido dentro de casa devido à grande quantidade de filmes disponíveis de forma gratuita.

O setor literário não ficou de fora e foi um dos primeiros a se movimentar através da iniciativa de editoras - das grandes às independentes - de liberar e-books gratuitos, além de uma extensa programação de entrevistas com autores nas redes sociais. A Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) também aderiu ao movimento solidário e, a cada semana, anuncia novas ações.

Até a próxima sexta-feira (10), 14 títulos podem ser baixados gratuitamente no site da editora. São livros de poesia, com Caminho Áspero e Outros Poemas (Severino Filgueira), Mulher Sob a Influência de um Algorítimo (Rita Isadora Pessoa) e Vácuos (Mbate Pedro); ficção, O Filho das Viúvas (Pedro Veludo); ensaios, Os Olhos de Diadorim e Outros Ensaios (Wander Melo Miranda), 30 entrevistas da Continente (organização de Adriana Dória) e Ficcionais (organização de Schneider Carpeggiani); científico, Semblante: é de Verdade ou de Mentira? (Dulce Luna e Maria Teresa de Melo Padilha); de artes, Casos especiais de Osman Lins (organizado por Adriano Portela); um de história O massacre da Granja São Bento (Luiz Felipe Campos); e quatro de literatura infantil, com O Mar de Fiote (Mariângela Haddad), O menino mais estranho do mundo (Helder Herik e Luísa Vasconcelos), Contrato com vampiros (Délcio Teobaldo) e A valente Princesa Valéria (João Paulo Vazo). Na próxima segunda (13), novos livros serão disponibilizados.

Além da produção contemporânea, a Cepe possui um grande acervo de entrevistas, dossiês, jornais, depoimentos históricos e até partituras que podem ser consultados gratuitamente através do site Acervo Cepe, um oásis para pesquisadores e historiadores. O almanaque dos 100 anos do Diario Oficial, a coletânea de todos as edições do Suplemento Cultural – antecessor do Suplemento Pernambuco, que circulou entre 1986 e 2006 – e os arquivos da Comissão Estadual da Memória e da Verdade Dom Helder Câmara são alguns dos documentos disponíveis por lá.

Vale também ressaltar 54 edições da antiga revista Continente Documento (2002-2007), com perfis de artistas e episódios históricos, além de dezenas de contos escritos por Raimundo Carrero, Moacyr Scliar e Gilvan Lemos, entre vários outros escritores.

“Diante da necessidade de reclusão entre telas, lives, trabalho remoto e avalanche de notícias, a leitura pode ser um respiro, um caminho para outra economia da atenção que não esteja totalmente dominada pelos desafios e angústias do momento atual”, analisa o editor da Cepe, Diogo Guedes.

“Nós procuramos, com essas iniciativas, cumprir o papel de estar ainda mais junto aos leitores dentro de uma situação de isolamento, oferecendo a possibilidade de ampliar a prateleira (ainda que virtual) daqueles que assim desejam com títulos de qualidade e diversos. Isso é parte do sentido da existência de uma editora, ainda mais uma pública como a Cepe. E, mais do que nunca, acho que a leitura pode realçar nesse momento a sua capacidade de fazer pessoas metaforicamente se deslocarem de si mesmas e dos seus contextos imediatos, passeando por ficções, pensamentos e tempos distintos.”

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Livro está disponível gratuitamente no site da Cepe - DIVULGAÇÃO
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Luis Krauzs é escritor e publicou livro Opulência pela Cepe - DIVULGAÇÃO
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Livro está disponível gratuitamente no site da Cepe - DIVULGAÇÃO
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A poeta Cida Pedrosa - DIVULGAÇÃO
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As edições da Continente Documento, revista que circulou entre 2002 e 2007, estão disponíveis no site Acervo Cepe - DIVULGAÇÃO

Escritores refletem sobre nosso tempo

Artistas e intelectuais têm um papel importante em tempos extremos como o que estamos vivendo. Não apenas por estarem produzindo conteúdo cultural a partir de suas vivências, mas também em analisar os significados das novas configurações. Luis Krausz, autor do romance Opulência, recém-lançado pela Cepe, vem refletindo sobre as mudanças na rotina e o futuro incerto.

“Creio que, ao contrário do que acontece em muitos países do Hemisfério Norte, a cultura e a sociedade brasileiras não possuem uma tendência pronunciada à introspecção e à solidão, algo que é profundamente enraizado nos universos anglo-saxão e germânico, porém um tanto estranho aos universos latino,africano e indígena. Esta súbita distância que se estabelece entre as pessoas é um elemento novo e inesperado na vida das nossas cidades, onde todos têm o costume de se tocar, de se aproximar, de se abraçar e de se beijar. De repente, todos se vêem confrontados com suas solidões (...) De tal maneira, esses dias têm sido marcados por uma grande contradição que, estando sempre presente em minha vida, parece acirrar-se agora: do ponto de vista individual, a curiosidade e mesmo o deleite ante as condições meteorológicas, climáticas e atmosféricas tão favoráveis aos desdobramentos de uma subjetividade livre e, do ponto de vista coletivo, uma enorme inquietação ante o que está por vir, que é acompanhada de uma sensação de total impotência ante a catástrofe social que se anuncia. É como se as contradições da vida brasileira e de seu enorme abismo social tivessem chegado a um paroxismo, cujas consequências ainda não se deixam antever com clareza”, escreveu.

Outros autores da casa, como Raimundo Carrero e Cida Pedrosa, também contribuem na quarentena de maneira produtiva. “Costumo dizer que me sinto como um marinheiro que atravessa os rios do Congo em pleno coração das trevas, embora sem destino certo e sem tempo para estacionar. Aonde vou e quando paro? Eis as perguntas que me faço neste instante. É como percorrer os rios no escuro sendo observado nas margens por animais violentos que são os vírus. Sou um personagem de Conrad (Joseph Conrad, escritor britânico de origem polonesa, autor de Lord Jim”, reflete Carrero, autor de obras marcantes da literatura pernambucana, como A História de Bernarda Soledade: A Tigre do Sertão, O Delicado Abismo da Loucura ou ainda Tangolomango: Ritual das Paixões deste Mundo.

A poeta Cida Pedrosa, autora de As Filhas de Lilith, Gris e Solo Para Vialejo é pernambucana de Bodocó e encara este momento com a forte lembrança de uma outra praga, que rouba-lhe a concentração, mas não a criatividade. “Lá em casa, a palavra peste era proibida. Minha mãe nasceu em 1920 e em 1930 a peste assolou o Araripe. A perda de parentes foi marcante. Mas uma pandemia era algo muito distante na minha cabeça, inconcebível, uma coisa que atacasse globalmente feito o que a gente está vivendo, todo mundo isolado socialmente.”

Com um histórico de vida focado nos movimentos sociais, especialmente na perspectiva feminista, Cida se preocupa com as consequências deste vírus na vida das periferias “Essas pessoas podem se isolar? Não podem. A rua é a extensão da vida delas.”

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